O conteúdo do serviço de comunicação para efeito de tributação pelo ICMS

O conteúdo do serviço de comunicação está definido no art. 60 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 da mesma forma que o seu art. 61 define o conteúdo do serviço de valor adicionado,  in  verbis:

“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

  • 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.
  • 2° Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

  • 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
  • 2° É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações”.

Os dispositivos legais retrotranscritos são de uma clareza lapidar não restando quaisquer dúvidas a respeito do serviço de comunicação, que pressupõe um prestador do serviço e um tomador desse serviço. Não se  confunde a prestação de serviço de comunicação, objeto de tributação pelo ICMS, com o ato de estabelecer uma comunicação que está fora do campo de incidência de qualquer imposto, ICMS ou ISS, porque essa comunicação não se reveste de caráter mercantil. Comunicar-se por telefone, por e-mail ou verbalmente não gera efeito tributário algum. Fazer comunicação é bem diferente de prestar serviço de comunicação. Na comunicação telefônica entre duas pessoas não há prestação do serviço de comunicação, isto é, não há um prestador de serviço e um tomador de serviço que caracterizam o serviço tributável.

Anteriormente ao advento da Lei Complementar nº 116/03, no que diz respeito aos serviços de informática, só eram tributadas as atividades de programação e de processamento de dados. No dizer de Mikhailov, citado por Alexandre Freire Pimentel, informática “é a disciplina científica que investiga a estrutura e a propriedade das informações científicas, bem como as regularidades da informação científica, sua teoria, história, metodologia e organização. O objetivo da informática consiste em desenvolver métodos e meios ótimos de apresentação (registro), coleção, processamento analítico-sintético, armazenamento, recuperação e disseminação da informação científica.”[1]

Hoje, a lista anexa na nova lei de regência nacional do ISS prevê oito tipos de serviços que se enquadram no conceito de informática traduzindo um obrigação de fazer (itens 1.01 a 1.08).

Sabe-se que na ausência de normas expressas para tributar os todos serviços de informática os Estados membros vinham tentando cobrar o ICMS dos provedores de acesso à Internet, como se o não exe4rcício da competência tributária por uma entidade política legitimada pelo texto constitucional pudesse implicar o exercício dessa competência por um outro ente político não legitimado pela Constituição.

Ora, o provedor de acesso não se caracteriza como prestador do serviço de comunicação lititando-se a permitir ao usuário navegar pelos sites da internet recebendo imagens, mensagens, informações do transmissor (site visitado) valendo-se da rede de comunicações operada por concessionárias dos serviços de comunicação. Por isso, os provedores de acesso não precisam de concessão do governo federal para atuar. O que o provedor de acesso faz limita-se a prestar um serviço de valor adicionado nos termos do art. 62 e § 1º da Lei nº 9.472/97.

Entretanto, a discussão jurisprudencial perdurou por um longo tempo, até que o Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, pacificou o entendimento de sua primeira sessão, afirmando a tese da não incidência do ICMS, conforme ementa abaixo:

“EMENTA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. SERVIÇO PRESTADO PELOS PROVEDORES DE ACESSO À INTERNET. ARTIGOS 155, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E 2º, II, DA LC N. 87/96. SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO. ARTIGO 61 DA LEI N. 9.472/97 (LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES). NORMA N. 004/95 DO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES.

PROPOSTA DE REGULAMENTO PARA O USO DE SERVIÇOS E REDES DE TELECOMUNICAÇÕES NO ACESSO A SERVIÇOS INTERNET, DA ANATEL. ARTIGO 21, XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO-INCIDÊNCIA DE ICMS.

Da leitura dos artigos 155, inciso II, da Constituição Federal, e 2º, inciso III, da Lei Complementar n. 87/96, verifica-se que cabe aos Estados e ao Distrito Federal tributar a prestação onerosa de serviços de comunicação. Dessa forma, o serviço que não for prestado de forma onerosa e que não for considerado pela legislação pertinente como serviço de comunicação não pode sofrer a incidência de ICMS, em respeito ao princípio da estrita legalidade tributária.

Segundo informações da Agência Nacional de Telecomunicações ? ANATEL, “a Internet é um conjunto de redes e computadores que se interligam em nível mundial, por meio de redes e serviços de telecomunicações, utilizando no seu processo de comunicação protocolos padronizados. Os usuários têm acesso ao ambiente Internet por meio de Provedores de Acesso a Serviços Internet. O acesso aos provedores pode se dar utilizando serviços de telecomunicações dedicados a esse fim ou fazendo uso de outros serviços de telecomunicações, como o Serviço Telefônico Fixo Comutado” (“Acesso a Serviços Internet”, Resultado da Consulta Pública 372 – ANATEL).

A Proposta de Regulamento para o Uso de Serviços e Redes de Telecomunicações no Acesso a Serviços Internet, da ANATEL, define, em seu artigo 4º, como Provedor de Acesso a Serviços Internet ? PASI, “o conjunto de atividades que permite, dentre outras utilidades, a autenticação ou reconhecimento de um usuário para acesso a Serviços Internet”. Em seu artigo 6º determina, ainda, que “o Provimento de Acesso a Serviços Internet não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor e seus clientes como usuários dos serviços de telecomunicações que lhe dá suporte”.

Por outro lado, a Lei Federal n. 9.472/97, denominada Lei Geral de Telecomunicações,  LGT, no § 1º de seu artigo 61, dispõe que o serviço de valor adicionado “não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição”. O caput do mencionado artigo define o referido serviço como “a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se

confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.”

O serviço prestado pelo provedor de acesso à Internet não se caracteriza como serviço de telecomunicação, porque não necessita de autorização, permissão ou concessão da União, conforme determina o artigo 21, XI, da Constituição Federal.

Não oferece, tampouco, prestações onerosas de serviços de comunicação (art. 2º, III, da LC n. 87/96), de forma a incidir o ICMS, porque não fornece as condições e meios para que a comunicação ocorra, sendo um simples usuário dos serviços prestados pelas empresas de telecomunicações.

Na lição de Kiyoshi Harada, “o provedor de acesso à internet libera espaço virtual para comunicação entre duas pessoas, porém, quem presta o serviço de comunicação é a concessionária de serviços de telecomunicações, já tributada pelo ICMS. O provedor é tomador de serviços prestados pelas concessionárias. Limita-se a executar serviço de valor adicionado, isto é, serviços de monitoramento do acesso do usuário à rede, colocando à sua disposição equipamentos e softwares com vistas à eficiente navegação.”

O serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet cuida, portanto, de mero serviço de valor adicionado, uma vez que o prestador se utiliza da rede de telecomunicações que lhe dá suporte para viabilizar o acesso do usuário final à Internet, por meio de uma linha telefônica.

Conforme pontifica Sacha Calmon, “o serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet é um Serviço de Valor Adicionado, não se enquadrando como serviço de comunicação, tampouco serviço de telecomunicação. Este serviço apenas oferece aos provedores de Acesso à Internet o suporte necessário para que o Serviço de Valor Adicionado seja prestado, ou seja, o primeiro é um dos componentes no processo de produção do último.”

Nessa vereda, o insigne Ministro Peçanha Martins, ao proferir voto-vista no julgamento do recurso especial embargado, sustentou que a provedoria via Internet é serviço de valor adicionado, pois “acrescenta informações através das telecomunicações. A chamada comunicação eletrônica, entre computadores, somente ocorre através das chamadas linhas telefônicas de qualquer natureza, ou seja, a cabo ou via satélite. Sem a via telefônica impossível obter acesso à Internet. Cuida-se, pois, de um serviço adicionado às telecomunicações, como definiu o legislador. O provedor é usuário do serviço de telecomunicações. Assim o diz a lei.”

Conclui-se, portanto, que, nos termos do artigo 110 do Código Tributário Nacional, não podem os Estados ou o Distrito Federal alterar a definição, o conteúdo e o alcance do conceito de prestação de serviços de conexão à Internet, para, mediante Convênios Estaduais, tributá-la por meio do ICMS.

Como a prestação de serviços de conexão à Internet não cuida de prestação onerosa de serviços de comunicação ou de serviços de telecomunicação, mas de serviços de valor adicionado, em face dos princípios da legalidade e da tipicidade fechada, inerentes ao ramo do direito tributário, deve ser afastada a aplicação do ICMS pela inexistência na espécie do fato imponível.

Segundo salientou a douta Ministra Eliana Calmon, quando do julgamento do recurso especial ora embargado, “independentemente de haver entre o usuário e o provedor ato negocial, a tipicidade fechada do Direito Tributário não permite a incidência do ICMS.

Embargos de Divergência improvidos” (EREsp nº 456650-PR; Rel. Min. José Delgado; Relator p/ Acórdão Min. Franciulli Netto,  DJ 20-03-2006).

 

SP, 25-4-16.

* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.  Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

[1] O direito cibernético: um enfoque teórico e lógico-aplicativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 30.

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