Em poucas palavras 96

Em poucas palavras 96

Em poucas palavras 96 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.

Aposentadoria de infratores

Virou moda de as autoridades acusadas de crimes graves, que se condenadas implicariam perda do cargo, se anteciparem à decisão judicial requerendo a sua aposentadoria voluntária.

Isso aconteceu com uma Desembargadora do Tribunal de Justiça que está sendo processada criminalmente pelo Superior Tribunal de Justiça, e se encontra cautelarmente afastada de suas funções, desde o dia 7 de dezembro de 2020.

Em 13 de janeiro deste ano ela protocolou o pedido de aposentadoria voluntária. Atendendo a um requerimento do MPF o Ministro Relator do processo, Ministro Og Fernandes, determinou a suspensão do processo administrativo referente ao pedido de aposentadoria até o final do julgamento do processo criminal a que ela responde.

Para assim decidir o Ministro Relator argumentou que há jurisprudência que impede a aplicação do efeito da perda do cargo quando o crime é cometido após a aposentadoria.

Ora, se a condenação criminal acarreta a perda do cargo, segue-se que uma vez aposentado o servidor no curso da ação penal, sobrevindo a condenação penal deve ser decretada a perda dos proventos da aposentadoria. É hora de mudar a jurisprudência que não se harmoniza com a lógica e que favorece a astúcia do infrator, que procura burlar um dos efeitos da condenação.

Política tributária sobre combustíveis

Para conter a ameaça de greve dos caminhoneiros o governo enviou um projeto legislativo propondo alterações do sistema vigente.

O que já está ruim vai ficar bem pior se aprovada essa proposta do governo que prevê a tributação no consumo final, e por meio de uma alíquota uniforme para cada produto – diesel, gasolina, álcool, gás – a ser fixada pelos Estados com a intermediação do Confaz, e com previsão de aumento a cada 90 dias de acordo com a variação do preço do combustível.

Por que tributação no consumo final, ao invés de tributação na refinaria? A resposta é óbvia: obter a base de cálculo inchada com a incidência de PIS/COFINS.  Por que elevação da alíquota sempre que houver alteração do preço do combustível? Se o imposto é ad valorem parece óbvio que com a elevação do preço cresce a arrecadação tributária automaticamente.

Essa complicação tributária já era esperada, pois nem o governo e nem o Congresso têm vocação para simplificar as coisas. Em nome da simplificação, normas cada vez mais confusas vêm sendo editadas ao longo do tempo.

Rearmamento da população

Sabe-se que em 2005 o “Referendo Popular” resultou na decisão do povo pelo direito a armas para legítima defesa.

Entretanto, essa decisão popular resultou no desarmamento ordenado pelo governo federal.

Em 2019 o Presidente Bolsonaro sancionou a Lei nº 6.381 restabelecendo a vontade popular permitindo ao cidadão a compra de armas. Sucessivos decretos vêm flexibilizando as exigências legais para a aquisição de armas.

Agora, o governo editou quatro Decretos (9.845/21, 9.846/21, 9.847/21 e 10.030/21) que ampliam exageradamente o direito de aquisição de armas de fogo e facilitada o seu registro e porte.

O número de armas para cada pessoa é ampliado de 4 para 6; os atiradores e caçadores podem adquirir até 30 armas. O Decreto não diz, mas presume-se que se trata de armas de calibre diferente conforme o porte de cada animal. Difícil é imaginar 30 animais de diferentes portes, sendo que alguns deles não podem ser caçados porque em vias de extinção.  O cidadão tem direito, ainda, a portar simultaneamente duas armas. Parece que o Senhor Presidente inspirou-se nos lendários pistoleiros do Oeste americano, como Ringo Kid ou Kit Carson que atiravam com as duas mãos atingindo as vítimas com incrível velocidade e precisão.

Ministro Pasuelo investigada por suposta omissão no episódio de Manaus

A mídia continua divulgando com vivo interesse as investigações em torno do Ministro da Saúde, General Pasuelo, alegando sua omissão no fornecimento de oxigênio que concorreu para a morte por asfixia de inúmeros pacientes internados nos hospitais de Manaus.

O Ministro Ricardo Lewandowski autorizou a quebra do sigilo telefônico e de mensagens trocadas por e-mails pelo Ministro e autoridades locais, para subsidiar o inquérito que ele preside.

Deixando de lado as paixões do momento, cumpre delimitar o campo das omissões que são imputadas ao Ministro. Uma coisa é a condenação da conduta moral ou social, outra coisa bem diversa é a imputação criminal. A investigação de conduta social não é da alçada do STF.

Em primeiro lugar, é indispensável apontar o dispositivo legal ou constitucional que obrigue o Ministério da Saúde a fornecer tubos de oxigênio às unidades hospitalares dos Estados. Ninguém apontou, nem se descobre! Se inexistente esse fundamento legal a acusação caí no vazio das especulações jornalísticas. Poderia culpar, igualmente, o governador, o prefeito, o secretário da saúde do Estado, o secretário da saúde do Município, ou o caminheiro que faz o transporte de tubos de oxigênio ou, ainda, o seu fabricante.

Com pandemia ou sem pandemia a tipificação da conduta é requisito essencial à validade da acusação.

Prisão do Deputado Daniel Silveira

O Deputado Daniel Silveira do PSL-RJ foi preso por decisão do Ministro Alexandre de Moraes por veicular na rede social um discurso de ódio, pregando a destituição dos onze Ministros do STF, denegrindo as suas imagens, bem como a da Instituição, atentando, por conseguinte, contra a segurança nacional, fato que não encontra respaldo na imunidade parlamentar. A prisão foi mantida pelo Plenário Virtual do STF.

Esse discurso de ódio veio à tona logo após a divulgação o trecho do discurso feito pelo General Pires, então comandante do Exército com o respaldo do Alto Comando, por ocasião do julgamento da prisão de Lula, que muitos entenderam como uma forma de intimidação dos membros da Corte. Como sabemos a Corte não se intimidou mantendo prisão de Lula.

Esta foi uma semana atípica: a divulgação de antigo discurso explosivo do General Pires, o discurso de ódio do Deputado Daniel Silveira, e a exagerada flexibilização, por Decreto, para aquisição, registro de porte de armas muito além do permitido pela lei de regência da matéria. Para que 30 armas para determinada categoria de pessoas particulares? Para que seis armas por cidadão? Para o porte simultâneo de duas armas por pessoas? Nem o famoso Durango Kid conseguia atirar com duas armas ao mesmo tempo, feito conseguido apenas por legendárias figuras do oeste americano, o Ringo Kid e o Kit Carson.

por Kiyoshi Harada

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