em poucas palavras 83

Em poucas palavras 83

Em poucas palavras 83 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.

Nova discussão trazida pela lei anticrime

A Lei nº 13.964/2019 condicionou a instauração do processo criminal à representação da vítima em casos de estelionatos.

A questão abriu divergência no âmbito da 3º Seção do STJ. Enquanto a 5ª Turma defende a tese de que a representação da vítima só retroage até o momento do oferecimento da denúncia, independentemente, da época em que a infração foi praticada, a 6ª Turma sustenta que a norma que exige a representação prévia retroage até o trânsito em julgado da ação por estelionato, embora não leve à imediata extinção da punibilidade.

A 1ª Turma do STF decidiu no sentido da jurisprudência firmada pela 5ª Turma do STJ e da jurisprudência, também, do TJ/SP no sentido idêntico.

Normas de natureza processual alcançam o processo na fase em que se encontra. É a regra geral. Se a denúncia já havia sido oferecida segundo a legislação então vigente, não há que se falar a intimação da vítima para ratificar a representação, bastando o pedido de providências na fase policial. Do contrário, seria desfazer o ato jurídico perfeito à luz da legislação vigente. Se a cada modificação legislativa de natureza processual implicasse refazimento dos atos anteriormente praticados, o processo nunca teria fim.

Prisão civil por inadimplemento de prestação alimentar

Há duas razões básicas para evitar a segregação do inadimplente de prestação alimentar em estabelecimento prisional. A primeira razão é a provável incapacidade econômica de cumprir a sua obrigação como decorrência de diminuição de seus ganhos em razão da covid-19, que limita a atividade laboral. A segunda é o perigo do contágio da doença no estabelecimento prisional.

Tendo em vista o segundo fundamento, a União editou a Lei nº 14.010/2020 que instituiu o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), dispondo em seu art. artigo 15 que ate 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, deverá ser cumprida em regime de prisão domiciliar.

Ocorre que a pandemia se prolongou por um período além do previsto pelo legislador e o risco de contaminação ainda perdura.

Dentro desse quadro é de toda conveniência e prudência que seja observado pelos juízes a Recomendação do Conselho Nacional da Justiça, que precedeu a edição da referida lei já caducada, no sentido de colocar em prisão domiciliar as pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.

Iniciativa privativa do Executivo e Emenda Constitucional

Prescreve o art. 61, º 1º da CF;

§ 1º. São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

[…]

III – que disponham sobre:

[…]

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Pois bem, a Emenda Constitucional de nº 74/2013 de iniciativa do Legislativo estendeu à Defensoria Pública da União a mesma prerrogativa das Defensorias Públicas dos Estados previstas no § 2º, do art. 134 da CF, dentre as quais, a iniciativa de sua proposta orçamentária, nos moldes do Ministério Publico e do Poder Judiciário.

O Plenário virtual da Corte Suprema, por maioria de votos, seguiu o entendimento da Ministra Relatora, Rosa Weber, para quem a autonomia da DPU pode dispor sobre o próprio orçamento e instituição de benefícios nos mesmos moldes definidos para as Defensorias Públicas dos Estados, na forma estabelecida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 (ADI 5.296-DF,Rel. Min. Rosa Weber,j. 4-11-2020).

.O voto da Ministra Rosa Weber separa nitidamente as propostas de emenda constitucionais das propostas legislativas que estabelecem a iniciativa privativa do Presidente da República sobre as matérias elencadas no art. 61 da CF. Para ela são conjuntos que se interseccionam, mas não se sobrepõem.

De fato, do contrário teriam que ser questionadas nada menos que 37 Emendas que versam sobre assuntos para os quais a Constituição reclama reserva de lei complementar ou lei ordinária de iniciativa do Executivo.

Trata-se, entretanto, a nosso ver, de um perigoso precedente para, por via de PEC, conferir autonomia financeira própria dos Poderes da República a órgãos subordinados a um dos três Poderes. O Ministério Público é uma exceção que veio no bojo de uma constituinte originária, e não de um Poder Reformador.

Presidente Trump acusa fraude nas eleições e perde a disputa

Usando da máquina governamental o Presidente Trump fez graves acusações no processo eleitoral em curso, alegando que está havendo fraudes porque os votos recebidos não estariam sendo computados. Colocou em cheque o sistema eleitoral do País que dura décadas.

Os âncoras das principias redes de comunicação interromperam a transmissão ao vivo, considerando a inconsistência das acusações, sem o mínimo de indício probatório.

Se verdade fosse o que declarou o Presidente Trump, na hipótese de o seu adversário lograr a vitória, ele iniciaria o seu mandato sob o estigma da ilegitimidade, o que é muito ruim para a democracia americana e para o resto do mundo.

O precipitado pronunciamento do Presidente foi uma pisada na bola. Afastou parte dos eleitores republicanos e acabou perdendo a disputa eleitoral.

O fiasco do Presidente Trump gerou piadas. Cá entre nós, está na hora de a maior potência mundial modernizar o seu sistema eleitoral que é muito moroso. Quanto mais demorar, maior é a possibilidade de surgirem atritos.

O grande problema do democrata Joe Biden é que ele não terá o apoio do poderoso Senado Americano, onde ele não tem a maioria.

Militares no governo

A presença significativa de militares no governo Bolsonaro, inclusive, os da ativa, tem sido fonte permanente de discussões entre autoridades do Executivo e de outros Poderes.

O Ministro Gilmar Mendes, por exemplo, chegou a acusar, com forte carga emotiva, que os militares estão cometendo genocídio, numa clara alusão ao titular da pasta da Saúde ocupado por um General de Exército da ativa.

Ao contrário do que muitos pensam, os militares não são instruídos apenas na arte de guerrear. Os oficiais generais são extremamente preparados por terem cursado a Escola Superior de Guerra ou o Curso do Estado Maior do Exército que lhes fornecem uma visão panorâmica das condições socioeconômicas do País, além de uma ampla visão estratégica.

É verdade que os militares regem-se pela disciplina e hierarquia, o que aparentemente conflita com a ação dos políticos que mantêm uma relação horizontalizada. Nenhum deputado ou senador é subordinado a outro.

Esse fato não recomenda um militar da ativa para as pastas eminentemente políticas, como a da Casa Civil, ou o Ministério da Justiça, por exemplo, onde se exige muita sensibilidade política e muita flexibilidade. Quando tomou posse no cargo o ex juiz Sergio Mouro eu já comentava com amigos mais próximos que isso não daria certo, porque a formação do juiz é a de mandar, determinar e ordenar, hábitos esses que não são facilmente abandonados pelo fato de ter assumido uma função política. Tanto é que sua saída do Ministério não foi nada protocolar, mas espetaculosa. E aqui não se trata de criticar os magistrados, pois a sua função é exatamente a de fazer cumprir as decisões que proferem. Diz o velho ditado: ordem judicial não se discute, se cumpre.

3,8 mil candidatos ao pleito eleitoral receberam auxílio emergencial residual de forma irregular

O TCU com base nas informações prestadas pela Justiça Eleitoral descobriu 3,8 mil pessoas com patrimônio declarado superior a R$300 mil que receberam auxilio emergencial.

É extremamente grave e lamentável que isso venha ocorrer no momento em que o Estado está com recursos financeiros exauridos, para atender uma multidão de pessoas vulneráveis, sem condições de sobrevivência nesse estado de pandemia, que subtraiu seus empregos, ou impossibilitou o exercício de trabalho avulso.

É muita falta de ética e de pudor desses postulantes de cargos públicos (vereador, prefeito e vice-prefeito).

Seria de todo conveniente que seus nomes fossem divulgados antes das eleições que se aproximam, divididos por Municípios, para que os eleitores possam votar conscientemente.

SP, 9-11-2020.

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