O imbróglio sobre o aumento do IPTU de São Paulo

A Lei nº 15.889/13 aprovada na gestão do Prefeito Haddad com atropelo do processo legislativo e dos princípios basilares do Direito Tributário, a título de IPTU progressivo previsto no parágrafo 1º do art. 156 da CF, estabeleceu três tabelas de regressão/progressão para imóveis residenciais, para imóveis não residenciais e para imóveis não edificados pelos arts. 3º, 4º e 5º, respectivamente, conforme abaixo reproduzidas:

 

Faixas de valor venal desconto/acréscimo para imóveis residenciais

até R$ 150.000,00 – 0,3%

acima de R$ 150.000,00 até R$ 300.000,00 – 0,1%

acima de R$ 300.000,00 até R$ 600.000,00 + 0,1%

acima de R$ 600.000,00 até R$ 1.200.000,00 + 0,3%

acima de R$ 1.200.000,00 + 0,5%

 

Faixas de valor venal desconto/acréscimo para imóveis não residenciais

até R$ 150.000,00 – 0,4%

acima de R$ 150.000,00 até R$ 300.000,00 – 0,2%

acima de R$ 300.000,00 até R$ 600.000,00 0,0%

acima de R$ 600.000,00 até R$ 1.200.000,00 + 0,2%

acima de R$ 1.200.000,00 + 0,4%

 

 

Faixas de valor venal desconto/acréscimo para terrenos

até R$ 150.000,00 – 0,4%

acima de R$ 150.000,00 até R$ 300.000,00 – 0,2%

acima de R$ 300.000,00 até R$ 600.000,00 0,0%

acima de R$ 600.000,00 até R$ 1.200.000,00 + 0,2%

acima de R$ 1.200.000,00 + 0,4%

 

Como se verifica, o imóvel residencial na faixa de R$ 150.000,00 sofre a redução máxima de -0,3% e os imóveis acima de R$150.000,00 até R$300.000,00 sofrem a redução mínima de -0,1%. O aumento varia de +0,1% até +0,5%, ao passo que, nos imóveis não residenciais de idêntica faixa de R$ 150.000,00 a redução máxima é de -0,4% e a mínima para imóveis entre R$150.000,00 a R$300.000,00 é de -0,2%. O acréscimo evolui de +0,2% até +0,4%. Os terrenos não edificados seguem a mesma proporção do imóvel comercial.

O legislador, por meio dessa confusa e caótica “progressividade” em que há redução seguida de aumento, agiu na contramão do privilégio que se tem outorgado tradicionalmente para os imóveis residenciais, sempre tributados com alíquota de 1% contra a alíquota de 1,5% para imóveis não residenciais e imóveis não edificados, no pressuposto de que a residência é considerada o asilo inviolável pelo texto constitucional que a protege em nível de cláusula pétrea. E mais, do exame atento das três tabelas verifica-se que há compressão das faixas de progressividade em relação a imóveis residenciais, o que resulta no aumento maior do imposto.

Com efeito, um imóvel residencial de valor venal igual a R$ 600.000,00 sofre aumento de +0,1%, ao passo que, o imóvel não residencial ou imóvel não edificado de idêntico valor venal de R$ 600.000,00 nenhum acréscimo sofre.

Daí porque há casos em que o imóvel residencial acaba pagando mais do que um terreno, apesar de ter a alíquota reduzida de 1%. Na melhor das hipóteses, anula-se o benefício da alíquota menor, o que afronta o princípio da razoabilidade, que é um limite imposto à ação do próprio legislador. A lei não pode dar com a mão direita e retirar com a mão esquerda, sem ferir a ordem legal.

Essa “progressividade” peculiar foi inventada na década de 80 pela Prefeita Erundina, do PT.

O Prefeito Paulo Maluf, quando assumiu a Prefeitura aboliu esse critério de lançamento confuso e caótico, restabelecendo o princípio da transparência tributária previsto no § 5º, do art. 150 da CF, aplicando as alíquotas de 1% e de 1,5% diretamente sobre a base de cálculo, como determina o CTN e o CTM. Porém, a Prefeita Marta Suplicy, igualmente do PT, na época, restabeleceu a “progressividade” confusa e caótica que a todos confunde e gera contradições inafastáveis, distorcendo o Sistema Tributário estruturado no Código Tributário Nacional. O ato de lançamento termina, ou deveria terminar, com a aplicação da alíquota, simples ou progressiva, sobre a base de cálculo, seguida de notificação do contribuinte para pagamento ou impugnação. É o lógico, o racional e o que está no Código Tributário Nacional. Na gestão do Prefeito Haddad a forma nebulosa e enrustida de aumentar o IPTU foi agravada com a perpetuação do abuso legislativo, consistente na expansão dos limites geográficos das zonas fiscais 1 (um) e 2 (dois), adentrando nos limites abrangidos pelas zonas fiscais 3 (três) e 4 (quatro) carentes de infraestrutura básica da cidade. Isso acarretou o aumento do valor venal de forma sub-reptícia. Os contribuintes leigos não conseguiram descobrir a causa desses aumentos abusivos. O TJSP se percebeu fez vista grossa ao cassar a liminar concedida na ADI e julgar improcedente a ação, ante a promessa formal do Município de rever a lei viciada. Na prática, a ação da Prefeitura só resultou na anistia do aumento de 20% e 35% do IPTU do exercício de 2013 para imóveis residenciais e imóveis não residenciais e não edificados, respectivamente.

O IPTU de 2019 somou a esses vícios insanáveis o desrespeito ao limite máximo de aumento de um exercício para outro, previsto no art. 9º nos seguintes termos:

 

“Art. 9º A diferença nominal entre o crédito tributário total do IPTU do exercício do lançamento e o do exercício anterior fica limitada:

I – no caso de imóveis com utilização exclusiva ou predominante residencial, a 20% (vinte por cento) para fatos geradores ocorridos no exercício de 2014 e a 10% (dez por cento) para fatos geradores ocorridos nos demais exercícios;

II – nos demais casos, a 35% (trinta e cinco por cento) para fatos geradores ocorridos no exercício de 2014 e a 15% (quinze por cento) para fatos geradores ocorridos nos demais exercícios.

  • 1º Caso haja alteração de dados cadastrais do imóvel, nos exercícios a que se refere o “caput” deste artigo, o valor utilizado para apuração do crédito tributário calculado para o exercício anterior corresponderá ao valor que seria obtido se fosse considerada a alteração dos dados cadastrais.
  • 2º Na aplicação dos percentuais previstos nos incisos I e II do “caput” deste artigo não serão consideradas as isenções concedidas com base no valor venal do imóvel.
  • 3º No caso de imóveis construídos para os quais conste excesso de área, a redução do Imposto Predial e do Imposto Territorial Urbano decorrente da limitação referida no “caput” deste artigo será distribuída proporcionalmente aos respectivos créditos tributários calculados para o exercício do lançamento.”

 

Verifica-se, pois, que a partir do exercício de 2015 há uma trava de 10% para imóveis residenciais e para demais imóveis uma trava de 15%. É o que resulta com clareza lapidar.

O § 1º ressalva do imposto-base para aplicação do aumento máximo de 10% e 15%, conforme o caso, a alteração de dados cadastrais do imóvel no curso do exercício-base por conta de reformas, hipótese em que o valor do imposto-base corresponderá ao valor que seria obtido se fosse considerada a alteração de dados cadastrais. É hipótese rara, mas isso faz sentido.

O que não faz sentido é a autoridade administrativa invocar o § 2º para sustentar o óbvio, isto é, que as travas dos incisos I e II não se aplicam nas hipóteses de isenções concedidas com base no valor venal do imóvel. Se o imóvel que estava isento no exercício de 2018, e no exercício de 2019 passou a ser tributado porque, com a atualização o valor venal, ficou superado o limite de isenção, por óbvio, não cabe falar em aplicação das travas de 10%. De fato, 10% sobre zero resulta em zero. Por isso, a invocação desse § 2º pelo Secretário de Finanças da Prefeitura, na audiência pública da Câmara Municipal, para justificar o aumento não faz menor sentido, nem faz jus a sua inteligência que se presume ter por ser um exercente de cargo público tão importante.

A reclamação do contribuinte diz respeito ao aumento do IPTU acima de 10% do que pagou no ano de 2018, ofendendo o art. 9º, inciso I da Lei. Claro como água cristalina! Onde a dúvida?

Se ele nada pagou em 2018, porque estava isento, evidentemente, não cabe cogitar de limitar o aumento a 10% em relação ao exercício anterior.

Finalmente, o § 3º prescreve que para imóveis com excesso de área construída, a redução do IPTU prevista no caput será distribuída proporcionalmente aos respectivos valores do imposto calculado para o exercício do lançamento. Essa hipótese que, também, é rara, harmoniza-se com o conjunto de normas da Lei nº 15.889/13.

A Prefeitura paulistana descumpre a lei que ela própria editou quebrando o princípio da proteção da confiança que repousa na boa-fé objetiva do Poder Público. A quebra desse princípio basilar implica, ipso facto, a violação do princípio da segurança jurídica que deriva da previsibilidade que a lei conformada com o texto constitucional proporciona ao jurisdicionado. Somente a lei pode propiciar ao cidadão a visão do que o poder político do Estado poderá fazer e o que não poderá fazer.

As pessoas cumprem a lei, praticando os atos determinados, ou abstendo-se de condutas vedadas legalmente, no pressuposto de que a lei será observada pelo ente político que a editou. Se o governante viola a lei fazendo prevalecer a sua vontade subjetiva não mais estaremos diante de um governo de leis, mas de homens, o que representa uma negação ao Estado Democrático de Direito, caracterizado pelo império da lei aprovada pelos legítimos representantes do povo. Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. É o que está proclamado no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal.

Positivamente, cabe à Prefeitura de São Paulo, sob o ponto de vista legal, constitucional e moral, promover a revisão de ofício dos lançamentos do IPTU de 2019, a fim de ajustá-los aos limites da lei em vigor, restabelecendo a legalidade ferida, ao invés de ficar tergiversando com argumentos ocos, desprovidos de qualquer sentido jurídico.

Os tempos mudaram! O cidadão está cada vez mais esclarecido e consciente de seus direitos e obrigações. As audiências públicas nas Casas Legislativas se multiplicaram, dando efetividade ao princípio da representação popular.  Não mais se permite governar a cidade na base da canetada, ou do tacão, mas, apenas com base na lei elaborada e aprovada pelos lídimos representantes do povo.

SP, 4-3-19.

 

Jurista e Professor

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