Incompatibilidade dos advogados que integram os órgãos colegiados de julgamento e seus efeitos

Os diferentes órgãos administrativos colegiados de julgamento sempre tiveram participação de advogados regularmente inscritos na OAB, como nas Comissões de Licitações que julgam as propostas, principalmente, nos órgãos colegiados destinados a julgar em grau de recurso as questões tributárias, como o Conselho Municipal de Tributos, Tribunal de Impostos e Taxas e Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Em todos esses órgãos constam nos seus respectivos regimentos impedimentos de participar de julgamentos em processos em que tenham interesse na causa. Alguns deles apontam como fator impeditivo o fato de o Conselheiro ter atuado ou estar atuando em causa que versa sobre a mesma tese em julgamento no Conselho Administrativo, por exemplo, a aplicação da prescrição intercorrente motivada pela excessiva demora no julgamento do processo, o que inviabilizaria, por si só, a sua permanência no Conselho.

O certo é que essas normas, editadas na plena vigência do art. 28 do Estatuto da OAB, abaixo transcrito, reconheciam que em tese não havia incompatibilidade entre o exercício profissional do advogado com a sua participação nos órgãos administrativos de julgamento.

“Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

I – chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;

II – membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta ou indireta;

III – ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;

…”

Esse dispositivo, sob o manto da incompatibilidade, que ao contrário do impedimento, implica proibição total do exercício da advocacia, mistura e embaralha situações díspares que nada têm de comum.

O inciso II mistura servidores públicos lato sensu concursados, ocupantes de cargos efetivos, integrantes de carreiras específicas, com servidores nomeados, mas investidos em cargos vitalícios, com não servidores investidos em função pública de forma temporária, como no caso de advogados designados para exercer a função de Conselheiro em órgãos colegiados que julgam questões tributárias, como forma de atender ao princípio legal da paridade na composição dos membros desses órgãos colegiados de segunda instância administrativa.

Não cabe equiparar os advogados no exercício temporário das funções de julgar em colegiados administrativos com os magistrados e os membros do Ministério Público integrantes da carreira jurídica das mais bem remuneradas. O advogado-conselheiro do TIT ou do CARF não é servidor público, nem empregado público, pelo que sequer cabe em relação a eles invocar os arts. 4º e 5º da Lei nº 12.813, de 16-5-2013, que dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego. Aplicam-se apenas os impedimentos decorrentes do Estatuto da Advocacia. O advogado-conselheiro do CARF ou do TIT vive fundamentalmente com os rendimentos provenientes do exercício profissional de advogado. Não é justo, também, compará-los com os representantes da Fazenda que são nomeados entre os integrantes da carreira de auditor fiscal da Receita Federal do Brasil, sem prejuízo de vencimentos e demais vantagens do cargo. Dentro do raciocínio lógico segue-se que se o advogado deve desligar-se do quadro da OAB para ser conselheiro do CARF, o auditor-fiscal, também deveria exonerar-se do quadro de servidor público para ser conselheiro do CARF. Seria isso justo?Quem faria isso para trocar o vencimento mensal certo e razoável por uma remuneração pela presença em sessão de julgamento? E se os julgamentos ficarem suspensos por tempo indefinido por conta do impasse criado?

Essa questão veio à baila com a recente decisão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que apontou a existência de incompatibilidade da Advocacia com o exercício da função de julgar nos órgãos colegiados em que os advogados participam na condição de conselheiros representantes dos contribuintes mesmo nas hipóteses de indicações feitas pelos próprios órgãos de classe dos advogados.

O infeliz posicionamento da OAB decorreu de uma consulta formulada pelo MD Ministro da Fazenda[1], por sinal, uma consulta mal formulada do ponto de vista técnico por desconsiderar a ordem jurídica global e por apresentar quesitos condutivos. Dessa defeituosa consulta resultou a decisão majoritária do Conselho Federal da OAB merecendo destaque o seguinte trecho:

“O preceito normativo transcrito [2] é daqueles que não admitem dubiedade interpretativa. Sua moldura normativa – para usar a linguagem de Kelsen – é estreita, não deixando liberdade para o intérprete/aplicador.

Atuar alguém profissionalmente como advogado e, ao mesmo tempo, compor, com ou sem remuneração, órgão julgador integrante da Administração Pública, significaria exercer, simultaneamente, atividades essencialmente incompatíveis entre si. Disto resulta, induvidosamente, a incompatibilidade a que se reporta o preceito legal já referido”.

Só não digo que Kelson vai sair do túmulo porque não sou supersticioso. Interpretou-se literalmente o “jabotizado” preceito do art. 28, II da Lei nº 8.906/94. Com tamanha largueza o advogado sequer pode compor o corpo de jurados no Tribunal do Juri.

Essa infeliz decisão representa um abalo muito sério no princípio da representação paritária nos órgãos colegiados de segunda instância administrativa, com prejuízos para a própria Administração Pública. Enquanto o impasse criado no âmbito do CARF não seja superado, as sessões daquele órgão ficam suspensas em prejuízo da sociedade como um todo.

É certo que nenhuma lei impõe que os contribuintes sejam sempre e totalmente representados por advogados. As indicações para preenchimentos dessas funções de julgador administrativo partem das federações do comércio, da indústria, das confederações e de órgãos classistas. No caso do CARF, as indicações cabem às Confederações representativas de categoriais econômicas e às centrais sindicais, recaindo a escolha sobre as pessoas de “notório conhecimento técnico, registro no respectivo órgão de classe há no mínimo 5 (cinco) anos e efetivo e comprovado exercício de atividades que demandem conhecimento nas áreas de direito tributário, de processo administrativo fiscal, de tributos federais e contabilidade” (art. 29, II do Regimento Interno do CARF). Isso explica a presença majoritária de advogados na composição dos membros do CARF como representantes dos contribuintes.

Um advogado que não estivesse exercendo a sua profissão dificilmente poderia reunir a condições técnicas exigidas por normas que regem o CARF.

Por isso, o Regulamento Geral do Estatuto da OAB interpretando o espírito do art. 28 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, considerando a ordem jurídica como um todo prescreveu em seu art. 8º:

“Art. 8º A incompatibilidade prevista no art. 28, II do Estatuto, não se aplica aos advogados que participam dos órgãos nele referidos, na qualidade de titulares ou suplentes, como representantes dos advogados. (NR)2

§ 1º Ficam, entretanto, impedidos de exercer a advocacia perante os órgãos em que atuam, enquanto durar a investidura.

§ 2º A indicação dos representantes dos advogados nos juizados especiais deverá ser promovida pela Subseção ou, na sua ausência, pelo Conselho Seccional”.

Não se desconhece que o conteúdo e o alcance das normas regulamentares restringem-se aos das leis em função das quais sejam editadas. Só que no caso, não nos parece que o aludido art. 8º esteja exorbitando de suas funções regulamentares. Proibir o advogado de exercer sua atividade profissional é o mesmo que vedar o acesso do advogado como representante dos contribuintes ou da própria classe dos advogados nos órgãos colegiados de segunda instância administrativa.

Diferente os casos de designação dos representantes da Fazenda, que na hipótese do CARF recaem sobre servidores efetivos integrantes da carreira de Auditor-Fiscal da Receita Federal (art. 29, I do Regimento Interno do CARF), que são investidos na função de julgar com prejuízo do exercício do cargo efetivo, mas sem prejuízo de vencimentos do cargo e demais vantagens.

Contudo, forçoso reconhecer que a tese sustentada pelo Conselho Federal da OAB tem apoio na firme jurisprudência do E. TJESP como se verifica dos acórdãos abaixo transcritos:

“PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2013.0000216806

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 0196471- 72.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante SOCIORTHO COMERCIO DE MATERIAIS ORTODONTICOS LTDA., é agravado FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RENATO DELBIANCO (Presidente sem voto), CLAUDIO AUGUSTO PEDRASSI E VERA ANGRISANI.

São Paulo, 16 de abril de 2013.

José Luiz Germano

RELATOR

Assinatura Eletrônica

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voto nº 14.451 (lc)

Agravo de Instrumento nº 0.196.471-72.2012.8.26.0000

Comarca: São Paulo

Agravante: Sociortho Comércio de Materiais Ortodônticos Ltda.

Agravado: Fazenda do Estado de São Paulo

Juiz: Ana Maria Brugin

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE PREEXECUTIVIDADE – Auto de infração e imposição de multa – Processo administrativo que deu origem à execução fiscal – Alegação de nulidade – Integrante do Tribunal de Impostos e Taxas que, à época do julgamento, estava inscrito na OAB, com autorização para advogar. Incompatibilidade prevista no art. 28, inciso II, da Lei. 8.906/94 Precedentes.

RECURSO PROVIDO.

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão interlocutória copiada à fl. 126 que rejeitou a exceção de preexecutividade interposta pela ora agravante em execução fiscal.

Alega a sociedade empresária que o auto de infração e multa correspondente foi objeto de recurso ordinário no Tribunal de Impostos e Taxas, mas a sua análise e decisão partiram de pessoa impedida de atuar nesta função; que o subscritor da decisão que determinou a aplicação de multa de 80% e a manutenção do auto é advogado militante, segundo certidão da OAB, e que, portanto, não poderia estar nos quadros do TIT, pois tais funções são incompatíveis, como determina o art. 28, II da Lei 8.906/94.

O recurso foi recebido em seu efeito suspensivo e o prazo para resposta decorreu in albis.

É o relatório.

Pois bem, a certidão de fl. 117 atesta que o membro do Tribunal de Impostos e Taxas que foi relator do julgamento do recurso ordinário da ora agravante estava devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.

A questão aqui debatida já é conhecida deste Tribunal.

Como bem ressaltou o Des. Rui Stoco, em caso semelhante: “Ora, ressuma evidente que estando inscritos no órgão de classe é porque receberam o direito de usar dessa prerrogativa para advogar, pois o pressuposto da legitimidade do bacharel em direito para representar a parte em juízo é a inscrição nesse órgão. O Tribunal de Impostos e Taxas tem por atribuição específica processar e julgar os recursos administrativos, de natureza tributária opostos pelos contribuintes. A sua natureza é de órgão julgador no plano administrativo ou extrajudicial. Recebem do Estado o múnus de julgadores e, portanto, juízes de investidura temporária. Ora, a advocacia é incompatível com o exercício das atividades de membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas e, segundo a dicção do art. 28, II, da Lei n.° 8.906/94 (Estatuto da OAB), “de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta ou indireta”.

É exatamente a hipótese dos autos.

Portanto, essa incompatibilidade somente estaria superada se os integrantes do Tribunal de Impostos e Taxas estivessem com sua inscrição suspensa durante o período em que exerceram as funções de julgadores.

Não é, entretanto, o que ocorreu, como se verifica nas certidões abroqueladas aos autos.

À época do julgamento do recurso administrativo do recorrido estavam inscritos na OAB e, portanto, aptos (de acordo com o órgão de classe) para o exercício da advocacia, não obstante as funções que lhes foram cometidas para integrar o TIT exsurgissem como impedimento absoluto para aquele exercício.

Nula, portanto, a decisão proferida por aquele Tribunal administrativo em razão do impedimento de um ou mais de seus integrantes”, (cf. Apelação cível n° 179478.5/0-00, j. 3.2.04)

Com efeito, oficiou como julgador administrativo, no TIT, advogado militante, resultando procedente o AIIM. E é incompatível tal função, nos termos do art. 28, inciso II, do EOAB (Lei nº 8.906/94), verbis:

“Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: (…);

II – membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta.”

Neste sentido: “MANDADO DE SEGURANÇA Pretensão de anulação de penalidade imposta em processo administrativo. Presidência da comissão processante constituída por advogado regularmente inscrito e ativo na Ordem dos Advogados do Brasil. Incompatibilidade. Aplicação do art. 28, inciso II, da Lei nº 8.904/94. Nulidade configurada. Presença do direito líquido e certo. Sentença reformada. Preliminar acolhida e recurso provido”. (TJSP, Ap. 0025167-63.2010, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Moreira de Carvalho, j. 7.11.12)

“Embargos à execução Pretendido reconhecimento de nulidade em processo administrativo em que atuaram juízes do Tribunal de Impostos e Taxas, inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – Vedação do art. 28, inciso II, da lei n° 8.906/94 – Sentença de improcedência reformada – Recurso provido.” (TJSP, Ap. 0071095- 28.2002, 4ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ferreira Rodrigues, j. 27.6.11)

Destarte, estando o juiz que atuou no processo administrativo da ora agravante inscrito na Ordem dos Advogados, restou caracterizada a afronta ao dispositivo de lei insculpido no art. 28, inciso II, da lei n° 8.906/94, impondo-se o reconhecimento da nulidade do processo administrativo em questão, a invalidar a decisão proferida no Tribunal de Impostos e Taxas em relação ao recurso apresentado pelo executado agravante. Ressalto, contudo, que a despeito da declaração de nulidade da decisão administrativa, nada impede que a Fazenda aguarde novo julgamento do recurso da contribuinte e após, se for o caso, inscreva o débito em dívida ativa para competente cobrança judicial.

Ante o exposto, é dado provimento ao presente agravo de instrumento para declarar nula a decisão proferida pelo Tribunal de Impostos e Taxas, dando por extinta a execução, condenada a Fazenda do Estado ao pagamento das custas e honorários de advogado que arbitro em R$ 1.000,00, quantia que, de acordo com os ditames do art. 20, § 4º, do CPC, reputo adequada em face das circunstâncias da causa.

JOSÉ LUIZ GERMANO

RELATOR”

“ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0001949-29.2012.8.26.0070, da Comarca de Batatais, em que é apelante FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado MAGAZINE LUIZA S/A.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Sustentou oralmente o Dr. Reginaldo de Andrade.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO BARCELLOS GATTI (Presidente) e FERREIRA RODRIGUES.

São Paulo, 25 de agosto de 2014.

Ana Liarte

RELATORA

4ª Câmara Seção de Direito Público

Apelação Com Revisão nº 0001949-29.2012.8.26.0070

Comarca: Batatais

Setor de Execuções Fiscais

Apelante: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelado: MAGAZINE LUIZA S/A

Voto nº 8084

APELAÇÃO – Embargos à Execução Fiscal – Processo administrativo que deu origem à execução fiscal – Nulidade – Integrantes do Tribunal de Impostos e Taxas que, à época do julgamento, estavam inscritos na OAB, com autorização para advogar – Incompatibilidade prevista no art. 28, inciso II, da Lei 8.906/94- Sentença mantida. Recurso desprovido.

Trata-se de Embargos à Execução Fiscal opostos por MAGAZINE LUIZA S/A em face da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Afirma a embargante a nulidade do título executivo, pois o julgamento do processo administrativo realizado pelas Câmaras Reunidas do Tribunal de Impostos e Taxas que embasou o título é nulo em razão da participação de advogados, em violação a Lei Federal nº 8.906/1994. Alega, ainda, a inconstitucionalidade do tributo exigido pela embargada (majoração da alíquota do ICMS de 17% para 18%), o que é objeto de discussão em ação declaratória. Impugna a multa aplicada, afirmando ser indevida e confiscatória. Requer a extinção da execução fiscal, com o levantamento da penhora.

A r. sentença de fls. 868/872 julgou procedente o pedido, a fim de “reconhecer a nulidade do julgamento do recurso administrativo interposto pela embargante e, por conseqüência, da certidão de dívida ativa que embasa a inicial executória, bem como reconheço a decadência e declaro extintos os créditos tributários.”.

Inconformada, a Fazenda do Estado apela, sustentando a reforma da decisão. Alega que o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo é paritário, integrado por representantes do Estado (servidores públicos) e dos contribuintes (não servidores), de modo que a circunstância do julgador estar, ou não, inscrito na OAB é irrelevante. Aduz caber ao Conselho Federal da OAB a análise sobre a incompatibilidade da participação dos advogados e tribunais administrativos, para o exercício da advocacia. Pretende o provimento do recurso, para o fim de os embargos serem rejeitados.

Regularmente processado, vieram aos autos contrarrazões ao recurso.

É o relatório, adotado, quanto ao restante, o da sentença apelada.

O recurso não comporta provimento.

De fato, como alegado, há nulidade do título executivo exequendo.

É dos autos que, em 1999, a Apelada foi autuada pela fiscalização tributária do Estado de São Paulo em razão de ausência de recolhimento de ICMS, creditamento indevido e problemas na escrituração de notas fiscais no Livro Registro de Saídas (AIIMs nºs 2029934-9, 2029935-9 e 2029936-9) (fls.142/144).

A Apelada apresentou defesa administrativa (fls. 229/236) e a Unidade Julgadora de Ribeirão Preto julgou parcialmente procedente os AIIMs mencionados (fls. 353/365). A Apelada interpôs, então, recurso ordinário ao Tribunal de Impostos e Taxas (fls. 376/470), ao qual a 6ª Câmara Efetiva negou provimento, mantendo-se a decisão que julgou subsistentes os autos (518/536). Foi apresentado, ainda, recurso especial (fls. 543/577), ao qual, na parte conhecida, foi negado provimento pelas Câmaras Reunidas (fls. 704/708).

Encerradas as discussões administrativas, o débito foi inscrito em Dívida Ativa e ajuizada a ação executiva a que se referem os presentes embargos.

No entanto, alguns dos juízes que julgaram o recurso especial são advogados e, à época, estavam inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, conforme informações de fls. 851/853, em violação ao Estatuto da OAB.

A Lei Federal nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), prevê em seu artigo 28:

“Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

(…)

II – membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta.” (negritei).

O Tribunal de Imposto e Taxas tem por atribuição o processamento e julgamento de recursos administrativos, de natureza tributária, apresentados pelos contribuintes. Os juízes de investidura temporária recebem do Estado, portanto, um munus público.

Assim, há vedação expressa determinada por lei federal no sentido de que não é possível o julgamento de recursos na Administração Pública por pessoas integrantes dos quadros de inscritos na OAB. Ressalte-se que o texto legal não deixa margem a interpretações, de modo que não é possível o afastamento da restrição.

Veja que, de fato, o exercício da advocacia, por atuar no âmbito da defesa dos interesses de clientes, não é compatível com a função de julgador, uma vez que a possibilidade de conflito de interesses é latente, o que violaria a necessária imparcialidade do julgador.

Ademais, o dispositivo legal em questão (art. 28, inciso II, da Lei nº 8.906/94) já foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo que o Egrégio Supremo Tribunal Federal apenas excluiu os juízes eleitorais e seus suplentes (ADI 1127/DF).

Nesse sentido já decidiu esta Colenda Câmara de Direito Público:

“Embargos à execução – Pretendido reconhecimento de nulidade em processo administrativo em que atuaram juízes do Tribunal de Impostos e Taxas, inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – Vedação do art. 28, inciso II, da lei n° 8.906/94. Sentença de improcedência reformada. Recurso provido.” (Agravo de Instrumento nº 0071095-28.2002.8.26.0000, rel. Des.

Ferreira Rodrigues, j. 27.6.2011).

“Apelação Cível. Embargos à Execução Fiscal. ICMS. Auto de Infração e Imposição de Multa. Crédito tributário oriundo de multa imposta por infração cometida pelo embargante. Venda de gado com irregularidade. Alegação de nulidade do processo administrativo por infringência ao art 28, inciso II da Lei 8.906794. Ação julgada procedente na origem. Alegação da Fazenda Estadual de nulidade da sentença e, no mérito, de falsidade de declaração exigida, que culminou na lavratura do auto de infração e imposição de penalidade. Argumentos repelidos. Integrantes do Tribunal de Impostos e Taxas que, à época do julgamento, estavam inscritos na OAB e detinham autorização para advogar. Incompatibilidade entre os poderes conferidos aos conselheiros para atuar como juízes e a autorização para o exercício da advocacia. Recursos oficial e voluntário da Fazenda do Estado – Improvidos, mantida a nulidade da decisão administrativa do TIT.” (Apelação nº 9049925-12.2000.8.26.0000, rel. Des. Rui Stoco, j. 13.2.2004).

Essa é, também, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça:

“Embargos à execução. ICMS. AIIM. Processo Administrativo Tributário Tribunal de Impostos e Taxas (TIT). Nulidade do julgamento em razão da participação de advogados inscritos na OAB. Incompatibilidade de função, conforme o artigo 28, inciso II, da Lei 8.906/94. Precedentes deste E. Tribunal de Justiça Recursos improvidos” (Apelação nº 0006816 78.2010.8.26.0347, 11ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Pires de Araújo, j. 2.12.2013).

“Tributário – Execução fiscal. ICMS – Acolhimento de exceção de pré-executividade – Nulidade da CDA reconhecida – Decisão que se sustenta – AIIM respectivo julgado válido em sessão do Tribunal de Impostos e Taxas da qual participaram advogados não afastados da atividade – Inadmissibilidade – Incompatibilidade das funções, a teor da Lei 8.906/94 – Precedentes desta Corte – Decadência a atingir o crédito tributário, outrossim – Recurso desprovido, com observação.” (Apelação nº 0004742-85.2009.8.26.0153, 13ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Ivan Sartori, j. 11.5.2011).

Portanto, de rigor o reconhecimento da nulidade da decisão proferida pelo TIT e, consequentemente, da CDA executada.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

Ana Liarte

Relatora”

No meu entender, a presença de advogado, e só é advogado quem estiver inscrito no quadro da OAB nessa condição, como representante da classe dos advogados, tem respaldo na Lei nº 13.457, de 18-3-2009, que assim prescreve em seu art. 65:

“Art. 65 – Os juízes contribuintes, todos portadores de título universitário, de reputação ilibada e reconhecida especialização em matéria tributária, com mais de 5 (cinco) anos de efetiva atividade profissional no campo do Direito, inclusive no magistério e na magistratura, serão nomeados pelo Governador do Estado, dentre os indicados pelas entidades jurídicas ou de representação dos contribuintes.

Parágrafo único – É vedada a nomeação para juiz contribuinte de servidor que esteja no exercício de função ou cargo público”.

Poder-se-á objetar que a apontada incompatibilidade resulta da aplicação da lei de regência da matéria em âmbito nacional, ou seja, do Estatuto da Advocacia, Lei Federal de nº 8.906/94.

Ainda assim, não me parece que essa questão possa ser decidida com celeridade e com singeleza, mediante simples invocação e aplicação literal do art. 28, inciso II do Estatuto, sem distinguir o conselheiro-advogado, representante da classe dos advogados, dos demais representantes de outras categorias econômicas ou profissionais. A questão está a merecer uma reflexão e um estudo mais aprofundados, livre das paixões que tomaram conta no âmbito de atuação do principal colegiado administrativo – o CARF – por conta das repercussões midiáticas, sob pena de criar um inusitado clima de insegurança jurídica.

Realmente, o pronunciamento de nulidade da decisão proferida pelo TIT, nos termos em que foram decididos pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme Acórdãos retrotranscritos tem outros desdobramentos.

Se o advogado estava exercendo uma função no TIT, incompatível com o exercício da advocacia, como proclamado pelo caput do art. 28 do Estatuto, em tese, todos os atos praticados em qualquer processo judicial por aquele advogado-conselheiro, enquanto integrante do TIT, são nulos, alcançando direitos de terceiros em extensão ilimitada.

Toda essa jurisprudência do TJESP foi criada por atuação de contribuintes vencidos no processo administrativo tributário em grau de recurso ordinário perante o TIT. Esses contribuintes, por meio de seus advogados, pleitearam judicialmente o reconhecimento de nulidade das decisões administrativas finais cobertas por coisa julgada administrativa, alegando existência de vício consistente na participação de advogado inscrito na OAB na condição de juiz do TIT.

Assim como um determinado advogado, cujo cliente não logrou êxito no tribunal administrativo, perdendo o recurso ordinário julgado por uma Câmara de que participou um juiz-advogado pleiteou judicialmente a nulidade da coisa julgada administrativa, pode, muito bem, um outro advogado, cujo cliente foi vencido numa contenda judicial patrocinada por um advogado que integra o TIT, pleitear a nulidade da decisão judicial transitada em julgado, porque uma das partes foi representada por um profissional incompatibilizado com o exercício da advocacia.

Se a moda pega, ninguém mais terá segurança jurídica que decorre da coisa julgada administrativa e da decisão judicial transitada em julgado.

A decisão do Conselho Federal da OAB pode evitar a repetição de problemas para o futuro, mas não resolve o passado. O “efeito modulatório”, expressão em moda utilizada pela OAB, sem dúvida, afasta a aplicação de penalidades, mas não afasta a possibilidade de os prejudicados ajuizarem ação anulatória. As decisões judiciais proferidas pelo E. TJESP resolveram as lides versadas nos respectivos processos judiciais, mas permitem os prejudicados em ações judiciais requererem a proclamação de nulidade de processos onde houve participação em um dos polos da ação um advogado incompatibilizado com o exercício da advocacia por ser integrante do CARF, do TIT ou do Conselho Municipal de Tributos.

Infelizmente, o escândalo veiculado pela Polícia Federal no âmbito do CARF está tendo repercussões surpreendentes levantando dúvidas e questões nunca antes sequer imaginadas. O antigo Conselho de Contribuintes, órgão que antecedeu a criação do CARF prestou, assim como o próprio CARF, relevantes serviços públicos por quase um século.

É uma pena que os colegiados de segunda instância em matéria de processo administrativo tributário estejam caminhando para o seu apequenamento por conta da ação de alguns irresponsáveis, para dizer o menos.

É preciso, repensar esse assunto com serenidade, sem paixões e verificar os bons serviços públicos prestados por esses órgãos paritários, com a participação de profissionais diversos, dentre os quais, os advogados.

Para preservar o princípio da segurança do direito impõe-se a incorporação do art. 8º do Regulamento Geral do Estatuto dos Advogados ao art. 28 do Estatuto, por meio de um projeto legislativo a fim de assegurar a presença do advogado enquanto representante da classe dos advogados, contribuindo para manter a boa qualidade dos colegiados administrativos que, por força de lei, têm representação paritária.

Eventual alteração do posicionamento da OAB Nacional não irá alterar a sólida jurisprudência formada no E. TJESP. Bastará a subida de um Recurso Especial para que o Colendo STJ encampe a tese do Tribunal paulista julgando a questão em caráter repetitivo (art. 543-C do CPC). Sem alteração legislativa não haverá modificação da jurisprudência em vigor.

Outra solução, mas a longo prazo, seria a de criar o contencioso administrativo em matéria tributária prevendo a composição paritária no seu órgão colegiado de segunda instância mediante preenchimentos de cargos de juízes efetivos nos termos da lei. Essa lei deverá ser precedida de aprovação de uma Emenda Constitucional. Isso contribuirá para desafogar o Poder Judiciário, hoje, sobrecarregado até para anular as decisões proferidas pelos colegiados administrativos.

SP, 1-6-15.

* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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[1] Consulta nº 49.0000.2015.004193-7/COP.

[2] O inciso II, do art. 28 do Estatuto da OAB retrotranscrito.

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