Contribuição sindical patronal rural

Um dos temas controvertidos examinados no nosso livro Contribuições sociais doutrina e prática (Atlas, 2015, p. 179-183) diz respeito à possibilidade jurídica ou não de uma entidade particular figurar como sujeito ativo de tributo com poderes para fiscalizar, lançar e cobrar.

Sabe-se que as chamadas contribuições parafiscais são arrecadadas por entidades particulares por delegação do poder público. O produto de sua arrecadação é destinado ao custeio de uma atividade paraestatal, ou seja, atividade desempenhada por entidades privadas, porém, com o escopo político social relevante. Sãos as conhecidas instituições privadas que integram o sistema S.

Não é o caso da contribuição sindical, nova denominação conferida ao antigo imposto sindical pelo art. 217, I do CTN que tem seu enquadramento na contribuição social de interesse das categorias profissionais ou econômicas de conformidade com o disp9osto no art. 149 da CF.

Essa contribuição sindical que vem sendo cobrada à sombra da de uma construção jurisprudencial, na verdade, está extinta por desaparecimento de sujeito ativo, sem designação legal de seu sucessor e sem qualquer delegação do poder público para continuar a sua cobrança.

Entretanto, o Colendo Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 396 com os seguintes dizeres:

 

“A Confederação Nacional da Agricultura tem legitimidade ativa para cobrança da contribuição sindical rural.”

 

A referida Súmula, conforme demonstraremos a seguir, implicou recriação, sem lei, de um tributo federal extinto, desobedecendo ao princípio da legalidade tributária (art. 150, I da CF).

Com efeito, essa contribuição sindical patronal rural foi criada pelo Decreto-lei  nº 1.166, de 15 de abril de 1971, conferindo ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – a titularidade para proceder ao seu lançamento e cobrança ( art. 4º e § 1º). Essa contribuição sindical, ao tempo de sua vigência, era paga juntamente com o Imposto Territorial Rural do imóvel a que se referir (art. 5º), tendo como base de cálculo o valor da terra nua que é, também, a base de cálculo do Imposto Territorial Rural.

Acontece que a competência arrecadatória dessa contribuição sindical, bem como do Imposto Territorial Rural passou para a Secretaria da Receita Federal, encarregando a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para sua apuração, inscrição e cobrança, tudo de conformidade com o disposto no art. 1º,  da lei 8.022, de 12 de abril de 1990.

Contudo, essa competência outorgada para Secretaria da Receita Federal, hoje, Secretaria da  Receita Federal do Brasil em relação à contribuição sindical rural  cessou a partir de 31 de dezembro de 1996, por expressa disposição do art. 24 inciso I, da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994. A Secretaria da Receita Federal do Brasil continuou apenas com a competência para lançar e cobrar o Imposto Territorial Rural – ITR.

Ora, se a lei deixou de designar o novo titular da imposição tributária, a contribuição sindical patronal rural deixou de ter existência no mundo jurídico. Nem a doutrina, nem a jurisprudência podem ressuscitá-la. Somente a lei tem esse poder.

Conforme demonstramos no nosso livro, o tributo deixa de existir  legalmente quando faltar qualquer um dos cinco aspectos do fato gerador da obrigação tributária: aspecto material do fato gerador (descrição legislativa da hipótese em que é devido o tributo); sujeitos da obrigação tributária (sujeito ativo e sujeito passivo); aspecto quantitativo (base de cálculo e alíquota); aspecto espacial (onde se concretizou o fato gerador que,  nos casos de tributos estaduais e municipais, indica o sujeito ativo competente); e o aspecto temporal, isto é, quando se concretizou o fato gerador, circunstância que define a legislação aplicável segundo o princípio tempus regit actum. E no caso sob exame falta um dos elementos do fato gerador, qual seja, o elemento subjetivo ativo, representado por uma das entidades políticas tributantes ou suas autarquias. Nenhum ente privado pode ser sujeito ativo de tributo. Lei nesse sentido será flagrantemente inconstitucional, porque pelo princípio discriminador de rendas tributárias a Constituição Federal deferiu o poder de tributar apenas às entidades políticas, nelas compreendidas as respectivas autarquias.[1]

Como não houve designação de novo órgão público arrecadador da contribuição social sob exame, após a cessação da competência impositiva da  Secretaria da Receita Federal do Brasil segue-se que o tributo deixou de ter existência legal por ausência de sujeito ativo válido.

Poder-se-ia argumentar que a competência tributária retornou para o INCRA uma vez vencido o prazo de delegação à SRF. Acontece que o INCRA não vem exercendo essa competência não se podendo  presumir que transferiu a sua competência para a CNA, mera entidade particular, destinatária de apenas 5% do produto de arrecadação da referida contribuição sindical em questão, de conformidade com o art. 589 da CLT. A inconstitucionalidade de sua cobrança por uma entidade privada é manifesta. A definição do sujeito ativo de qualquer tributo está sob o princípio da reserva legal, não podendo ser objeto de criação pretoriana, sob pena de violação do princípio constitucional da legalidade tributária.

 

SP, 15-11-16.

 

* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.  Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.

[1] Cf, nosso Contribuições sociais doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2015, p. 180.

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