Os créditos do PIS/COFINS e o coneito de insumo

O regime não acumulativo do PIS/COFINS na legislação ordinária foi estabelecido após o advento da EC nº 42, de 19 de dezembro de 2003, que introduziu o § 12, ao art. 195 da Constituição Federal. Desde então, os contribuintes se veem sendo coagidos pela voracidade do fisco federal que a cada momento vem opondo restrições ao direito de crédito para apuração o montante da contribuição social devido. Não bastassem as restrições contidas nas Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 instrumentos normativos de menor hierarquia, como Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil veem criando empecilhos à dedução de créditos, reduzindo cada vez mais o alcance e o conteúdo dos insumos. Tamanha a frequência dessas Instruções Normativas que tem-se a impressão de que elas estão sendo utilizadas como meios para suprir os déficits momentâneos de caixa.

Esclareça-se, desde logo, que quando o § 12, do art.195 da CF determina que o legislador ordinário defina os setores da atividade econômica a serem tributados pelo PIS/COFINS de forma não cumulativa, está ordenando a desoneração tributária de todos aqueles setores da atividade econômica passiveis de tributação em cascata, em razão de várias etapas no ciclo de operações com produtos e serviços, desde a fonte produtora até o consumidor final. Eleger o regime de tributação não cumulativa das contribuições sociais em função do regime de tributação pelo imposto de renda adotado pela pessoa jurídica, como fez o legislador ordinário não tem amparo constitucional. A Constituição Federal manda o legislador ordinário adotar o critério setorial com o manifesto propósito de desonerar a carga tributária dos setores da atividade econômica sujeitas à incidência em cascata.

Resta implícito a determinação constitucional de deduzir da base de cálculo dessas contribuições[1] todos os valores pertinentes a insumos. Pela legislação ordinária, esse resultado não cumulativo é alcançado pela compensação de créditos apurados pela incidência de alíquotas de 1,65% ou 7,60% conforme o caso, sobre os valores dos insumos, produzindo idêntico resultado da dedução da base de cálculo na forma retroapontada.

Por isso, a enumeração de créditos a serem descontados, prevista no art. 3º da Lei nº 10.637/02 em relação ao PIS e no art. 3º da Lei nº 10.833/03 em relação a COFINS, deve ser entendida como sendo meramente exemplificativa. A lei não pode impor limites à dedução de créditos decorrentes de despesas efetuadas pela pessoa jurídica no exercício de sua atividade-fim.

Tudo que a pessoa jurídica despender para obtenção de sua receita bruta deve ficar a salvo da tributação pelo PIS/COFINS porque representativo de despesa inerente ao desempenho da atividade fim da empresa. Essas despesas necessárias à obtenção da receita bruta constituem insumos. Os créditos deles decorrentes podem e devem ser apropriados pelo contribuinte para fins de compensação com o montante da contribuição social apurado pela aplicação da alíquota respectiva sobre a base de cálculo que é a receita bruta. Da mesma forma, a apuração dos créditos a serem compensados se faz mediante aplicação das respectivas alíquotas, 1,65 % ou 7,60%, conforme de trata de PIS ou de COFINS, sobre os valores dos insumos.

A incompreensão dessa premissa, bem como a ausência de definição exata do que sejam insumos, para fins específicos do PIS/COFINS não acumulativo, está gerando uma demanda judicial e extrajudicial aparentemente sem fim. A cada dia surge uma nova discussão: dedução das despesas com o consumo de energia elétrica, com os cartões de crédito/débito, com o ativo imobilizado etc.

Em recente julgado, a Segunda Turma do STF decidiu em grau de Agravo Regimental no Recurso Extraordinário pela inclusão das taxas e comissões pagas às administradoras de cartão de crédito e de débito na base de cálculo do PIS/COFINS, conforme ementa abaixo:

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. EXCLUSÃO DA BASE DECÁLCULO. TAXAS E COMISSÕES PAGAS ÀS ADMINISTRADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO E DE DÉBITO. RECEITA BRUTA E FATURAMENTO. TOTALIDADE DOS VALORES AUFERIDOS COM A VENDA DE MERCADORIAS, DE SERVIÇOS OU DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I – Para fins de definição da base de cálculo para a incidência da contribuição ao PIS e da COFINS, a receita bruta e o faturamento são termos sinônimos e consistem na totalidade das receitas auferidas com a venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços, ou seja, é a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais. Precedentes.

II – Agravo regimental a que se nega provimento.” (Ag.Reg. no RE nº 816.363 – SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 14-8-2014).

Do exame da matéria ementada com as conclusões expostas nos itens I e II verifica-se, salvo engano, que não se discutiu a questão da compensação de créditos gerados por insumos, mas a ocorrência do fato gerador do PIS/COFINS que de fato é o faturamento mensal, assim entendido a totalidade das receitas brutas auferidas pela pessoa jurídica no exercício da atividade empresarial. Nesse sentido, “faturamento” e “receitas brutas” são termos sinônimos como proclamado pela Corte Suprema. Porém, uma coisa é a configuração da situação fática que faz nascer a obrigação tributária (fato gerador concreto) e outra coisa bem diversa é a situação fática configuradora do direito à compensação do crédito decorrente das despesas feitas pela empresa para gerar a receita bruta. No julgamento do STF retromencionado, apesar de o Acórdão reconhecer que as despesas pagas pelo contribuinte à operadora de cartões de crédito/débito compõem o custo operacional da atividade empresaria, não se adentrou no exame da questão do crédito a ser compensado. Não temos elementos para saber se a omissão é da inicial ou do Acórdão. O certo é que o fato gerador a contribuição social não se confunde com o fato gerador do crédito da contribuição social.

Ocorrido o fato gerador do tributo impõe-se a apuração da contribuição social pela aplicação da alíquota sobre a base de cálculo representada pelo valor da receita bruta. Ao depois, em respeito do princípio da não cumulatividade, ou simplesmente regime não cumulativo procede-se a dedução do crédito calculado sobre o valor das despesas incorridas no mês da apuração para auferir a receita bruta. Do contrário, o regime deixará de ser não cumulativo. Na modalidade de contribuição social não cumulativa não há, nem pode haver faculdade do legislador infraconstitucional de criar restrições ao aproveitamento do crédito, muito menos a faculdade de a RFB flexibilizar essa não cumulatividade por meio de Instruções Normativas ou por meio de Soluções de Consultas.

A questão se resume, portanto, na definição do que seja insumo.

O fisco federal apega-se ao conceito tradicional de insumo adotado pela doutrina, utilizado no âmbito do IPI/ICMS que abrange tanto o produto consumido no processo de industrialização, isto é, produto secundário, quanto o produto intermediário que compõe ou integra a estrutura físico-química do novo produto, como dobradiças, na marcenaria, ou pneumáticos, na indústria automobilística.

De fato, na doutrina de Aliomar Baleeiro, aceita pela generalidade dos autores, os produtos secundários e os produtos intermediários são considerados insumos definidos da seguinte forma:

“é uma algaravia de origem espanhola, inexistente em português, empregada por alguns economistas para traduzir a expressão inglesa ‘input’, isto é, o conjunto dos fatores produtivos, como matérias-primas, energia, trabalho, amortização do capital, etc., empregados pelo empresário para produzir o ‘output’ ou o produto final. (…). “Insumos são os ingredientes da produção, mas há quem limite a palavra aos ‘produtos intermediários’ que, não sendo matérias-primas, são empregados ou se consomem no processo de produção” (Direito Tributário Brasileiro, Forense Rio de Janeiro, 1980, 9ª edição, pág. 214).

Claro está que esse conceito não é válido para fins de dedução de créditos na apuração do montante devido da contribuição não cumulativa do PIS/COFINS. O conceito de insumo está ligado à ideia de despesa necessária à produção ou à circulação de bens e serviços.

Na ADI nº 4389 em que se discutiu a incidência do ISS ou do ICMS sobre as embalagens personalizadas, o STF acatou o entendimento que consagra a incidência apenas do ICMS na “industrialização por encomenda de embalagens, destinadas a integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria.” [2]

Justificando a inovação conceitual o ínclito Ministro Relator observou que, “a evolução social, técnica e científica tende a tornar obsoletos conceitos há muito tidos como absolutos,… o que provoca um verdadeiro desafio ao legislador e ao Judiciário, na medida em que exigem novos paradigmas para calibrar a carga tributária de acordo com a expressão econômica das atividades, sem serem dissipadas ou exasperadas por puros formalismos”.

Assim, surgiu novo conceito de insumo enquanto material indispensável à circulação de mercadoria.

De fato, existem determinados produtos, como sabão em pó, pasta dental, remédios etc. que só podem circular se embalados. Não é evidentemente o caso das embalagens personalizadas utilizadas em supermercados, cujos produtos podem circular independentemente dessas “sacolas plásticas personalizadas [3] fornecidas por aqueles estabelecimentos.

Considerando essa nova ótica e incorporando os modernos processos tecnológicos que integram o atual sistema de industrialização e circulação de bens e serviços, conclui-se que o conceito de insumo está intimamente ligado às despesas pagas pela pessoa jurídica e que compõem o custo operacional inerente à atividade fim desenvolvida pela empresa que irá propiciar a receita bruta, base de cálculo do PIS/COFINS não cumulativo. Nesse sentido é a doutrina de Paulo Ayres Barreto para quem “o conceito de insumos para os fins e efeitos da contribuição ao PIS e da COFINS deve se aproximar do conceito de custos e despesas operacionais para os fins e efeitos do imposto sobre a renda, previstos nos artigos 290 e 299, ambos do Regulamento do imposto sobre a Renda IRIR/99.” [4]Sobre os valores dessas despesas representativas de insumo devem-se calcular os créditos a serem compensados, mediante a aplicação de alíquota respectiva. No caso de despesas feitas com operadoras de cartões de crédito/débito, neste mundo globalizado em que o uso da moeda ou do cheque tornou-se algo obsoleto, elas tornaram-se despesas inerentes à atividade fim das empresas em geral integrando-se ao custo operacional da produção e circulação de mercadorias e serviços.

Esse regime não cumulativo, tal como expresso no § 12, do art. 195 da CF não permite que o legislador ordinário estabeleça à sua discrição um regime semi cumulativo. Só a Constituição poderia estabelecer exceções a exemplo do que fez com o ICMS em que nas hipóteses de não incidência e isenção do imposto não haverá direito à compensação do imposto cobrado na operação anterior, impondo-se a anulação do crédito relativo às operações anteriores, salvo determinação em contrário da legislação (art. 155, § 2º, II da CF).

Assim, são solarmente inconstitucionais as Instruções Normativas ns. 247/2002 e 464/2004 que definem o que são insumos para efeito de dedução de créditos do PIS e da COFINS, respectivamente.

Instrumentos normativos que copiam o conceito de insumos utilizado para o IPI e condenados pelo próprio órgão julgador de cúpula do Ministério da Fazenda – CARF – são absolutamente inaplicáveis em relação a PIS/COFINS não cumulativo, cujo fato gerador não se limita ao faturamento decorrente de saída de produto industrializado. Como se diz na linguagem doutrinária corrente, a materialidade das contribuições sociais da espécie é diferente da materialidade do IPI.

Portanto, corretas as posições doutrinários e jurisprudenciais que adotam a tese de que todas as despesas realizadas e necessárias à obtenção da receita bruta devem ensejar créditos a serem deduzidos do montante do PIS/COFINS calculado sobre o valor da receita bruta. Em outras palavras, as deduções previstas no art. 3º da Lei nº 10.637/02 e da Lei nº 10.833/03 têm caráter meramente exemplificativo.

Mas, essa questão só será pacificada com a final manifestação do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE nº 790928 com Agravo, onde se reconheceu a existência de repercussão geral, quando será definido o alcance e conteúdo dos insumos que dão margem ao crédito do PIS/COFINS conforme ementa abaixo:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. ART. 195, § 12, CF/88. PIS. COFINS. ARTIGO 3º, NOTADAMENTE INCISO II E §§ 1º E 2º, DAS LEIS Nºs 10.833/2003, 10.637/2002. ARTIGO 31, § 3º, DA LEI Nº 10.865/2004. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.” (Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº 790.928/Pernambuco. Relator Min. Luiz Fux, j. 15-8-2014, DJe de 4-9-2014).

O Colendo Supremo Tribunal Federal sinaliza o caráter enumerativo das hipóteses legais de dedução de créditos previstas na legislação ordinária, considerando que a não cumulatividade dessas contribuições sociais representa mera técnica de tributação.

SP, 11-5-15.

Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Site: www.haradaadvogados.com.br



[1] Faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

[2] ADI nº 4389-DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Dje de 25-5-2011.

[3] Essas embalagens personalizadas têm o objetivo de propaganda do estabelecimento vendedor.

[4] In Direito financeiro, econômico e tributário, Homenagem a Regis Fernandes de Oliveira, obra coletiva, coord. Estevão Horvath, Jose Mauricio Conti e Fernando Facury Scaff. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 701.

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