ISS.  Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres

O item 3 da lista de serviços desdobra-se em 5 subitens. Neste artigo examinaremos os dois primeiros subitens seguindo as linhas traçadas na nossa obra ISSS doutrina e prática, 2ª edição, Atlas, 2014.

 

3.01 (vetado).

 

Esse subitem que foi vetado correspondia ao disposto no item 79 da lista anexa à Lei Complementar nº 56/87, concernente à locação de coisa móvel, que nada tem a ver com prestação de serviço traduzida por obrigação de fazer.

Realmente, locação de bem móvel é um instituto de direito civil caracterizado pela presença de duas manifestações de conteúdo econômico: a despesa a ser suportada pela locatária e o aluguel percebido pelo locador. E o aluguel percebido é elemento idôneo para compor o fato gerador do imposto de renda de competência impositiva da União, nada tendo a ver com a atividade de prestação de serviço, na qual, o preço percebido deve representar uma contraprestação pelo serviço prestado, isto é, venda de serviço (bem imaterial).

Por isso, a Corte Suprema declarou a inconstitucionalidade daquele item 79 resultando dessa decisão do Plenário a edição da Súmula vinculante de nº 31 nos seguintes termos:

 

“É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.”

 

 

3.02 – Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda

 

Em rápidas pesquisas foi possível identificar forte corrente doutrinária sustentando a intributabilidade da cessão de direitos, porque não há, nessa atividade, qualquer prestação de esforço pessoal para outrem como observa José Eduardo Soares de Melo [1] com apoio em Aires Fernandinho Barreto.

Para exame da questão impõe-se precisar o conceito de marcas.

Marca significa um sinal distintivo que identifica determinado produto industrial ou comercial com a finalidade de distingui-los dos demais produtos idênticos ou similares, de diferentes origens, para possibilitar imediato reconhecimento desses produtos, industrial ou comercial, pelo público em geral. Depois de registrada na repartição pública competente, a marca assegura ao seu titular o uso exclusivo. Sinal de propaganda, por sua vez, significa um escrito, uma legenda, um desenho ou uma gravura capaz de chamar a atenção dos consumidores sobre produtos “sinalizados”, que têm as suas qualidades realçadas. Tem o mesmo objetivo de uma marca comercial, industrial ou de serviços.

Por tais razões, a cessão de direitos a que se refere o subitem sob comento não se confunde a ampla obrigação de transferir créditos, pretensões, ações em suas modalidades das mais variadas conhecidas no direito civil.

Não se pode confundir cessão de direitos com locação de bens móveis. Sob a égide do Decreto-lei nº 406/68 o Colendo STJ assim decidiu:

 

“ISS. Direitos autorais. Locação de bens móveis. Prestação de serviço. Base de cálculo.

Direito autorais são considerados bens móveis, podendo ser cedidos ou locados. A permissão a terceiros de utilização de criações artística e direito de autor e o direito autoral, para fins legais, considera-se bens móveis que podem ser locados.

A autora transferiu a terceiros o direito autoral, sem transferir a propriedade. Houve locação, mas isto é, para os efeitos legais, prestação do serviço e a base de cálculo é o preço do serviço (DL 406/68, art. 9º).

Recurso provido” (Resp nº 26.598-SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU de 16-11-1992).

 

O acórdão fundamentou-se na locação de bem móvel que a Corte Suprema veio declarar inconstitucional deixando clara a distinção entre locação de serviços e locação de móveis (RE nª 116.121-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 11-10-2000).

A cessão objetivada pelo ISS diz respeito ao direito de uso de marcas e de sinais de propaganda, isto é, venda de serviços consistentes na produção intelectual de marcas e de sinais de propaganda. Há nesse tipo de cessão circulação de bem imaterial. Com a cessão, o cessionário (tomador de serviços) adquire não o domínio do suporte físico da marca ou do sinal, mas o domínio da obra intelectual do cedente (prestador de serviços), de sorte a ficar assegurado o uso exclusivo da marca ou sinal de propaganda.

Por meio de interpretação sistemática, e não literal, chega-se à conclusão de que a prestação de serviços especificados no item 3.02 caracteriza-se como venda de bem imaterial, passível de tributação pelo ISS.

Cumpre observar, entretanto, que o art. 5º da Lei nº 9.279, de 14-5-96, considera como “bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial.”

Logo, poder-se-ia argumentar que ceder a terceiro o direito de uso da marca ou sinal de propaganda equivale à locação de bens móveis incidindo na vedação expressa na Súmula vinculante nº 31 do STF.

Contudo, há que se ponderar que a cessão a que se refere o subitem sob comento nada tem a ver com a cessão de direitos autorais que o Código Civil caracteriza como bens móveis, conforme inciso III, do art. 48 do CC. A cessão de direitos autorais, na verdade, não tem previsão na lista de serviços anexa à LC nº 116/03, fato que, por si só, impede a sua tributação. O município não é livre para tributar qualquer serviço, mas apenas aqueles definidos em lei complementar, por expressa disposição constitucional. Daí a oportuna advertência de Paulo de Barros Carvalho:

 

“O exame de qualquer texto de lei complementar em matéria tributária há de ser efetuado de acordo com as regras constitucionais de competência. É o que ocorre com o Decreto-lei n. 406/68 (com redação dada pela Lei Complementar n. 56/87) e com a Lei Complementar n. 116/2003, do mesmo modo, com as legislações municipais, cujos termos só podem ser compreendidos se considerada a totalidade sistêmica de ordenamento, Respeitando-se os limites impostos pela Constituição à disciplina do ISS.” [2]

 

Por fim, é oportuno lembrar que em matéria de aplicação da norma tributária definidora do fato gerador descabe falar em interpretação extensiva ou analógica baseada na expressão “congêneres” que consta de vários itens de serviços (3, 4.02, 4.03, 4.17 a 4.19, 4.21, 4.22, 5.04, a 5.08 etc.), como sustentado pela parcela ponderável da doutrina especializada. A LC nº 116/03 é uma lei sobre leis de tributação. Ela não é autoaplicável, cabendo a cada município instituir por lei própria o ISS incluindo, se quiser, os serviços congêneres nas hipóteses permitidas pela lei de regência nacional do ISS. Em outras palavras, cabe à lei tributária material definir quais são os serviços congêneres a que se referem os diversos itens da lista nacional do ISS. Do contrário, estaria violando o princípio da legalidade estrita. Aqueles itens de serviços que contêm a expressão “congêneres” não estão endereçados ao aplicador da lei, mas ao legislador municipal.

SP, 17-7-17.

 

* Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

 

 

 

[1] ISS. Aspectos teóricos e práticos. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 66.

[2] Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 682-683.

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