Inconstitucionalidade do redirecionamento das execuções fiscais aos sócios

Artigo do dr. Marcelo Kiyoshi Harada publicado no site JOTA em 18/12/19.

 

Fisco Paulista fundamenta seu pedido em mais uma equivocada tese, a chamada dissolução irregular da sociedade.

Costumeiramente, o Fisco Paulista vem pleiteando nos processos executivos fiscais o redirecionamento das execuções para os sócios das empresas, porém, sem demonstrar e comprovar de forma inconteste atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. O artigo 135 do Código Tributário Nacional, norma disciplinadora da matéria, condiciona a responsabilidade dos sócios para…

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Costumeiramente, o Fisco Paulista vem pleiteando nos processos executivos fiscais o redirecionamento das execuções para os sócios das empresas, porém, sem demonstrar e comprovar de forma inconteste atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

O artigo 135 do Código Tributário Nacional, norma disciplinadora da matéria, condiciona a responsabilidade dos sócios para o redirecionamento da execução aos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, consignando de forma expressa que são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.

Exatamente porque a responsabilidade é pessoal em todas as hipóteses tratadas no referido art. 135, que o crédito tributário deve, necessariamente, resultar de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, ocorrendo nesses casos a chamada responsabilidade por substituição, e não a responsabilidade solidária, estritamente no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação principal, pagamento, pelo contribuinte.

Justamente porque a responsabilidade no caso sob exame decorrer por substituição, a jurisprudência já consolidada dos nossos tribunais vem dispensando a inscrição do nome do sócio ou responsável na certidão de dívida ativa, enterrando a ultrapassada tese de que seria necessária a substituição da CDA para prosseguimento da execução contra o sócio.

Assim, nos termos do art. 135, III, do CTN, os sócios só respondem por dívidas tributárias quando exercerem gerência da sociedade ou qualquer outro ato de gestão vinculado ao fato gerador. O simples fato de figurar no quadro societário da empresa, à época da ocorrência do fato gerador do tributo devido, não é autorizador do redirecionamento da execução. Logo, qualquer disposição ou medida, portanto, só pode ser aplicada quando presentes as condições do art. 135, III, do CTN, não podendo ser interpretada, exclusivamente, em combinação com o art. 134 do mesmo diploma legal, que dispõe sobre responsabilidade solidária.

Nesse diapasão, inteiramente desprovida de validade, qualquer disposição ou medida que pretenda alargar a responsabilidade dos sócios e dirigentes das pessoas jurídicas, por inobservância do art. 146, III, da Constituição Federal, que dispõe que as normas sobre responsabilidade tributária deverão se revestir obrigatoriamente de lei complementar.

Ademais, o teor do art. 1.016 do novo Código Civil é extensivo às Sociedades Limitadas por força do prescrito no art. 1.053, expressando hipótese em que os administradores respondem solidariamente somente por culpa quando no desempenho de suas funções, o que vem a reforçar o consignado art. 135, III, do CTN.

Não há como se aplicar à questão de tamanha complexidade e repercussão patrimonial, empresarial, fiscal e econômica, interpretação literal e dissociada do contexto legal no qual se insere o direito em debate. Deve-se, ao revés, buscar amparo em interpretações sistemática e teleológica, adicionando-se os comandos da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional e do Código Civil para, por fim, alcançar-se uma resultante legal que, de forma coerente e juridicamente adequada, não desnature as Sociedades Limitadas.

É totalmente equivocada a interpretação do inciso III, imputando-se a responsabilidade tributária aos sócios, gerentes e diretores de pessoas jurídicas de direito privado pelo não recolhimento de créditos tributários regularmente constituídos, inclusive os escriturados pelo contribuinte. Essa questão vinha sendo tratada de forma equivocada pela jurisprudência e consistia na responsabilização pessoal do dirigente pelo não recolhimento do tributo devido, sob o fundamento de que houve infração legal. Sem dúvida, o não pagamento do tributo no prazo legal configura infração, da mesma forma que o inadimplemento de qualquer tipo de obrigação, só que, no caso, o tributo não resultou da infração praticada, como exige o dispositivo em questão, pela simples razão de que a infração ocorreu após a constituição regular do crédito.

Esse entendimento, de que o mero inadimplemento da obrigação tributária não é suficiente para ensejar a responsabilidade do administrador, foi consolidado através da Súmula 430 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.

Não obstante esse balde de água fria, o Fisco Paulista vem manobrando, de maneira ardilosa, para o guerreado redirecionamento da execução, fundamentando o seu pedido em mais uma equivocada tese, agora a da chamada dissolução irregular da sociedade.

Nenhuma legislação tributária (federal, estadual, distrital ou municipal) elegeu a dissolução irregular de sociedade limitada como fato gerador de obrigação tributária. Mas, para efeito de responsabilização dos sócios ou do administrador da sociedade limitada, o Superior Tribunal de Justiça editou, de forma precipitada, a Súmula de 435 do seguinte teor:

“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Ocorre, porém, que, na prática, é difícil, senão impossível fazer a comunicação do novo domicílio fiscal, que no caso de encerramento da atividade por insolvência, obviamente não existirá.

Outrossim, no sistema informatizado da administração tributária não há campo para inserir a comunicação de paralisação temporária ou definitiva das atividades empresariais. No tocante à baixa da sociedade limitada na JUCESP, também resta inviável, tendo em vista a impossibilidade de apresentação das certidões negativas.

Nesse cenário, não pode o juiz, com base no mencionado art. 135 do CTN, imputar as obrigações tributárias das sociedades ltda. a seus sócios ou administradores a pretexto de que houve dissolução irregular da sociedade.

Sem dúvida, este procedimento da jurisprudência, data vênia, implica legislar sobre o fato concreto com o fito de proceder à arrecadação tributária, sem observância do princípio constitucional do devido processo legal.

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