Em poucas palavras 99

Em poucas palavras 99

Em poucas palavras 99 – série de artigos curtos do jurista Kiyoshi Harada. Acompanhe semanalmente.

Petrobrás prescinde de licitação para contratação de serviços

A decisão é do Plenário virtual do STF na sessão encerrada no dia 5-3-2021, quando a Corte entendeu que as sociedades de economia mista estão livres da Lei de Licitações para manter a agilidade própria das empresas privadas.

Esse julgamento foi motivado por um fato ocorrido em 1994, quando a estatal cancelou o contrato de fretamento de cargas firmado com Frota Petroleiro do Sul – Petrosul – e contratou outra empresa sem licitação, gerando ação judicial impetrada pela Petrosul questionando afronta ao art. 37, XXI da CF.

Quase duas décadas se passaram para pôr fim à demanda, quando vigia a ordem constitucional antecedente que exigia das estatais tão somente a igualdade de tratamento jurídico com as empresas privadas em relação às obrigações civis, trabalhistas, comerciais e tributárias. A exigência da licitação veio com a EC nº 19/1988 que acrescentou os incisos II e III ao § 1º, do art. 173 da Constituição de 1988:

“II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive, quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”.

“III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública”.

Lamentavelmente decisões sempre tardias do STF têm gerado muita insegurança jurídica. Por conta dessa morosidade que passou a ser a regra geral inventou-se a figura da “modulação de efeitos”, uma excrescência jurídica na área do direito tributário que afronta em bloco quase todos os princípios tributários.

É preciso que a Corte Suprema passe a fazer uma triagem prévia dos processos para que questões singelas sejam julgadas rapidamente, liberando a pauta para questões mais intrincadas.

A fritada do Ministro da Saúde, General Eduardo Pazuelo

O Ministro Pazuelo pela sua postura nada diplomática, porque habituado dar e receber ordens, caiu no desagrado dos profissionais da imprensa.

Os ataques da imprensa incluem o fato de o Pazuelo não ser um General do Comando Logístico do Exército, para melhor planejar a distribuição das vacinas, esquecendo-se que seus antecessores – Mandetta e Tach – nem militares eram. Todo Ministro dispõe de um quadro de especialistas para diferentes setores, de acordo com as necessidades do momento. Para ser Ministro da Saúde não precisa ser um hábil cirurgião como o foi o Ministro Jatene. O problema maior é a insuficiência de vacinas para atender todos ao mesmo tempo, e não a sua distribuição.

Outrossim, o anúncio do Ministro Pazuelo quanto ao atraso de chegada das vacinas, apesar de contratadas as importações e com verbas respectivas já empenhadas, foi divulgado pela mídia televisionada com a fala do tipo: “o Ministro Pazuelo diminui a importação de vacinas de 60 milhões para 40 milhões de doses, e poucos dias depois diminui para 20 milhões”. É claro que uma notícia dessa indispõe a sofrida população contra o Ministro, pois soa como se fosse uma diminuição proposital.

Por isso, é fácil de concluir que está em curso a “fritada” do Ministro, ainda que em fogo lento, tanto é que a imprensa já cunhou uma expressão chamativa: Ministro Pesadelo.

A “fritada” geralmente termina com a destituição do cargo.

 Inconstitucionalidade dos Decretos que flexibilizam a compra e porte de armas

O Ministro Edson Fachim do STF, nos autos da ADI nº 6.119, proferiu voto pela inconstitucionalidade dos dispositivos dos Decretos 5.123/2019, 9.785/2019 e 9.845/2019 que facilitam a compra e a posse de armas, por provocarem o crescimento da criminalidade. O julgamento do Plenário Virtual foi iniciado no dia 12-3-2021 com previsão de seu término no dia 19-3-2021.

De fato, os Decretos guerreados exorbitam dos limites legais e geram perigo de explosão de criminalidade ao permitir a compra de até 30 armas para determinadas categorias de pessoas e de até seis armas para pessoas normais que podem portador simultaneamente duas armas, revivendo os velhos tempos do faroeste americano.

Vacinas e guerra de liminares

Como se não bastassem as dificuldades que o povo brasileiro está enfrentando por falta de vacinas e seus insumos e de vagas nas UTIs de nos hospitais, agora está sendo travada uma guerra de liminares.

De há muito o STF já autorizou as entidades privadas a importarem vacinas que tenham sido aprovadas por órgãos reguladores reconhecidos pela comunidade mundial, ainda que não tenham registro na ANVISA.

Por isso o juiz da 21ª Vara Cível da Justiça Federal do Distrito Federal autorizou as importações nos processos submetidos à sua apreciação em decisões plenas e impecavelmente fundamentadas juridicamente.

Contudo o presidente do TRF-1, com uma só penada suspendeu essas liminares em nome do princípio da separação dos Podres porque aquelas vacinas não haviam sido aprovadas pela ANVISA, um órgão do Executivo. O STF, quando autorizou a importação de vacinas não registradas na ANVISA não enxergou violação desse princípio de separação dos Poderes.

Está havendo, a toda evidência, uma tremenda confusão entre a importação de vacina e a aplicação da vacina, esta sim dependente de registro e autorização da ANVISA.

Se formos aguardar o prévio registro das vacinas na ANVISA para, só ao depois, pretender a importação delas, aquelas vacinas podem não mais estar disponíveis no mercado, dada a procura imensa por países do mundo inteiro, e assim deixar de fora a colaboração do setor privado no programa nacional de combate à Covid-19.

O momento está a exigir esforço conjunto das três entidades políticas e das três esferas de Poder na eficiente execução do programa nacional de vacinação. Se instâncias ordinárias agem contra as decisões do STF cria-se um obstáculo jurídico que pode ser caracterizado como afronta ao princípio de separação dos Poderes.

Legítima defesa da honra

O STF decidiu por unanimidade que a invocação pela defesa da tese de legítima defesa da honra conduz à nulidade do processo, por inconstitucionalidade.

O advogado não pode se referir a essa tese quer direta, quer indiretamente em qualquer fase do processo sob pena de nulidade.

Tenho a impressão de que essa polêmica tese irá gerar bastante discussões no futuro, principalmente, em função da soberania do júri. Os jurados não precisam explicar as razões da decisão, mas podem ter levado em conta essa tese. Até a clemência, lembrada pelo Ministro Barroso, pode ser inserida na aludida tese da legítima defesa da honra, ainda que assim não diga. Saber se o júri considerou ou não essa tese é um dilema muito grande que pode dividir as opiniões dos julgadores de segundo grau de jurisdição.

Essa tese foi sepultada para combater o machismo, isto é, os homens que se julgam no direito de cometer feminicídios em nome da legítima defesa da honra.

Ora, a tese vale também para a hipótese inversa, pois as mulheres são igualmente portadoras de honra. Ninguém pode dizer o contrário, nem o mais radical dos machistas.

Assim, os homicídios praticados pelas mulheres contra os maridos infiéis poderiam ser amparados pela tese da legítima defesa da honra. Aí, o percentual de assassinatos impunes penderia a favor das mulheres, pois, sabidamente a infidelidade dos homens é bem maior do que a das mulheres.

SP, 15-3-2021

Por Kiyoshi Harada

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