Em poucas palavras 103

Em poucas palavras 103

Em poucas palavras 103 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.

Novo critério de desempate no CARF sob julgamento no STF

O STF começou o julgamento das ADIs que questionam o art. 28 da Lei nº 13.988/2020, resultado da conversão da Medida Provisória nº 899/2019 que regulamenta a transação tributária prevista no art. 171 do CTN.

Durante a sua tramitação no Congresso Nacional foi inserido o art. 19-E na Lei nº 10.522/2002 que substituiu o voto de qualidade em caso de empate pela proclamação da tese que for favorável ao contribuinte.

O Ministro Marco Aurélio, relator do processo entendeu que a lei questionada padece de abuso do poder de emenda, pela prática de “contrabando legislativo” popularmente conhecido por Jaboti. (Se um jaboti estiver na copa de uma árvore é porque alguém o colocou lá).

Entretanto, o Ministro Marco Aurélio afastou o vício material, porque no seu entender a lei impugnada não criou o voto de qualidade em benefício do contribuinte; apenas definiu que, se não há maioria no colegiado do CARF, não se tem confirmado o lançamento do tributo.

Não vislumbramos no caso a figura do jaboti, pois tanto a transação tributária, como a novo critério de desempate conduzem à extinção do litígio na esfera administrativa havendo, portanto, conexão dentre as duas matérias.

Contudo, para afastar qualquer questionamento seria recomendável que a lei adotasse o revezamento da autoridade que profere o voto de desempate entre a Presidência da Turma e a Vice-Presidência da Turma, considerando que de alguns anos para cá o representante da Fazenda com assento no CARF abandou o princípio da imparcialidade, mesmo não estando o CARF subordinado às Instruções Normativas da RFB, ao contrário dos julgadores de primeira instância.

Inusitada Solução de Consulta COSIT 36/2021 da RFB

A RFB baixou a Solução de Consulta em epígrafe versando sobre a obrigatoriedade de os prestadores de serviços, portadores de decisão judicial que assegura a exclusão do valor do ISS da base de cálculo do PIS/COFINS, se sujeitarem à retenção do tributo na fonte sem a exclusão do ISS. Em outras palavras, os tomadores de serviços devem ignorar a decisão judicial a favor dos prestadores de serviços, promovendo a retenção das contribuições sociais na fonte sem o desconto do valor do ISS.

O fisco federal argumenta que a retenção na fonte tem força própria e independente pelo que não é possível o desconto sem expressa determinação de dispensa na decisão judicial.

Ora, na retenção na fonte, os tomadores de serviços devem obedecer ao critério de apuração do tributo previsto na decisão judicial, qual seja, a apuração da contribuição social do PIS/COFINS mediante prévia exclusão do valor do ISS da base de cálculo dessas contribuições sociais. O ISS deve ser excluído no cálculo das contribuições sociais, quer na hipótese de recolhimento direto pelo titular da ordem judicial, quer em se tratando de recolhimento por via de retenção na fonte. Nas faz sentido exigir-se uma segunda decisão judicial a respeito.

Assim, o agente público que proceder da forma preconizada na SC da COSIT sob exame incorre em crime de responsabilidade previsto no art. 12, inciso I da Lei nº 1.079/1950 (impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário).

É oportuno lembrar que o STF, em sede de repercussão geral, já decidiu pela exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/COFINS (RE nº 592616-RS).

Proibição de celebração de cultos religiosos durante a pandemia

A abertura de igrejas para os fieis em geral varia de acordo com a decisão de cada Município. No Estado de São Paulo, o governador baixou um Decreto proibindo a celebração de cultos durante o período da pandemia baseado em critérios científicos de combate à Covid-19.

O Ministro Nunes Marques considerou inconstitucional esse Decreto por ferir o direito à liberdade de celebração do culto, inserindo a atividade religiosa entre aquelas consideradas essenciais.

Interessante notar que os defensores da abertura das igrejas invocam sempre o direito fundamental de liberdade de culto religioso não fazendo uma avaliação em confronto com o direito à saúde da população em geral que abrange os fieis e os não fieis.

Em momentos de pandemia em que o protocolo vigente não permite a concentração de pessoas em um ambiente fechado, prescrevendo o isolamento e o distanciamento, esse direito de celebração do culto nas igrejas deve ser sopesado com outro direito fundamental do cidadão que é o direito à saúde. E o direito de afastar o risco à sua vida.

Não pode a população como um todo, que envolve os praticantes do culto e os não praticantes, ser prejudicada em sua saúde por conta de uma parcela, ponderável que seja, dessa população que quer a todo custo promover a concentração para fins religiosos e assim contribuir para o espalhamento e transmissão do vírus da covid 19.

Por tais razões, o Plenário do STF decidiu contra votos dos Ministros Nunes Marques e Dias Tóffoli que é constitucional o Decreto do governo do Estado de São Paulo que proibiu a abertura das igrejas neste Estado.

CPI para investigar a omissão do Presidente no combate à Covid-19

O Ministro Roberto Barroso acolheu o pedido de dois Senadores oposicionistas e determinou que o Presidente do Senado instaure a CPI para investigar a alegada omissão do Presidente da República no combate à pandemia tendo em vista que o requerimento nesse sentido reuniu o número mínino exigido (um terço), bem como assinalou prazo certo de sua duração preenchendo, portanto, todos os requisitos exigidos pelo § 3º, do art. 58 da CF. 

Sem dúvida a CPI é um dos instrumentos assecuratórios do direito da minoria parlamentar garantido pela Carta Magna.

Porém, o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco alega juízo de oportunidade e conveniência para a instauração dessa CPI neste momento grave caracterizada pela pandemia a colocar em risco a saúde dos membros da Comissão, das autoridades a serem ouvidas e dos servidores da Casa. Por isso, deixou de dar seguimento ao requerimento de abertura da CPI.

Tratasse de uma CPI para apurar, por exemplo, a omissão do INPE no crescimento do desmatamento da região Amazônia, não teríamos dúvidas em afirmar a sua importunidade e inconveniência.

Contudo, neste momento em que o número de vítimas vem crescendo e o iminente perigo de colapso nacional de leitos hospitalares, pergunta-se, não é conveniente e oportuna a apuração de possível relação entre a omissão apontada do Senhor Presidente da República e o recrudescimento da pandemia? Sabe-se que o Senhor Presidente tem assumido postura contrária à recomendada pelos protocolos sanitários nacionais e internacionais ao minimizar o uso de máscaras, ao aparecer em público provocando aglomerações de pessoas sem os cuidados recomendados e ao pregar abertamente a celebração de cultos religiosos etc.

Enfim, trata-se de sopesar os interesses em confronto: de um lado a necessidade de preservar a saúde da população como um todo; de outro lado o legítimo interesse do Presidente do Senado de zelar pela saúde dos membros da Casa e de seus servidores, bem como das pessoas que deverão depor perante a CPI. Não é o caso de decidir pelo interesse da maioria, pois, se assim fosse a minoria nunca teria voz, e a própria CPI não poderia ser instaurada.

Ante a decisão judicial urge buscar uma solução conciliatória utilizando-se de um sistema híbrido para a realização dessa CPI. Exigir presença física apenas e tão somente para deliberação de matérias que não possam ser feitas à distância. Entretanto, a oitiva de testemunhas não pode ser feita de forma virtual sem a quebra do princípio da incomunicabilidade.

Outrossim, não se pode esquecer que o Senado e a Câmara vêm apreciando, discutindo e aprovando importantes projetos legislativos sem a reunião presencial de seus membros.

Mas, penso a CPI é uma questão política e não deveria ter sido judicializado neste momento grave em que requer a união de forças dos três Poderes como preconizado na Comissão Nacional de Combate à Pandemia.

A importância da teoria do fato gerador da obrigação tributária

Lamentavelmente o fato gerador da obrigação tributária não é estudado em todos os seus aspectos. Um confronto entre a obrigação tributária e a tradicional obrigação do direito civil contribuiria bastante para conhecimento aprofundado de todos os elementos do fato gerador.

Na verdade, a obrigação tributária só difere da obrigação de direito civil no que tange à fonte (somente decorre de lei) e quanto ao objeto (tributo e multa pecuniária) sendo igual em relação aos demais elementos constitutivos da obrigação.

Essa falta de conhecimento teórico-doutrinário tem levada à elaboração de leis materialmente viciadas por eleger como fato gerador de impostos situações que não se faz presente a ocorrência do fato gerador, bem como aas decisões judiciais equivocadas como a cobrança do IPI na revenda de produto industrializado importado em que claramente não há ocorrência do fato gerador (ato de industrializar), assim como desnecessárias decisões repetitivas do STF, como nos casos de não incidência do ICMS na transferência de mercadoria de um estabelecimento para outro do mesmo titular situado em outro Estado.

A última decisão do STF versou sobre a não incidência do ICMS sobre a transferência de gado de uma fazenda para outra do mesmo titular situado em outro Estado. Logo virão decisões sobre transferências de cavalos, de suínos, de frangos etc. de um estabelecimento para outro do mesmo titular.

Tudo isso revela desconhecimento do aspecto nuclear do fato gerador do ICMS que envolve uma operação de natureza mercantil. Ninguém vende coisa alguma para si próprio. Não e preciso tomar o tempo do STF para confirmar cada caso de não incidência do imposto, por ausência da ocorrência em concreto do respectivo fato gerador.

SP, 12-4-2021.

Por Kiyoshi Harada

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