Confuso cenário político-institucional

DR-KIYOSHI-15-07-19

Sumário: 1 Introdução. 2 Respeito à Constituição. 3 Divisão do Poder. 4 Afronta ao princípio da separação dos Poderes. 5 Considerações finais.

 

1 Introdução

Para a retomada do crescimento econômico não bastam as reformas previdenciária e tributária, a primeira delas considerada, de forma exagerada, como sendo um instrumento essencial para evitar a falência do Estado: ou se faz a reforma, ou o Brasil quebra. Com isso, fechou-se o caminho para outras múltiplas alternativas de que dispomos para tirar o País do atoleiro em que se encontra. Um desses meios é visível a todos que queiram constatar a realidade. A necessidade de conter as despesas públicas mediante o enxugamento de órgãos públicos sobrepostos que só alimentam despesas de pessoal e confusões e atritos na execução das tarefas. A União e os Estados e Municípios consomem o mínimo de 50% e 60% de sua receita corrente líquida[1], respectivamente, para custear as despesas de pessoal. E quase outro tanto para pagar o serviço da dívida. Assim, é natural que, por mais que se eleve a carga tributária, sempre faltarão recursos para funcionamento regular de órgãos e instituições públicas, e as tesouradas nas verbas tendem a se tornar permanentes, fazendo da LOA, um instrumento de exercício da cidadania, um mero amontoado de números e siglas, sem qualquer utilidade prática.

 

2 Respeito à Constituição 

Para que o Estado cumpra os seus fins é preciso, antes de tudo, restabelecer o respeito à Constituição. Com cada chefe de Poder e, às vezes, chefes de órgãos inferiores querendo executar as suas pretensas atribuições a sua maneira, no pressuposto de melhor servir aos interesses do Estado e da sociedade, acaba criando a todo o momento impasses político-institucionais que perturbam sobremaneira o funcionamento regular das instituições públicas e privadas, com gravíssimos reflexos em todas as atividades, notadamente, naquelas concernentes à produção de riquezas que é vital para o sadio desenvolvimento socioeconômico do País.

 

3 Divisão do Poder 

Como sempre nos ensina o Professor Michel Temer, autoridade tem apenas o povo, detentor legítimo da soberania. As autoridades dos Três Poderes, Legislativo,
Executivo e Judiciário são simplesmente autoridades constituídas. Elas não têm o poder de constituir porque derivadas do poder legitimamente exercido pelo povo. E não há um quarto Poder, como pretende o Ministério Público que vem usurpando a competência cabente à Polícia Civil de instaurar inquéritos para averiguação de infrações penais. São apenas e tão somente Três Poderes que exercem o Poder do Estado nos exatos limites com que desenhados pela Constituição aprovada pela soberania popular. Todos os demais órgãos agem por delegação dos Três Poderes e nos limites constitucionais e legais.

Quando o art. 127 da Constituição prescreve que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, não se está guindando o Ministério Público como um quarto Poder, mas, ao contrário, está incumbindo-lhe a missão de exercer o papel fundamental de custos legis. Por isso, qualquer membro do Ministério Público que se sobrepõe à lei, exercendo uma atribuição que não lhe compete, ainda que motivado por objetivos nobres, comete crime de responsabilidade. O povo, autoridade primeira, detentor legítimo da soberania estatal, não deve fazer vistas grossas aos excessos cometidos por aqueles que têm por função zelar pela ordem jurídica vigente.

Igualmente acontece com os Ministros ou Conselheiros de Tribunais de Contas que a pretexto de exercer o controle e fiscalização da execução orçamentária passam a fazer o exame do mérito das políticas públicas traçadas pelo Executivo com a participação do Legislativo, chegando a sustar preventivamente obras e serviços, sem terem competência para isso. Não cabe à Corte de Contas dizer como devem ser as políticas públicas, pois, os seus membros não receberam um voto sequer do cidadão para formular ou direcionar as políticas públicas para as diferentes áreas.

Na verdade, esses órgãos são auxiliares dos Três Poderes. O desempenho de atribuições próprias e autônomas do TCU, por exemplo, previstas nos incisos II, III, IV, V, VIII, IX e XI, do art. 71 da CF nada têm a ver com a noção de Poder que, aliás, é uno. O Poder estatal é um só. Nesse sentido, fala-se em função Legislativa, em função Executiva e em função Jurisdicional que atuam, respectivamente, para o futuro, para o presente e para o passado, a fim de bem demarcar os limites de atuação do poder estatal de cada um, o que a doutrina chama de separação de Poderes. Nenhum Poder pode fazer o que bem entender, sem que sofra a intervenção de dois outros Poderes. É o sistema de freios e contrapesos.

 

4 Afronta ao princípio da separação dos Poderes 

Na prática, verificamos a violação frequente do princípio da separação dos Poderes. O Judiciário, em nome da justiça, da moralidade pública e de outros valores vem exercendo o papel de legislador positivo, não para preencher as lacunas da lei, mas para alterar a ordem legal, por meio de procedimento que ficou conhecido como ativismo judicial. Outras vezes, benefícios assegurados em lei são negados pela Justiça em nome da saúde financeira do Estado, externando uma preocupação que não lhe cabe. A função do Judiciário é a de aplicar a lei vigente conformada com o texto constitucional.

De outro lado, vemos o descumprimento sistemático das ordens judiciais, emanadas regularmente de órgãos judiciários, pelas autoridades ou agentes do Poder Executivo, assim como a usurpação de competência do Legislativo por meio de Decretos, ou de medidas provisórias elaboradas fora dos parâmetros constitucionais.

Vemos também o Legislativo legislando em causa própria, de um lado, e tornando-se sócio da administração pública, de outro lado, por meio de participação de seus membros não apenas nos cargos de primeiro escalão, mas também, pela ocupação de infindáveis cargos técnicos nas administrações direta e indireta da União, em todo o território nacional. É claro que isso compromete a eficiência do serviço público. O “dá cá, toma lá” pode ter mudado de nome, mas ele não acabou. É um mal ínsito no sistema presidencialista de coalizão de há muito esgotado. A culpa, portanto, nesse particular é do sistema. Melhor seria a adoção do parlamentarismo com monarquia constitucional do que continuar convivendo com um sistema que não funciona e que gasta bilhões de reais do nosso bolso em periódicas eleições majoritárias, cada vez mais caras e que vem gerando uma corrupção crescente.

 

5 Considerações finais 

O que mais nos assusta, porque gera insegurança jurídica total, é que “autoridades” do Ministério Público, da Polícia Federal e da Receita Federal vêm agindo por conta própria, sem observar as formalidades da lei motivadas certamente pelo desejo de prestar relevantes serviços à sociedade com rapidez e eficiência. Só que não há desserviço público maior do que atropelar as leis vigentes em busca da eficiência no desempenho de suas atividades. De nada adianta o combate à criminalidade, à corrupção, à sonegação de tributos se levado a efeito sem o respeito aos direitos fundamentais do cidadão.  A prática de atos contra legem por agentes públicos em geral, na verdade, configura abuso de autoridade, apesar da omissão da Lei nº 4.898/65 que define os crimes de abuso de autoridade, e nem haver previsão nesse sentido no projeto de lei recentemente aprovado pelo Congresso Nacional.

Alguns desses órgãos pretendem fazer uso do dinheiro público, sem autorização legislativa, isto é, fora do orçamento anual sob o fundamento de que foram os responsáveis pela recuperação da parcela do dinheiro público desviado pelos malfeitores, reunidos em forma de “crime organizado”. Isso é ignorar noção elementar de despesa pública, que deve estar previamente fixada na LOA, sob pena de tornar impossível o controle e fiscalização das despesas públicas pelos órgãos competentes. Preocupante, também, a percepção de spreads pelos tribunais que administram os recursos financeiros para pagamento de precatórios, com respaldo no entendimento manifestado pelo Conselho Nacional da Justiça. São recursos extras que os tribunais percebem e que não têm previsão na lei orçamentária. Com expedientes desse jaez é claro que os pagamentos de precatórios aos legítimos destinatários são cada vez mais protelados, por meio de infindáveis procedimentos burocráticos e morosidade calculada. Enfim, tudo que é simples e racional pode ser complicado, ainda que em busca de objetivos nobres. Mas, promover o aumento da angústia e do sofrimento de precatoristas que aguardam o pagamento de seus direitos na fila há 15 ou 20 anos ou mais, certamente, não se encaixa no conceito de objetivo nobre.

Concluindo, sem respeito à Constituição, sem que as autoridades constituídas atuem dentro de suas atribuições próprias, estritamente dentro da ordem legal estabelecida para todos, sem exceções, não haverá o desenvolvimento socioeconômico do País pretendido pelas reformas em andamento. Por derradeiro, é preciso ética no ato de legislar, no ato de executar e no ato de julgar cada vez menos presente nos últimos anos onde prevalece o individualismo, o egoísmo que afasta o espírito coletivo e a empatia entre as pessoas.

 

 

[1] Na verdade, são limites máximos fixados pela LRF que na prática tornaram-se mínimos e, muitas vezes extravasando esses limites, sem aplicação de quaisquer das sanções previstas em lei.

 

SP, 2-9-19

 

 

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