Impeachment do Presidente Trump

Impeachment do Presidente Donald Trump

O segundo pedido de impeachment formulado contra Donald Trump foi acolhido pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, por 232 votos contra 197, em 13-1-2021, quando ele ainda estava exercendo a presidência da República. O primeiro impeachment foi arquivado porque não alcançou o quorum suficiente

Esse segundo impeachment, depois de aprovado pela Câmara seguiu para o Senado no dia 25 de janeiro de 2021, quando Trump já havia deixado o poder.

Cogita-se julgar esse processo apenas a partir de fevereiro, quando o Presidente Joe Biden já tiver concluído as nomeações do primeiro escalão e para os demais cargos.

Entre juristas americanos há duas correntes: a primeira que entende que o impeachment só é possível enquanto o governante estiver no poder. A segunda corrente sustenta que o impeachment é possível mesmo depois de afastado do poder por ter encerrado o seu mandato, para suspender os direitos políticos.

No Brasil essa segunda corrente não seria possível juridicamente.

O impeachment é o nome que se dá à suspensão das funções de Presidente (art. 86, § 1º da CF) pelo prazo de cento e oitenta dias (§ 2º do art. 86 da CF). Por isso, não há impeachment de Prefeito, porque a Lei Orgânica do Município, nem o Regimento Interno da Câmara prevê essa hipótese afastamento temporário de 180 dias. Se o julgamento não tiver sido concluído nesse prazo, cessa-se o afastamento, sem prejuízo da continuidade do processo.

O julgamento é feito pelo Senado Federal presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (art. 31 da Lei nº 1.079/50). No caso de condenação, o Senado por iniciativa do Presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública (art. 33 da Lei nº 1.079/50). Proferida sentença condenatória, o acusado estará, ipso facto, destituído do cargo (art. 34 da Lei nº 1.079/50).

A destituição do cargo e a perda dos direitos políticos, embora estejam previstas em dispositivos diferentes, constituem uma única penalidade, ou seja, perda do cargo com inelegibilidade pelo tempo fixado pelo Presidente da Sessão. Não pode haver suspensão de direito políticos sem perda do cargo, nem destituição do cargo sem a inerente suspensão de direitos políticos, como aconteceu no caso Dilma Rousseff, por meio de uma decisão puramente política. A suspensão de direitos políticos não é uma pena acessória, mas integra a única pena que é, repita-se, perda do cargo com inabilitação do condenado pelo prazo fixado pelo Presidente da Sessão.

Nos Estados Unidos penso que não é diferente do nosso sistema. Vejamos.

Prescreve a Constituição Americana:

Artigo II, Seção 4: “O presidente, vice-presidente e todas as autoridades civis dos Estados Unidos devem ser removidos de seus cargos através de impeachment e condenação por traição, corrução e outros altos crimes e contravenções penais”.

Artigo I, Seção 3: “O julgamento em casos de impeachment não deve se estender além da remoção do cargo e desqualificação para ocupar qualquer cargo de honra, confiança ou lucro nos Estados Unidos”.

Ambos os textos transcritos referem-se claramente ao impeachment como instrumento para remover do cargo o acusado.

Por isso, fica difícil de entender o posicionamento de parcela dos juristas americanos segundo a qual, o objetivo da condenação de Trump não é removê-lo do cargo, mas sim o de cassar seus direitos políticos.

A aludida cassação de direitos políticos, entretanto, só é possível depois de removido do cargo o acusado, conforme se depreende da cristalina redação do Art. I, Seção 3. “Remoção do cargo e desqualificação para ocupar qualquer cargo de honra”, diz o texto.

O conectivo e procede a unificação das sanções, perda do cargo e perda de direito políticos.

Os defensores do impeachment de Trump baseiam seus pontos de vista em dois precedentes em que o Congresso aprovou a medida após a renúncia das autoridades: o impeachment do senador William Blount, em 1797, e o impeachment do secretário da Guerra, William Belknap, em 1876.

Aqui no Brasil, também, houve um precedente. O Presidente Collor renunciou ao mandato, mas somente o fez depois que a Câmara dos Deputados recebeu a acusação. Por isso, essa renúncia foi ignorada.

No caso do Donald Trump, sequer houve renúncia para tentar prejudicar o impeachment. Ele deixou o cargo porque exauriu o seu mandato. Portanto, os precedentes invocados não servem.

A tese de queos presidentes podem cometer crimes sujeitos a impeachment nos derradeiros momentos de seu mandato, e que o cometimento tardio de crime não pode garantir a impunidade, não é jurídica. Se o crime for de natureza comum, instaura-se o processo-crime perante a instância penal própria. Se o crime configurar mera infração político-administrativa, com o término do mandato, não mais será possível a sua apuração na esfera do julgamento político.

Argumentar com a possibilidade de o Presidente cometer crime de responsabilidade nos estertores de seu mandato é o mesmo que argumentar, por exemplo, que um menor, que um dia antes de alcançar a maioridade penal tenha cometido uma infração, deverá responder pelo crime praticado como se adulto fosse.

De qualquer forma, caberá à Suprema Corte Americana decidir a matéria, se o caso for levado àquela Corte. Mas, tudo é possível porque a triste visão dos fatos provocados pelo Trump, que traumatizou a opinião pública, ainda está na memória do povo, e o impeachmenté um processo de natureza político-administrativa, sem os rigores de um processo criminal comum.

SP, 8-2-2021.

Kiyoshi Harada

Relacionados