Orçamento impositivo. Exame da Pec nº 565/06

Resumo: Este estudo promove análise das modificações genéricas a serem introduzidas no âmbito da elaboração das leis orçamentárias, e examina com maior detença a distinção entre o orçamento autorizativo em vigor e o orçamento impositivo que a Pec nº 565/06 pretende introduzir. Conclui que a feitura de orçamento impositivo exige conhecimento profundo da realidade nacional e ação de um estadista, pois, uma vez fixadas as despesas estas deverão ser exauridas no cumprimento das finalidades específicas a que se destinam.

Sumário: 1 Introdução. 2 Exame de aspectos genéricos. 2.1 Nova redação conferida ao § 2º, do art. 57 da CF. 2.2 Nova redação conferida ao § 7º, do art. 165 da CF. 2.3 Nova redação conferida ao § 9º, do art. 165 da CF. 2.4 Acréscimo do § 10 ao art. 165 da CF. 2.5 Nova redação conferida ao art. 166 da CF. 3 Orçamento autorizativo. 3.1 Evolução do orçamento clássico para orçamento-programa. 3.2 Natureza jurídica da lei orçamentária anual. 3.3 O princípio da legalidade das despesas públicas. 4 Orçamento impositivo. 5 Referências bibliográficas.

Introdução

Faremos uma breve análise das inovações propostas em matéria de leis orçamentárias dando maior ênfase na distinção entre orçamento autorizativo em vigor e o orçamento impositivo que se pretende introduzir.

Como veremos mais adiante o orçamento impositivo é muito mais do que a mídia vem apregoando, restringindo o seu alcance à obrigatoriedade de liberação de verbas originadas de emendas parlamentares.

Exame de aspectos genéricos

Antes de adentrarmos no exame do orçamento impositivo faremos uma breve análise das questões genéricas objetos de modificações pela PEC sob exame, bem como um exame mais aprofundado do tipo de orçamento em vigor.

Nova redação conferida ao § 2º, do art. 57

De conformidade com a nova redação conferido ao § 2º, do art. 57 da CF “a sessão legislativa não será encerrada sem a deliberação sobre o projeto de lei orçamentária anual.”

A redação original referia-se à lei de diretrizes orçamentárias Pelo princípio da simetria, no nosso entender, já era aplicável em relação à lei orçamentária anual.

Pela nova disciplina substituiu-se a expressão “sem aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias” pela expressão “sem deliberação sobre o projeto de lei orçamentária anual.” O certo seria apenas explicitar o texto original acrescentando o projeto de LOA e mantendo como estava a redação em relação ao projeto de LDO, conferindo a ambos os projetos idêntico tratamento. Pela proposta apresentada o projeto de LDO deverá ser devolvido para sanção até o dia 30 de abril, como veremos mais adiante.

Esclareça-se, por oportuno, que a disposição do § 2º, do art. 57 aplica-se aos Estados, DF e Municípios nos termos do art. 3º da PEC sob comento.

Nova redação conferida ao § 7º, do art. 165 da CF

O § 7º, do art. 165 da CF passa a ter seguinte redação:

“§ 7º Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, ressalvadas as dotações para atender ao serviço da dívida pública, terão a programação dos gastos detalhada, no mínimo, por Estado e Distrito Federal, com o objetivo de reduzir as desigualdades inter-regionais.”

Basicamente a nova redação, com o fito de reduzir as desigualdades inter-regionais, prescreveu a programação da despesa pública detalhada, no mínimo, por Estado e Distrito Federal. É uma forma de trazer maior transparência no direcionamento dos gastos públicos para Estados, Distrito Federal e Municípios, com o objetivo de promover a integração socioeconômica das diversas regiões do País.

Nova redação conferida ao § 9º, do art. 165 da CF

O § 9º passa a ter seguinte redação:

“Cabe à lei complementar:

I – dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;”

Se confrontarmos com o texto vigente notaremos que só foi suprimida a palavra “prazos”.

É que os prazos passaram a ser regidos pelo disposto no § 6º, do art. 166 da CF abarcando aqueles para envio pelo Executivo dos projetos de lei e os de devolução pelo Congresso Nacional para a sanção do Presidente da República, conforme comentaremos mais adiante.

Lembramos que o art. 3º da Lei de Responsabilidade Fiscal, que dispunha sobre o projeto de Lei do Plano Plurianual estabelecendo prazo para sua devolução, foi integralmente vetado pelo Executivo sob o argumento de que o prazo previsto para a sua discussão era muito exíguo.

Acréscimo do § 10 ao art. 165 da CF

É acrescido o § 10 ao art. 165 da CF com a seguinte redação:

“A lei orçamentária anual somente incluirá novas categorias de programação se tiverem sido adequadamente contempladas com dotações aquelas em andamento.”

O parágrafo acrescido não permite a inclusão na lei orçamentária anual de novas categorias de programação se não tiverem sido adequadamente contempladas as dotações em andamento. Visa, com isso, priorizar as dotações em curso. O difícil é interpretar a expressão “adequadamente contempladas” que envolve uma certa dose de subjetivismo. Outrossim, não se pode perder de vista que o dinamismo do fenômeno social traz consigo novas necessidades coletivas a serem atendidas pelo Estado, exigindo a inclusão de novas categorias de programação.

Nova redação conferida ao art. 166 da CF

A PEC sob análise confere nova redação ao art. 166 da CF suprimindo os §§ 1º e 2º e alterando o seu § 6º nos seguintes termos:

“Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma dos respectivos regimentos.

§ 1º (Revogado).

§ 2º (Revogado).

§ 6º No âmbito da União, os projetos de lei do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual serão enviados pelo Presidente da República ao Congresso Nacional nos seguintes prazos:

I – do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subsequente, até oito meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa;

II – das diretrizes orçamentárias, até 20 de fevereiro e devolvido para sanção até 30 de abril, aplicando-se as disposições do art. 64, § 2º, in fine, na hipótese de não haver deliberação sobre a matéria na data indicada;

III – do orçamento anual, até sete meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa.

….”

Com as supressões dos §§ 1º e 2º a Comissão Mista deixa de atuar no processo legislativo. Caberá a cada uma das Casas do Congresso Nacional examinar e emitir parecer sobre os projetos de leis orçamentárias. Outrossim, as emendas serão oferecidas no âmbito de cada uma das Casas de conformidade com os respectivos regimentos.

Isso implicará prejuízo ao processo legislativo próprio para deliberação de projetos de leis de natureza temporária, que requer rápida tramitação, podendo representar um obstáculo à devolução dos projetos nos prazos assinalados no § 6º.

Como se verifica dos incisos I a III os projetos de lei do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual passam a ter prazos estabelecidos no texto constitucional para seus envios ao Congresso Nacional pelo Executivo, bem como para o Congresso Nacional devolvê-los à sanção do Presidente da República.

O projeto de lei do PPA e o da LOA deverão ser devolvidos até o final da sessão legislativa. O projeto de LDO deverá ser devolvido até o dia 30 de abril de cada ano, sob pena de aplicação do disposto na parte final do § 2º, do art. 64 da CF. Em outras palavras, se não devolvido no prazo assinalado ficarão sobrestadas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa até que se ultime a votação, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado.

A determinação de aplicação da parte final do § 2º sob exame é confusa, pois o projeto de LDO é exatamente uma das deliberações com prazo constitucional determinado. Ademais, o sobrestamento das demais deliberações, por si só, não implica obstáculo ao encerramento da sessão legislativa nos prazos previstos no caput do art. 57 da CF (dia 17 de julho e dia 22 de dezembro).

Outrossim, perdeu-se a oportunidade de consignar que a não devolução no prazo estabelecido implica promulgação do respectivo projeto pelo Executivo, com o que eliminaria dúvidas e incertezas não removidas quer pela doutrina especializada, quer pela Supremo Tribunal Federal.

A ordem constitucional antecedente continha norma expressa no sentido de promulgação do projeto de LOA se não devolvido para sanção até o final do prazo estabelecido (art. 68 da CF de 1967 e art. 66 da Emenda nº 1/69).

Independentemente da expressa previsão constitucional sempre entendemos que é possível juridicamente o Executivo promulgar o projeto de lei orçamentária anual na omissão do Congresso Nacional, pois sem o orçamento ficará inviabilizada a atuação do Estado sujeita ao princípio da legalidade das despesas públicas.

Se há um prazo para envio do projeto ao Parlamento sob pena de o Poder Legislativo iniciar a discussão e a votação da lei orçamentária anual com base no orçamento em curso, conforme prescrição do art. 32 da Lei nº 4.320/64, deve haver um prazo para a sanção presidencial, ou promulgação desse projeto pelo Executivo na hipótese de inércia do Poder Legislativo.

Orçamento autorizativo

O orçamento anual de há muito deixou de ser uma mera peça contábil prevendo a estimativa de receitas, de um lado, e a fixação de despesas, de outro lado. O orçamento anual assume características de um programa de ação do governo interagindo com a lei do PPA e a LDO. A LDO estabelece um elo entre o PPA e a LOA.

A lei do PPA define o plano estratégico do governo a longo prazo, que fica mais no plano abstrato. A LDO seleciona as estratégias a serem implementadas. Aquela representa estratégia e esta representa a tática. O orçamento anual confere ao PPA um caráter dinâmico-operativo disponibilizando os recursos financeiros para a execução do plano estratégico definido pela LDO.

Daí porque alguns autores defendem a tese de que o orçamento anual é impositivo e não simplesmente autorizativo.

O conhecido publicista Adilson Abreu Dallari é enfático em afirmar:

“O orçamento-programa, que é elaborado em função de objetivos e metas a serem atingidas, de projetos e programas a serem executados, dos quais as dotações são a mera representação numérica, não mais pode ser havido como meramente autorizativo, tendo, sim, por determinação constitucional, um caráter impositivo.” [1]

A tese é sedutora, principalmente depois que o Supremo Tribunal Federal passou a admitir o controle abstrato das normas orçamentárias para conter abusos na abertura de créditos extraordinários por meio de medidas provisórias, para custear despesas correntes.[2]

Evolução do orçamento clássico para orçamento-programa

A lei orçamentária anual que abrange o orçamento fiscal referente aos três Poderes da União, fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, fundações públicas, e o orçamento de investimentos das empresas estatais deverão ser compatibilizados com o plano plurianual, tendo entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional (art. 165, 7º do CF).

Além desses dois orçamentos com as funções retrorreferidas o orçamento anual compõe-se, também, do orçamento da seguridade social. São, portanto, três tipos de orçamento que compõem o orçamento anual da União que estima as receitas, de um lado, e fixa as despesas, de outro lado.

Só que a fixação de despesas deve obedecer a uma estratégia governamental representando uma política governamental a longo prazo. Por isso, o orçamento é elaborado a partir do programa de governo levado ao conhecimento dos eleitores.

Daí o nome de orçamento-programa que outra coisa não é senão a integração entre o planejamento governamental e o orçamento público por meio do PPA, da LDO e da LOA que se entrelaçam. Dispõe o § 1º, do art. 167 da CF que “nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.”

Outrossim, o apontado § 7º, do art. 165 da CF determina que o orçamento fiscal da União e o orçamento de investimento das estatais guardem harmonia com o plano plurianual de investimentos tendo como uma de suas funções a de reduzir as diferenças inter-regionais.

Portanto, a execução orçamentária há de corresponder a uma etapa no processo de eliminação das desigualdades inter-regionais, promovendo a verdadeira integração nacional, um dos objetivos nacionais permanentes na visão da doutrina da Escola Superior de Guerra.

3.2 Natureza jurídica da lei orçamentária anual

A lei orçamentária anual, como o próprio nome está a indicar, tem a natureza de lei estando definitivamente sepultada a antiga discussão em torno de sua natureza jurídica como um simples ato legislativo ou ato condição.

Mas, não é uma lei apenas no sentido formal, porém no sentido material também, conforme últimas decisões do Supremo Tribunal Federal que passou a admitir o controle abstrato das normas orçamentárias. O descumprimento das normas orçamentárias poderá acarretar sanções de natureza política, administrativa e penal contra o infrator.

Contudo, é uma lei peculiar, de vigência por tempo certo, motivo pelo qual a tramitação do projetado lei orçamentária anual é submetida a um processo legislativo próprio com prazo predefinido para deliberação.

De fato, a proposta orçamentária deve ser remetida pelo Executivo ao Congresso Nacional até o dia 22 de agosto de cada ano e devolvida para sanção até 22 de dezembro, conforme se depreende do inciso III, do § 2º, do art. 35 do ADCT c.c o art. 57 da CF. A PEC sob comento torna isso claro mediante nova redação conferida ao § 6º, do art. 166 da CF.

O princípio da legalidade das despesas públicas

A execução do orçamento anual é submetida ao princípio da legalidade das despesas à medida que nada pode ser pago sem prévia autorização orçamentária. Todo e qualquer gasto do poder público há de ser feito pelo regime da despesa pública que exige dotação orçamentária específica para cada tipo de despesa, por meio de “elementos de despesa” a fim de possibilitar a fiscalização e o controle da execução orçamentária pelos três mecanismos previstos na Constituição Federal: o controle interno; o controle externo; e o controle social ou popular.

Esgotada a verba na respectiva dotação cabe ao Executivo solicitar autorização legislativa para abertura de crédito adicional suplementar. Havendo necessidade de realização de despesa pública, não contemplada no orçamento em curso, cabe ao Executivo obter autorização do Poder Legislativo para a abertura de crédito adicional especial. É o princípio da fixação de despesas públicas. Tudo há de ser gasto nos exatos limites dos créditos orçamentários ou créditos adicionais suplementares ou adicionais. É o princípio da vedação de concessão e créditos ilimitados.

Em havendo necessidade de despesas imprevisíveis não detectadas por ocasião da elaboração de proposta orçamentária, como por exemplo, gastos com a mobilização das Forças Armadas em face da iminência de guerra externa, o Executivo deve solicitar ao Legislativo a abertura de crédito extraordinário, o que se dá normalmente pela utilização de recursos provenientes de empréstimos compulsórios, ou de impostos extraordinários que deverão ser suprimidos gradualmente, cessadas as causas de sua criação.

Portanto, nada pode ser gasto a título de despesa pública sem prévia inclusão orçamentária.

Contudo, é importante deixar claro que execução de despesa peviamente autorizada pelo Legislativo não significa obrigatoriedade de o Executivo exaurir a verba orçamentária prevista nas diferentes dotações. Isso vai depender da correta e adequada formulação do plano de ação governamental traduzido na lei orçamentária anual.

As costumeiras diferenças enormes entre o orçado e o efetivamente executado só pode revelar a incapacidade do governo em planejar a atividade estatal implicando a necessidade de remanejamento de verbas consignadas no orçamento ou desvio de verbas públicas, descambando para o campo das sanções de natureza política, administrativa e penal.

Nenhum dos três setores criticados pela sociedade – saúde, educação e transportes – tiveram a totalidade das verbas orçamentárias efetivamente aplicadas. Os gastos efetivos nesses setores foram, respectivamente, de 39,3%, 61,3% e 60,5% das verbas consignadas na lei orçamentária anual de 2012. [3]

Por isso, o desvio dos recursos provenientes de royalties do petróleo, indiscutivelmente pertencentes a Estados e Municípios produtores que já perderam o ICMS (art. 155, § 2º, IX, b da CF) para o setor de educação, não surtirá o efeito desejado. O problema não é da falta de recursos financeiros, mas de efetivo emprego desses recursos segundo a lei orçamentária sob execução.

O orçamento autorizativo apresenta esse aspecto negativo que permite burla ao princípio da legalidade das despesas, o qual representa a exteriorização da vontade popular no direcionamento das despesas públicas, por meio de representantes legitimamente eleitos.

Sabe-se que quando o Parlamento aprova a lei orçamentária anual está aprovando em bloco as despesas públicas direcionadas para diferentes finalidades refletidas nas várias dotações orçamentárias. É o princípio da prévia aprovação de despesa pública que surgiu como corolário do princípio da prévia aprovação de receitas públicas derivadas (princípio da legalidade tributária).

Em que pese as considerações em torno do orçamento-programa, o orçamento anual que resulta dos dispositivos constitucionais vigentes não é impositivo. O exaurimento das despesas fixadas não é obrigatório. O próprio art. 167, IV da CF é indicativo de que a Carta Magna adotou a modalidade de orçamento autorizativo. E mais, o art. 169 da CF flexibiliza as despesas com pessoal de acordo com o comportamento da receita, nos termos definidos em lei complementar. Como se sabe, a LRF em seu art. 19 fixou os limites de despesas com a folha para os três entes políticos em termos de percentuais sobre a receita corrente líquida, e no artigo seguinte fixou os limites por Poder. Nos artigos 22 e 23 estabeleceu mecanismos de verificação e controle periódico desses limites apontando providências para o seu exato cumprimento. Dependendo do comportamento da receita o montante da verba fixada a título de despesas com a folha não poderá ser esgotada.

Não bastasse isso tornou-se uma rotina, com base no art. 167, VI da CF, o remanejamento[4], a transposição[5] e a transferência[6] de recursos por meio de abertura de créditos adicionais suplementares ou especiais mediante anulação parcial de dotações, sinalizando mudança de vontade do Poder Público na eleição de prioridades. Leis orçamentárias anuais de diversos entes políticos já contêm uma autorização genérica para remanejar as verbas de todas as dotações até um limite percentual predefinido. Essa autorização genérica é outorgada ao Executivo com amparo no art. 66 da Lei nº 4.320/64, de discutível constitucionalidade, tendo em vista que a Constituição exige autorização legislativa específica para cada caso concreto.

E mais, a abertura de créditos extraordinários por meio de medidas provisórias continua sendo feita para custear despesas que nada têm de urgentes e imprevisíveis, ignorando-se o disposto no § 3º, do art. 167 da CF e as decisões proferidas pelo STF condenando tais expedientes. A imprevisibilidade não se confunde com a não inclusão orçamentária, hipótese de abertura de crédito adicional especial. O que é pior, algumas dessas medidas provisórias, como a que se converteu na Lei nº 12.861 de 14-8-2013, que abriu um crédito adicional extraordinário de 3.926.200.000,00 (três bilhões, novecentos e vinte e seis milhões e duzentos mil reais) a favor dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Defesa e da Integração Nacional, sequer aponta a respectiva fonte de custeio. É o caso de aplicação do art. 85, VI da CF que considera como crime de responsabilidade o atentado à lei orçamentária. O esquecimento dessa norma constitucional é prova suficiente de que vige entre nós a cultura do total desprezo ao orçamento que, na realidade, é instrumento do exercício de cidadania.

Por tudo isso entendemos que somente uma alteração constitucional como a preconizada pela PEC sob comento terá o condão de conferir caráter impositivo ao orçamento anual.

Orçamento impositivo

Como consequência da quebra de compromisso entre o Executivo e o Legislativo, consistente no contingenciamento de verbas orçamentárias oriundas de emendas parlamentares, estes passaram a discutir a velha Proposta de Emenda Constitucional de nº 565/06 que substitui o orçamento autorizativo pelo orçamento impositivo.

Esclareça-se, por oportuno, que o tratamento discriminatório dispensado às despesas oriundas de emendas parlamentares, frutos de ajustes de vontades entre os dois Poderes, além de representar quebra de compromisso, não encontra respaldo nas normas orçamentárias. Presumem-se úteis ou necessárias todas as despesas públicas consignadas na lei orçamentária anual. O que é inútil ou desnecessário não deve constar do orçamento. Consoante escrevemos “a despesa pública há de corresponder, invariavelmente, a um dispêndio relacionado com uma finalidade de interesse público que é aquele interesse coletivo, encampado pelo Estado.” [7]

Mas, não é só. Os chamados cortes orçamentários têm recaído sobre as generalidades das dotações no início de cada ano como que aparentando um freio nas despesas públicas.

Ora, isso é um equívoco. Os serviços públicos são ininterruptos em quantidade e qualidade, o que pressupõe, também, a continuidade das obras públicas, exceto aquelas de natureza ornamental.

Tanto é assim que os recursos financeiros pertencentes ao Legislativo, ao Judiciário e ao Ministério Público devem ser entregues até o dia 20 de cada mês em duodécimos (art. 168 da CF). Da mesma forma, não deve o Executivo abrir mão de duodécimos. As necessidades da sociedade em função das quais foi elaborado o orçamento anual são contínuas.

Exatamente por ser contínua a execução orçamentária que a Constituição Federal determina em seu art. 162 que as entidades políticas divulguem até o dia último do mês subsequente ao da arrecadação os montantes de cada um dos tributos arrecadados. Por sua vez, o § 3º, do art. 165 da CF prescreve a obrigatoriedade de o Executivo publicar até trinta dias após o encerramento do bimestre o relatório resumido da execução orçamentária, isto é, a discriminação da receita realizada e a especificação das despesas feitas.

Resta claro que a economia de despesas públicas há de ser levada em conta por ocasião da elaboração da proposta orçamentária, direcionando os gastos públicos de acordo com as prioridades eleitas. Mas, não é isso que vem acontecendo. Uma vez aprovado o sancionado o projeto de lei orçamentária anual o governo vem redirecionando os recursos correspondentes às dotações orçamentárias de setores prioritários como os da saúde, transporte e educação.

Com a aprovação do orçamento impositivo essa discricionariedade do Executivo de gastar quando e onde lhe aprouver ficará impossível juridicamente. Isso não significa dizer que o orçamento autorizativo permite sua execução às avessas. Muitas vezes a realidade não coincide com a situação considerada no plano de ação do governo, impondo o redirecionamento das verbas orçamentárias.

Examinemos os termos do art. 165-A da CF que prevê a instituição do orçamento impositivo:

“Art. 165-A. A programação constante da lei orçamentária anual é de execução obrigatória, salvo se aprovada, pelo Congresso Nacional, solicitação, de iniciativa exclusiva do Presidente da República, para cancelamento ou contingenciamento, total ou parcial, de dotação.

§ 1º A solicitação de que trata o caput deste artigo somente poderá ser formulada até cento e vinte dias antes do encerramento da sessão legislativa e será acompanhada de pormenorizada justificativa das razões de natureza técnica, econômico-financeira, operacional ou jurídica, que impossibilitem a execução.

§ 2º A solicitação poderá, ainda, ser formulada a qualquer tempo, nas situações que afetem negativamente a arrecadação da receita, de calamidade pública de grandes proporções, ou ainda nas previstas no art. 137, inciso II.

§ 3º Em qualquer das hipóteses, as solicitações tramitarão no Congresso Nacional em regime de urgência.

§ 4º Não havendo deliberação do Congresso Nacional, no prazo de trinta dias, a solicitação será considerada aprovada.

§ 5º A não execução de programação orçamentária, nas condições previstas neste artigo, implica crime de responsabilidade.

§ 6º Do projeto de lei orçamentária anual, bem como do autógrafo encaminhado para sanção do Presidente da República, não constarão receitas cujas leis que as autorizem tenham o início de vigência posterior à data prevista no inciso III do § 6º do art. 166.”

Como se vê, a programação orçamentária é de execução compulsória. Porém, essa obrigatoriedade sofre flexibilização. O Congresso Nacional poderá aprovar solicitação do Presidente da República, para cancelamento ou contingenciamento total ou parcial da dotação. Admite, pois a adequação do orçamento à realidade social vigente.

Todavia, essa solicitação exclusiva do Chefe do Poder Executivo somente deverá ser formulada dentro das regras preestabelecidas nos parágrafos 1º e 2º e terão a tramitação previstos nos parágrafos 3º e 4º.

Para dar efetividade ao orçamento anual o § 5º capitula como crime de responsabilidade a não execução da programação orçamentária nas condições previstas no artigo sob comento. É oportuno lembrar que o art. 85, inciso VI da CF, que considera como crime de responsabilidade o atentado contra as normas orçamentárias, jamais foi aplicado.

Finalmente, o § 6º prescreve que no projeto de lei orçamentária anual, bem como do autógrafo encaminhado à sanção do Executivo, não constarão receitas cujas leis que as autorizem tenham início de vigência posterior a 31 de maio de cada ano, data limite para o envio da proposta orçamentária ao Congresso Nacional pelo Presidente da República. [8]

Se de um lado o orçamento impositivo confere grau de seriedade na execução orçamentária, deixando de ser o orçamento anual uma peça de ficção, a sua elaboração não poderá ser feita sem o prévio conhecimento profundo da realidade do País como um todo. Existem enormes disparidades regionais em termos econômicos e sociais. Não é por outra razão que § 7º, do art. 165 da CF determina que o orçamento fiscal da União e o orçamento de investimento das empresas estatais guardem compatibilidade com o plano plurianual com funções prioritárias de reduzir as desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional.

A elaboração de proposta orçamentária requer conhecimento detalhado da realidade social do País, capacidade técnica e muita sensibilidade para eleger as prioridades. Sabemos que as necessidades da sociedade nas diferentes regiões do País são variáveis e infinitamente maiores do que as reais possibilidades de transferência de recursos financeiros do setor privado para o público. Por outro lado, as operações de crédito sofrem limitações constitucionais e aquelas decorrentes da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Nesse modelo de orçamento impositivo se não houver visão de um estadista na elaboração da programação orçamentária a solicitação de alteração das dotações orçamentárias, que é uma exceção, poderá tornar-se uma rotina cansativa.

Outrossim, a ideia que norteia a elaboração de orçamento impositivo torna absolutamente incompatível o costumeiro procedimento de inserir na LDO a autorização parcial da programação orçamentária, sob condições aí fixadas, até a final aprovação do projeto de lei orçamentária anual e sua remessa à sanção presidencial. Aliás, mesmo no modelo de orçamento autorizativo vigente tal expediente revela-se inconstitucional, por partir do pressuposto de que o projeto de lei orçamentária anual não será deliberado dentro do prazo constitucional.

Por derradeiro, o art. 165-A da CF que introduz o orçamento impositivo, somente será cumprido nas condições fixadas em lei complementar a ser editada no prazo de 120 (cento e vinte) dias a contar da promulgação desta Emenda.

Pode ser que essa lei complementar nunca venha a ser editada, a exemplo de inúmeros outras referidas na Constituição Federal.

Como dissemos no início, essa proposta de emenda constitucional saiu da gaveta do Parlamento após desentendimento em torno da liberação de recursos financeiros correspondentes as verbas resultantes de emendas apresentadas pelos parlamentares. Essas verbas que podem ter resultado, inclusive, de mensagens aditivas propondo modificações nas programações orçamentárias com base no § 5º, do art. 166 da CF, não poderiam merecer tratamento discriminatório pelo Executivo. Afinal, o Parlamento é o eco de ressonância da vontade popular, à medida que representa os contribuintes no direcionamento do produto da arrecadação tributária.

Referências bibliográficas

DALLARI, Adilson Abreu. Orçamento impositivo in Orçamentos públicos e direito financeiro, obra coletiva sob coordenação de José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.

[1] Orçamento impositivo, in Orçamentos públicos e direito financeiro, obra coletiva sob coordenação de José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 325.

[2] ADI nº 2.925, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 4-3-2005.

[3] Fonte: O Estado de São Paulo, 2-7-2013, p.A6.

[4] Realocação de recursos de um órgão para outro.

[5] Realocação de recursos no âmbito dos programas de trabalho dentro do mesmo órgão.

[6] Realocação de recursos entre categorias econômicas de despesas dentro do mesmo órgão e mesmo programa de trabalho.

[7] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 22ª Ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.22

[8] O inciso III, do § 6º do art. 166 da CF na redação da PEC nº 565/06 determina o envio do projeto de lei orçamentária anual até sete meses antes do encerramento do exercício financeiro para sua devolução para sanção presidencial até o encerramento da sessão legislativa (22 de dezembro).

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