Em poucas palavras 80

Em poucas palavras 80

Em poucas palavras 80 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.

Excesso de prazo da prisão preventiva

A Lei anticrime conferiu nova redação ao art. 316 do CPP que ficou assim redigida:

“Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Verifica-se do texto legal que o excesso de prazo não se caracteriza de forma automática cabendo à autoridade que decretou a prisão avaliar a cada 90 dias a necessidade de manutenção da prisão de forma fundamentada.

Como se sabe, o Ministro Marcelo Aurélio determinou a soltura do conhecido “Andre do Rap”, por excesso de prazo, por omissão da autoridade judiciária que decretou a prisão preventiva

Entretanto, o Ministro Presidente, Luiz Fux, suspendeu a liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio determinando a prisão do acusado que se encontra foragido.

A questão foi julgada na Sessão Plenária virtual do dia15-10-2020 e, por maioria de votos, ficou assentada a seguinte tese: “A inobservância do prazo nonagesimal do Artigo 316, do CPP, não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juiz competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade dos seus fundamentos.”

Cumpre observar que o dever de reavaliar de ofício a manutenção da prisão a cada 90 dias já consta do texto normativo. Se outro fosse o acusado, que não o criminoso de alta periculosidade, o resultado certamente teria sido outro.

Mas, a novela não para por aí. O Ministro Marco Aurélio, relator original do HC não reconheceu a competência do Plenário e disse que irá levar o caso para ser julgado pela Primeira Turma da Corte que ele integra.

Artifício legislativo de revogar ou alterar a redação de dispositivo sob ADI

É comum verificar no dia a dia a velha praxe de o legislador tentar prejudicar a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – que ataca determinado dispositivo legal, mediante alteração de sua redação ou por meio de sua revogação. Passados décadas o STF reagiu contra essa astúcia legislativa.

No caso da alteração do art. 55 da Lei nº 8.212/90 pelo art. 1º da Lei nº 9.732/98 que inovou as condições para o reconhecimento de imunidade da contribuição previdenciária patronal das filantrópicas, uma vez proposta a ADI, o legislador foi alterando a sua redação sucessivamente, obrigando o autor da ação a proceder aditamentos à inicial de forma periódica, postergando o julgamento da ação. Nas proximidades do julgamento o legislador revogou aquele art. 55 com o claro propósito de prejudicar as ADIs que já somavam quatro ações.

A solução adotada pelo Corte Suprema foi a de convolar as ADIs em ADPFs restando declarada a inconstitucionalidade daquele art. 55 da Lei nº 8.212/90 na redação conferida pelo art. 1º da Lei nº 9.732/98. (ADIs nºs 2.028, 2.036, 2.228 e 2.621).

Outras vezes, o STF tem julgado o mérito do dispositivo atacado, posteriormente revogado, porque a revogação, por si só, não faz desaparecer os efeitos produzidos. Foi o que aconteceu com as quatorze ADIs julgadas em 1º-6-20111, considerando inconstitucionais os incentivos fiscais do ICMS concedidos unilateralmente por diferentes Estados membros. Como não houve modulação de efeitos foi sancionada a Lei Complementar nº 160/17 que atribuiu ao Confaz a missão de celebrar convênio entre os Estados, dispondo sobre a remissão de créditos tributários resultantes da declaração de inconstitucionalidade desses incentivos fiscais. E o Convênio   Confaz nº 190/17 regularizou esses créditos tributários apropriados, colocando termo à discussão quanto ao seu estorno ou à sua manutenção.

Imbróglio jurídico em torno do título de doutor honoris causa concedido ao Lula

Em 20 de março de 2012 a Universidade de Alagoas concedeu ao ex Presidente Luiz Ignácio Lula da Silva o título do doutor honoris causa.

Em 21-8-2017 foi proposta a ação popular por Maria Tavares Ferro contra a Universidade de Alagoas e contra Luiz Ignácio Lula da Silva, para anular a outorga da honraria e obter reparação por perdas e danos, sob o fundamento de que conceder esse título a um condenado criminalmente configura dano ao patrimônio público.

Nunca um processo reuniu tantas anomalias jurídicas.

Como se depreende da Lei nº 4.717/65, que rege a ação popular, são exigidos dois requisitos cumulativos para a propositura dessa ação: ilegalidade do ato atacado e lesividade ao patrimônio público.

Ora, a concessão do título, por si só, não é ilegal e nem lesivo ao patrimônio público, considerando que à época de sua concessão Lula não estava condenado criminalmente. A irretroatividade da lei penal vem desde o iluminismo do século XVIII (Cesare Beccaria). E o prazo para a propositura de ação, que é de cinco anos (art. 21 da Lei nº 4.717/65), já havia transcorrido por ocasião da distribuição da inicial.

O juiz da 4ª Vara Civel de Arapicara julgou procedente a ação e anulou o título concedido ao Lula, por decisão proferida em 23-7-2020, mas publicada apenas em 9-10-2020. Porém, alegando que houve liberação da decisão por engano, porque ela ainda estaria na fase de sua elaboração, proferiu uma nova decisão publicada em 14-10-2020, decretando a prescrição da ação. Transcorreu quase três meses desde a decisão “minutada” de 23-7-2020, que cassou o título de doutor honoris causa, até a sentença definitiva que decretou a prescrição sem exame do mérito. Sintomaticamente o relatório da sentença omite, tanto a data da outorga do título, como a data da propositura da ação que são dados imprescindíveis para o decreto de prescrição. Tudo indica ter havido uma revisão da sentença fazendo as vezes do tribunal ad quem.

Leia também a edição anterior.

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