ITCMD. Sua inexigibilidade em relação à herança recebida do exterior

Como se sabe a Constituição de 1988 alargou o campo de incidência do ITCMD que passou a ser cobrada, também em relação a bens de qualquer natureza e de quaisquer direitos, retornando ao sistema constitucional de 1946 (art. 155, I).

O CTN, entretanto, não procedeu à atualização segundo a nova prescrição constitucional. Na descrição da norma de imposição tributária continua definindo o fato gerador como sendo a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos, bem como a cessão desses direitos segundo a ordem constitucional então vigente (art. 35 do CTN).

A Constituição de 1988 inseriu na competência impositiva do Município a transmissão inter vivos a título oneroso de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis, e na competência tributária do Estado, a transmissão causa mortis e a doação de quaisquer bens e direitos.

Doutrina e jurisprudência têm dispensado a definição prévia do fato gerador do novo ITCMD por lei complementar, como determina o art. 146, III, a da CF, porque o exercício da competência tributária deferida de forma privativa para o Estado não pode ficar na dependência da boa vontade do legislador complementar. E mais, na ausência de norma geral da União, o Estado pode exercer a competência legislativa plena para atender a suas peculiaridades, cessando a sua eficácia na superveniência de norma geral da União em sentido contrário (art. 24,§§ 3º e 4º da CF).

Entretanto, depende de regulamentação em nível da lei complementar a tributação pelo ITCMD nas seguintes hipóteses:

a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior (art. 155, § 1º, III da CF).

Não há até hoje a regulamentação por lei complementar dessa exigência constitucional. Por isso, padecem do vício de inconstitucionalidade as disposições legais de vários Estados da Federação dispondo sobre a cobrança do ITCMD nessas situações.

Não se aplicam nessas hipóteses as disposições dos §§ 3º e 4º da CF porque isso iria causar conflitos de competência tributária entre os 27 Estados componentes da Federação. Uma das missões da lei complementar é exatamente a de prevenir conflitos de tributação entre os entes federados (art. 145, I da CF). Regulando o dispositivo constitucional antes mencionado poderia a lei complementar dispor que nas hipóteses das letras a e b retro citadas, o ITCMD caberá ao Estado onde tiver domicílio o beneficiário (donatário ou herdeiro).

Sem a prévia definição do sujeito ativo do imposto, por lei complementar de aplicação no âmbito nacional, nos casos retromencionados nenhum Estado poderá exercer validamente a sua competência tributária. Nesse sentido, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já pronunciou a inconstitucionalidade dos do art. 4º, inciso II, b da Lei paulista de nº 10.705/01[1] que previa a cobrança do imposto sobre a herança advinda do exterior, conforme ementa abaixo transcrita:

“I – Arguição de inconstitucionalidade. A instituição de imposto sobre transmissão ‘causa mortis’ e doação de bens localizados no exterior deve ser feita por meio de Lei Complementar. Inteligência do art. 155, § 1º, inciso III, alínea b, da Constituição Federal.

II – O Legislador Constituinte atribuiu ao Congresso Nacional um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária para instituição do imposto sobre transmissão de bens móveis/imóveis, corpóreos/incorpóreos – localizados no exterior, justamente com o intuito de evitar conflitos de competência, geradores de bitributação, entre os Estados da Federação, mantendo uniforme o sistema de tributos.

III – Inconstitucionalidade da alínea ‘b’ do inciso II do art. 4º da Lei paulistana nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, reconhecida. Incidente de inconstitucionalidade procedente.” (Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000, Rel. Des. Guerrieri Rezende, julgado 30/03/2011).

Realmente, deixar a critério de cada Estado membro a tributação de bens advindos do exterior seria incorrer no perigo de bitributação jurídica que é vedada pela Constituição Federal.

SP, 5-1-15.

Jurista, com 29 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Site: www.haradaadvogados.com.br



[1] Parcialmente modificada pelas Leis ns. 10.992/01 e 11.001/01.

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