IPI na revenda de produtos importados

 

Há dias escrevemos um texto versando sobre “Alteração da jurisprudência do STJ traz insegurança jurídica”. É o caso IPI na revenda de produtos importados que volta a incidir segundo novo entendimento do STJ. Somente uma decisão definitiva do STF, que se harmonize com o sistema jurídico global, nele incluídas as normas convencionais internadas em nosso ordenamento jurídico, poderá restabelecer a segurança jurídica indispensável ao sadio desenvolvimento de atividades econômicas. O que não pode é o importador ser surpreendido repentinamente com exigência tributária que pode vir sob forma de lançamento de ofício.

Após décadas de discussões quanto à incidência ou não do IPI na saída de produto importado do estabelecimento do importador, o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu, acertadamente, que o IPI somente recaí sobre o montante que na operação tributada tenha resultado da industrialização, conforme a ementa do V. Acórdão assim redigido:

 

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. SAÍDA DO ESTABELECIMENTO IMPORTADOR.

A norma do parágrafo único constitui a essência do fato gerador do imposto sobre produtos industrializados. A teor dela, o tributo não incide sobre o acréscimo embutido em cada um dos estágios da circulação de produtos industrializados.  Recai apenas sobre o montante que, na operação tributada, tenha resultado da industrialização, assim considerada qualquer operação que importe na alteração da natureza, funcionamento, utilização, acabamento ou apresentação do produto, ressalvadas as exceções legais. De outro modo, coincidiriam os fatos geradores do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre circulação de mercadorias.

Consequentemente, os incisos I e II do caput são excludentes, salvo se, entre o desembaraço aduaneiro e a saída do estabelecimento do importador, o produto tiver sido objeto de uma das formas de industrialização.

Embargos de divergência conhecidos e providos” (EREsp nº 1398721/SC, Rel. Ministro Ari Pargendler, DJe de 18-12-2014).

 

Acontece que em menos de um ano aquele Colendo Tribunal alterou radicalmente o seu entendimento sobre a matéria decidindo, por maioria de votos, pela incidência do imposto na revenda de produto importado, conforme V. Acórdão proferido nos Embargos de Divergência no REsp nº 1403352/SC de que foi Relator o Min. Napoleão Nunes Maia, sendo Relator para acórdão o Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 18-12-2015.

Ao alterar o escorreito entendimento anterior, assentado na interpretação segundo as regras da hermenêutica jurídica, aquela Alta Corte de Justiça promoveu uma interpretação isolada de cada um dos dois aspectos do mesmo fato gerador. De um lado, o aspecto material do fato gerador do IPI que é a industrialização como definida no parágrafo único do art. 46 do CTN; de outro lado, o aspecto temporal desse mesmo fato gerador que consoante previsão do art. 51 do CTN ocorre, alternativamente, no desembaraço aduaneiro, em se tratando de produto importado; na saída do estabelecimento, em se tratado de produto nacional; ou na arrematação, em se tratando em produto leiloado. Não há, nem pode haver, ocorrência de fato gerador sem a conjugação de todos os seus aspectos (aspectos material, subjetivo, quantitativo, espacial e temporal).

E para considerar em compartimentos estanques os dois dispositivos citados do CTN (parágrafo único do art. 46 e art. 51 do CTN) o V. Acórdão sob comento promoveu a interpretação literal do disposto no parágrafo único do art. 51 [1], sem se valer da interpretação sistemática que se impunha. O disposto no aludido parágrafo único do art. 51 do CTN deve ser interpretado dentro do sistema jurídico, e não literalmente, sob pena de consagrar a validade da ficção jurídica (atribuição ao fato de uma característica irreal) no campo de definição legal do fato gerador da obrigação tributária, com afronta o princípio da capacidade contributiva. As ficções jurídicas, que não se confundem com as presunções por atribuírem aos fatos características não reais, não podem ser objetos de utilização no direito tributário, principalmente, para compor a definição do fato gerador da obrigação tributária, sob pena de violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, um desdobramento do princípio maior da isonomia tributária.

Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm significações próprias não se permitindo para os fins de cobrança do IPI equiparar o estabelecimento industrial a um estabelecimento comercial desprovido de infraestrutura material e pessoal para promover qualquer operação que modifique a natureza ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para o consumo.

O produto industrializado e importado, uma vez pago o IPI no desembaraço aduaneiro, não mais se sujeita à tributação por esse imposto nas sucessivas saídas de qualquer tipo de estabelecimento atacadista ou varejista, a menos que tenha resultado em nova industrialização. Do contrário haverá confusão entre o fato gerador do IPI com o fato gerador do ICMS, que incide em cada etapa de circulação da mercadoria, como muito bem enfatizado no primitivo e escorreito acórdão proferido pela Primeira Seção do STJ (EREsp nº 1.398.721/SC).

A dupla imposição tributária do IPI viola o princípio da isonomia ao dispensar tratamento desigual entre o importador de produto industrializado e o estabelecimento industrial nacional. Implica, também, contrariedade a uma das regras da OMC de que participa o nosso país, por onerar mais o produto de procedência estrangeira em confronto com o produto similar aqui fabricado.

Por tais razões, o STF reconheceu a repercussão geral no RE nº 946.648/SC tendo sido deferida a liminar na ação cautelar de nº 4.129 de relatoria do Min. Marco Aurélio, DJe de 10-6-2016, para suspender os efeitos do acórdão recorrido até final pronunciamento da Corte Suprema quanto à incidência ou não do IPI na revenda de produto industrializado importado.

 

[1] “Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante.”

 

SP, 1º-9-17.

Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

 

 

 

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