Imunidade das receitas decorrentes de exportação

As contribuições sociais (as de seguridade social e as de intervenção no domínio econômico) foram imunizadas pelo § 2º do art. 149 da CF, in verbis:      

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação.”

Como se depreende do texto transcrito, trata-se de imunidade objetiva, isto é, não interessa a pessoa do contribuinte, mas apenas o objeto que no caso são as receitas decorrentes de exportação, as quais não poderão ser tributadas pelas contribuições sociais e as de intervenção do domínio econômico.

Entretanto, o STF em apertada votação (6×5 votos) decidiu pela incidência da CSLL sobre as receitas derivadas de exportação, conforme ementa abaixo:

“EMENTA: “Recurso extraordinário. 2. Contribuições sociais. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF). 3. Imunidade. Receitas decorrentes de exportação. Abrangência. 4. A imunidade prevista no art. 149, § 2º, I, da Constituição, introduzida pela Emenda Constitucional nº 33/2001, não alcança a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), haja vista a distinção ontológica entre os conceitos de lucro e receita. 6. Vencida a tese segundo a qual a interpretação teleológica da mencionada regra de imunidade conduziria à exclusão do lucro decorrente das receitas de exportação da hipótese de incidência da CSLL, pois o conceito de lucro pressuporia o de receita, e a finalidade do referido dispositivo constitucional seria a desoneração ampla das exportações, com o escopo de conferir efetividade ao princípio da garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, I, da Constituição). 7. A norma de exoneração tributária prevista no art. 149, § 2º, I, da Constituição também não alcança a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF), pois o referido tributo não se vincula diretamente à operação de exportação. A exação não incide sobre o resultado imediato da operação, mas sobre operações financeiras posteriormente realizadas. 8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (RE 474132/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2010, DJe 30/11/2010).

O argumento de que o lucro não se confunde com a receita, em tese, está corretíssimo. Só que receita e lucro não têm pertinência com o tema sob exame.

O inciso I, do § 2º, do art. 149 da CF ao dispor que as contribuições mencionadas “não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação” imunizou, com solar clareza, todas as contribuições sociais para a Seguridade Social previstas no art. 195, I da CF, bem como, a Contribuição Social de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE – prevista no § 4°, do art. 177 da CF. Só não alcançou a CPMF corretamente excluída pelo V. Acórdão do rol de contribuições imunizadas, porque ela tem natureza de imposto.

A questão resume-se em saber se a CSLL é ou não é uma contribuição social. Não bastasse o próprio nome – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – ela está expressamente incluída dentre as contribuições sociais para a Seguridade social como vimos anteriormente.

Ora, se é uma contribuição social, pouco importa o exame de sua subespécie, ou seja, do fato gerador da obrigação tributária: se se trata de incidência sobre faturamento ou receita bruta (alínea b, do inciso I, do art. 195 da CF), ou se se trata de incidência sobre o lucro (alínea c, do inciso I, do art. 195 da CF).

É que as receitas (fato jurídico tributado), quando provenientes de operações de exportação estão imunes de todas as contribuições sociais. E sabemos que existem três subespécies de contribuições sociais: (a) contribuições sociais de interesse das categorias profissionais ou econômicas (art. 149 caput da CF); (b) contribuição social de intervenção no domínio econômico (art. 149 caput e § 4°, do art. 177 da CF); e (c) contribuições sociais para Seguridade Social onde se insere a CSLL (art. 195, I, a, b e c, da CF).

Segue-se, portanto, à luz da dicção do § 2°, do art. 149, da CF retro transcrito que apenas as contribuições sociais de interesse das categorias profissionais ou econômicas (SESI, SESC, SENAI, SEBRAE etc.) não foram abrangidas pela imunidade.

Isso significa que as receitas provenientes de exportação devem ser previamente deduzidas para apuração do elemento quantitativo do fato gerador em relação a PIS-COFINS, a CSLL e a CIDE. Em outras palavras, as receitas oriundas de exportação, porque vedada a sua tributação, devem ser subtraídas de base de cálculo dessas três contribuições sociais. É o que decorre da interpretação sistemática dos preceitos constitucionais pertinentes.

Em um outro julgado o Plenário do STF voltou a decidir que a CSLL não está abrangida pela imunidade do art. 149, § 2º, I da CF porque sendo a imunidade uma exceção constitucional ela deve ser interpretada de forma restrita, conforme ementa abaixo:

“EMENTA: “IMUNIDADE – CAPACIDADE ATIVA TRIBUTÁRIA. A imunidade encerra exceção constitucional à capacidade ativa tributária, cabendo interpretar os preceitos regedores de forma estrita. IMUNIDADE – EXPORTAÇÃO – RECEITA – LUCRO. A imunidade prevista no inciso I do § 2º do artigo 149 da Carta Federal não alcança o lucro das empresas exportadoras. LUCRO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO – EMPRESAS EXPORTADORAS. Incide no lucro das empresas exportadoras a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.” (RE 564413/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2010, DJe 28/10/2010).

Como assinalamos na nossa obra, a imunidade significa limitação ao poder de tributar, pelo que difere da isenção cuja interpretação é regida pelo disposto no art. 111 do CTN[1]. E mais, conforme afirmamos nessa obra, em outras passagens, o STF vem dando interpretação ampla à imunidade, tanto no que diz respeito à imunidade recíproca[2], quanto a respeito das imunidades genéricas[3].

Resulta do exposto que a decisão proferida no RE nº 564.413/SC, para deixar de reconhecer a imunidade da CSLL em relação às receitas provenientes de exportação motivada pela necessidade de interpretação restritiva em face da natureza excepcional da imunidade, não guarda harmonia com a jurisprudência mansa e pacífica do STF que vem evoluindo exatamente no sentido de conferir interpretação ampliativa à luz da realidade reinante.

Assinale-se, por fim, que a imunidade configura garantia constitucional protegida em nível de cláusula pétrea, insusceptível de alteração ou revogação (ADI n° 939-OF, Rel. Min. Sydney Sanches, RTJ -151/755).

 

 

* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

[1] Contribuições sociais doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2015, p.

[2] RE nº 407.099; RE nº 363.412;/ ACO nº 959; ACO nº 811; ACO nº 765.

[3] Súmula 657; RREE nºs 186.175 e 193.069.

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