Em poucas palavras 14

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Kiyoshi Harada

Jurista e Professor

 

Desburocratização

 

Está em tramitação no Congresso Nacional a PEC Nº 57/16 que simplifica a burocracia fiscal e tributária nos municípios de pequeno porte.

Define o conceito de “pequeno município”. Busca simplificar as exigências fiscais e tributárias dirigidas a microempresas e empresas de pequeno porte.

Trata-se de mais um entulho a engrossar o rol de dispositivos constitucionais emendados e remendados. Como é possível falar-se em segurança jurídica se a própria Constituição – Lei das leis – não é estável, sofrendo modificações constantes, ora por via legislativa, ora por via da jurisprudência criativa?

O conceito de “pequeno município” que a PEC quer definir pode muito bem ser extraída do § 1º, do art. 182 da CF. E a simplificação das exigências fiscais e tributárias para as microempresas e empresas de pequeno porte já está prevista no art. 179 da CF que é autoaplicável. Os impostos estaduais e municipais já estão integrados no SIMPLES que vem acarretando desonerações tributárias de bilhões de reais anuais a serem compensados com pagamento maior de tributos, por parte de pessoas físicas e jurídicas sem tratamento privilegiado.

Outrossim, essa proposta, desnecessária, potencializa futuros litígios ao prever a possibilidade de delegação da competência fiscalizatória e arrecadatória dos municípios de pequeno porte para o Estado. Quanto mais normas constitucionais forem sendo acrescidas à Constituição, maior será a quantidade de litígios a serem dirimidos pelo STF que tem levado, em média, 10 ou 15 anos para solucionar uma pendência. O ato de legislar não pode ser encarado como um fim em si mesmo. É preciso avaliar os estragos que ele pode produzir surtindo efeito contrário à finalidade da lei, ordinária ou de natureza constitucional.

A burocratização fiscal e tributária que os legisladores deveriam combater é a dos grandes municípios, onde se situam inúmeros órgãos com poder normativo para produzir, em escala industrial, pareceres normativos, portarias, instruções normativas, atos declaratórios interpretativos, circulares, avisos, e outras normas danosas ao sadio funcionamento do Sistema Tributário. A PEC sob exame deveria retirar o poder normativo desses órgãos (Coordenadoria de Assuntos Tributários, Consultoria etc.) que deveriam limitar sua atuação ao âmbito interno da Administração a que pertencem, sem o poder de editar normas para os contribuintes que devem obediência apenas e tão somente às leis.

De nenhuma utilidade é essa PEC. É como aquela PEC que congelou as despesas do Estado por vinte anos, alvo de efusivos elogiais da sociedade em geral, mas que, na prática, não impediu de duplicar a nossa dívida pública em tão pouco tempo.

 

Rearmamento

 

O Decreto nº 93.785, de 7-5-2019, baixado pelo Presidente Bolsonaro, extrapola os limites da Lei regulamentada de nº 10.826 de 22-12-2003.

O art. 20 desse Decreto propicia a obtenção do porte de armas para uma quantidade enorme de pessoas, classificadas por profissões, mediante o artifício jurídico de presumir cumpridos os requisitos exigidos pela lei para o porte de armas, conforme dispositivos a seguir transcritos:

 

“Art. 20.  O porte de arma de fogo, expedido pela Polícia Federal, é pessoal, intransferível, terá validade no território nacional e garantirá o direito de portar consigo qualquer arma de fogo, acessório ou munição do acervo do interessado com registro válido no Sinarm ou no Sigma, conforme o caso, por meio da apresentação do documento de identificação do portador.

I – instrutor de tiro ou armeiro credenciado pela Polícia Federal;

II – colecionador ou caçador com Certificado de Registro de Arma de Fogo expedido pelo Comando do Exército;

III – agente público, inclusive inativo:

  1. a) da área de segurança pública;
  2. b) da Agência Brasileira de Inteligência;
  3. c) da administração penitenciária;
  4. d) do sistema socioeducativo, desde que lotado nas unidades de internação de que trata o inciso VI do caputdo art. 112 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente; e
  5. e) que exerça atividade com poder de polícia administrativa ou de correição em caráter permanente;
  6. f) dos órgãos policiais das assembleias legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
  7. g) detentor de mandato eletivo nos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quando no exercício do mandato;
  8. h) que exerça a profissão de advogado; e
  9. i) que exerça a profissão de oficial de justiça;

III – proprietário de estabelecimento que comercialize armas de fogo ou de escolas de tiro; ou

IV – dirigente de clubes de tiro;

V – residente em área rural;

VI – profissional da imprensa que atue na cobertura policial;

VII – conselheiro tutelar;

VIII – agente de trânsito;

IX – motoristas de empresas e transportadores autônomos de cargas; e

XI – funcionários de empresas de segurança privada e de transporte de valores.

  • 4º A presunção de que trata o § 3º se estende aos empregados de estabelecimentos que comercializem armas de fogo, de escolas de tiro e de clubes de tiro que sejam responsáveis pela guarda do arsenal armazenado nesses locais”.

 

Assim, o Decreto arma os instrutores de tiro; os armeiros; os colecionadores; os caçadores; os agentes públicos, inclusive, os inativos; os proprietários de estabelecimentos que comercializam armas de fogo ou de escolas de tiro; os dirigentes de clubes de tiro; os moradores de área rural etc.

Cria-se, dessa forma, uma parcela ponderável da sociedade armada. É fácil de concluir que a violência irá aumentar, a pretexto de combater a violência perpetrada pelos bandidos.

Armar os residentes em zona rural, com a possibilidade de armar os integrantes do MST, combinado com outro projeto legislativo que possibilita os proprietários rurais de atirarem nos invasores, irá, certamente, provocar uma verdadeira troca de tiros entre as duas categorias, a de proprietários e a de invasores profissionais.

Por tais razões, esse Decreto há de ser sustado por Resolução do Congresso Nacional que teve invadida a esfera da sua competência privativa.

 

 

COAF

 

         O COAF é um órgão, inicialmente vinculado ao Ministério da Fazenda, que atua na identificação de pessoas que apresentam movimentações financeiras atípicas que servem de instrumento auxiliar para a identificação dos autores de crimes de sonegação fiscal e de lavagem de dinheiro.

Por isso, o governo Bolsonaro transferiu esse órgão para o Ministério da Justiça e Segurança Pública para dar efetivo combate ao crime organizado, sob o comando do Ministro Sérgio Moro.

Os parlamentares incomodados por essa mudança pressionaram o governo no momento certo e adequado (necessidade de apoio parlamentar para aprovar a Reforma da Previdência) e obtiveram êxito: o COAF foi transferido para o Ministério da Economia.

Mas, nem tudo está perdido em termos de combate às organizações criminosas. Bastará a firmatura de um Convênio entre os dois Ministérios para que o Ministério da Economia repasse imediata e automaticamente as movimentações financeiras atípicas e de monta para o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

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