Parecer Jurídico: Pagamento de despesas do exercício anterior

Sumário: 1 Consulta. 2 Parecer. 2.1 Introdução 2.2 Da aplicação do art. 37 da Lei nº 4.320/64. 2.3 Dos pareceres de diferentes Tribunais de Contas pela aplicação do art. 37 da Lei nº 4.320/64 e de suas normas regulamentadoras, respondendo às consultas formuladas pelos entes interessados. 2.4 Dos princípios da moralidade e da razoabilidade. 2.5 Do pagamento dos créditos do consulente a título de ressarcimento. 2.6 Conclusões.

 

1 – CONSULTA

O consulente esclarece que prestou serviços ao Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo – DER/SP – nos anos de 2006 e 2007. Feitas as medições dos serviços executados programou-se os pagamentos para os meses de novembro e dezembro/2006, janeiro/2007 e fevereiro/2007 no montante de R$ 69.379.387,72, tudo de conformidade com as planilhas que me foram apresentadas.

Esclarece o consulente que não houve prévio empenho dessas despesas, por não ter havido suplementação de verba na dotação específica, solicitada tempestivamente, no ano de 2006, pela unidade orçamentária competente.  Por isso, está tendo problemas de natureza jurídico-orçamentária para o recebimento de seu crédito.

Assevera que a atual administração mudou de orientação e não está mais procedendo aos pagamentos de despesas de anos anteriores mediante utilização de recursos do exercício sob a rubrica “Despesas de Exercícios Anteriores”, independentemente, de verificação da existência ou não de disponibilidade de caixa no exercício findo.  Nas administrações passadas, as despesas da espécie vinham sendo pagas com base no art. 37 da Lei nº 4.320/64 e art. 1º, parágrafo único, inciso III do Decreto nº 62.115/68.

Indaga quanto ao procedimento correto a ser observado para percepção dos créditos a que tem direito o consulente, uma vez que o DER reconhece a execução dos serviços contratados, tendo feito inspeção in loco.

 

2 – PARECER

2.1 Introdução

As normas gerais de Direito Financeiro previstas na LC nº 101/00 e na Lei nº 4.320/64 são de aplicação cogente nas três esferas políticas. Cabe a cada ente político elaborar as leis orçamentárias próprias, porém, em perfeita harmonia com os preceitos da legislação nacional, bem como com observância dos dispositivos constitucionais pertinentes.

A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal previa em seu art. 41 o pagamento das despesas de exercícios anteriores a título de “Restos a Pagar” nos seguintes termos:

 

“Art. 41. Observados os limites globais de empenho e movimentação financeira, serão inscritas em Restos a Pagar:

I – as despesas legalmente empenhadas e liquidadas, mas não pagas no exercício;

II – as despesas empenhadas e não liquidadas que correspondam a compromissos efetivamente assumidos em virtude de:

  1. normas legais e contratos administrativos;
  2. convênio, ajuste, acordo ou congênere, com outro ente da Federação, já assinado, publicado e em andamento.
  • 1º Considera-se em andamento o convênio, ajuste, acordo ou congênere cujo objeto esteja sendo alcançado no todo ou em parte.
  • 2º Após deduzido de suas disponibilidades de caixa o montante das inscrições realizadas na forma dos incisos I e II do caput, o Poder ou órgão referidos no art. 20 poderá inscrever as demais despesas empenhadas, até o limite do saldo remanescente.
  • 3º Os empenhos não liquidados e não inscritos serão cancelados”.

 

Esse dispositivo, entretanto, foi vetado pelo Executivo no pressuposto de que permitiria a expansão de Restos a Pagar e o conseqüente crescimento da dívida pública:

 

Razões do veto: “A exemplo de vários outros limites e restrições contidos no projeto de lei complementar, o sentido original da introdução de uma regra para Restos a Pagar era promover o equilíbrio entre as aspirações da sociedade e os recursos que essa coloca à disposição do governo, evitando déficits imoderados e reiterados. Neste intuito, os Restos a Pagar deveriam ficar limitados às disponibilidades de caixa como forma de não transferir despesa de um exercício para outro sem a correspondente fonte de despesas. A redação final do dispositivo, no entanto, não manteve esse sentido original que se assentava na restrição básica de contrapartida entre a disponibilidade financeira e a autorização orçamentária. O dispositivo permite, primeiro, inscrever em Restos a Pagar várias despesas para apenas depois, condicionar a inscrição das demais à existência de recursos em caixa. Tal prática fere o princípio do equilíbrio fiscal, pois faz com que sejam assumidos compromissos sem a disponibilidade financeira necessária para salda-los, cria transtornos para a execução do orçamento e, finalmente, ocasiona o crescimento de Restos a Pagar que equivale, em termos financeiros, a crescimento de dívida pública. Assim, sugere-se oposição de veto a este dispositivo, por ser contrário ao interesse público”.

 

Na verdade, o dispositivo vetado comportava outra leitura, por meio de uma interpretação sistemática. O art. 41 permitia a inscrição em Restos a Pagar, independentemente de liquidação da despesa, desde que houvesse disponibilidade de caixa, bem como de outras despesas sem disponibilidade de caixa até o limite do montante previsto na Reserva de Contingência.

 

2.2 Da aplicação do art. 37 da Lei nº 4.320/64

Com o veto aposto ao art. 41 da Lei de Responsabilidade Fiscal, continuam em vigor as disposições da Lei nº 4.320/64 aplicáveis à matéria sob consulta.

 

Dispõe o art. 37 da Lei nº 4.320/64:

“Art. 37. As despesas de exercícios encerrados, para os quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida sempre que possível, a ordem cronológica”.

No caso sob consulta, não houve empenho para pagamentos das despesas, por esgotamento de verbas na dotação própria, que não foi suplementada, apesar de requerida a abertura de crédito adicional suplementar pela autoridade orçamentária competente. Tampouco, cuida-se de Restos a Pagar com prescrição interrompida.

Entretanto, o citado art. 37, independentemente, da existência de dotação orçamentária própria, ou da existência de dotação com saldo insuficiente no exercício passado, permite o pagamento pela utilização da dotação a título de “Despesas de Exercícios Anteriores”, como que suprindo as eventuais omissões das unidades orçamentárias, a fim de resguardar o direito e a boa fé dos eventuais credores, que não poderiam ser penalizados por atos ou omissões de que não foram responsáveis.

Portanto, a ausência de crédito próprio, para atender as despesas aqui versadas, ou a falta de seu processamento em época própria (empenho), ou ainda, a falta de inscrição em Restos a Pagar, não são impeditivas do adimplemento da obrigação pelo Poder Público, podendo e devendo extinguir as despesas do exercício anterior, mediante utilização de dotação específica do exercício corrente, discriminada por elementos (despesas com pessoal, material, serviços, obras e outros), respeitada a ordem cronológica, isto é, preferência ao fornecedor de material ou prestador de serviço com a conta mais antiga.

O art. 37 sob comento foi regulamentado pelo Decreto Federal de nº 62.115, de 12 de janeiro de 1968, nos seguintes termos:

“Art. 1º – Poderão ser pagas por dotação para ‘despesas de exercícios anteriores’, constantes dos quadros discriminativos de despesas das unidades orçamentárias, as dívidas de exercícios encerrados devidamente reconhecidas pela autoridade competente.

Parágrafo único – As dívidas de que trata este artigo compreendem as seguintes categorias:

I – despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria;

II – despesas de ‘Restos a Pagar’ com prescrição interrompida, desde que o crédito respectivo tenha sido convertido em renda;

III – compromissos reconhecidos pela autoridade competente, ainda que não tenha sido prevista a dotação orçamentária própria ou não tenha esta deixado saldo no exercício respectivo, mas que pudessem ser atendidos em face da legislação vigente.”

Poucos o sabem, mas esse Decreto acha-se revogado e os seus dispositivos foram incorporados no art. 22 e parágrafos do Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986, nos seguintes termos:

“Art. 22. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida, e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente, poderão ser pagos à conta de dotação destinada a atender despesas de exercícios anteriores, respeitada a categoria econômica própria (Lei nº 4.320, art. 37).

  • 1º O reconhecimento da obrigação de pagamento, de que trata este artigo, cabe à autoridade competente para empenhar a despesa.
  • 2º Para os efeitos deste artigo considera-se:
  1. a) despesas que não se tenham processado na época própria, aquelas cujo empenho tenha sido considerado insubsistente e anulado no encerramento do exercício correspondente, mas que, dentro do prazo estabelecido, o credor tenha cumprido a sua obrigação;
  2. b) restos a pagar com prescrição interrompida, a despesa cuja inscrição como restos a pagar tenha sido cancelada, mas vigente o direito do credor;
  3. c) compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício, a obrigação de pagamento criada em virtude de lei, mas somente reconhecido o direito do reclamante após o encerramento do exercício correspondente.”

 

O caso sob consulta não tem enquadramento nas letras ‘a’ e ‘b’, do § 2º, do art. 22 do Decreto nº 93.872/86, correspondentes aos incisos I e II, do parágrafo único, do art. 1º do revogado Decreto nº 62.115/68, porque estava esgotada a verba própria no exercício de 2006, sem suplementação, apesar da existência, na época, de fontes suficientes para abertura de crédito adicional suplementar, conforme pode ser constatado do simples exame ocular do Balanço do Governo do Estado de São Paulo, encerrado em 31-12-2006, onde está apontada a disponibilidade de caixa no valor de 5.952.337.008,34 (disponível em 10-10-2007 no site www.fazenda.sp.gov.br/balanco/2006/2006index.asp).

Contudo, tem pleno amparo na letra ‘c’ do citado § 2º, que corresponde ao inciso III, do parágrafo único do Decreto regulamentar revogado, que sequer exige a existência de dotação própria, muito menos saldo nessa dotação, bastando que aquelas despesas sejam reconhecidas pela autoridade competente, no caso, pelo Sr. Superintendente do DER ou autoridade delegada, nos termos do § 1º do Decreto em tela.

 

Nesse sentido a orientação do SELEG/CONOR/AUDIN:

‘Referência : Ofício/COAD/nº 06/2001-PR/AC (Prot. AUDIN nº 2001/666)
Assunto: Despesas de exercícios anteriores/pagamento/ procedimento

Interessado: Procuradoria da República no Estado do Acre

 

O Coordenador de Administração da PR/AC informa que houve imprecisões nos procedimentos de análise e ajuste dos saldos de empenho para fins de inscrição em Restos a Pagar e encaminha a seguinte consulta:

“Mais especificamente, os lapsos verificados foram em desfavor de dois de nossos prestadores de serviços, a saber: TELEACRE CELULAR e EMBRATEL. A primeira empresa restou prejudicada em virtude de, a pedido da Administração, ter informado, em meados de dezembro, um valor estimativo para as despesas de telefone naquele mês, valor esse que se mostrou insuficiente quando em confronto com as faturas apresentadas no início de janeiro, estando a descoberto daquele mês despesas que alcançam o valor de R$ 290,81(duzentos e noventa reais e oitenta e um centavos).

Quanto ao segundo caso, a empresa EMBRATEL não apresentou nenhuma estimativa para o mês de dezembro, deixando assim para fazer aa cobrança – como, aliás, lhe é de todo o direito – somente após o término do exercício financeiro e do fechamento do faturamento do mês em causa. Ocorre que, por um lapso, não deixamos nenhum saldo empenhado para fazer frente a essas despesas, ficando destarte um débito daquela competência no valor de R$ 254,04 (duzentos e cinqüenta e quatro reais e quatro centavos).

Assim, considerando que os serviços telefônicos alhures referidos foram de fato prestados em favor desta Unidade ministerial, e tendo em vista que a Secretaria de Planos e Orçamento só pode abrir crédito para Exercícios Anteriores havendo parecer favorável da Auditoria Interna quanto ao pagamento da despesa; e, ainda, para que a PR/AC não reste prejudicada por uma eventual interrupção na prestação dos serviços telefônicos, caso não haja pagamento dos valores devidos, é o presente para solicitar manifestação dessa AUDIN/MPU quanto aos procedimentos a serem adotados pela Administração da Procuradoria da República no Estado do Acre em face de tudo o quanto foi ora expendido.”

Em atenção à consulta, informamos que o pagamento de despesas relativas a exercícios anteriores é regulado pelo art. 37 da Lei nº 4.320/1964 e pelo art. 22 do Decreto nº 93.872/1986, verbis:

“Art 22. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida, e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente, poderão ser pagos à conta de dotação destinada a atender despesas de exercícios anteriores, respeitada a categoria econômica própria (Lei nº 4.320/64, art. 37).

  • 1º O reconhecimento da obrigação de pagamento, de que trata este artigo, cabe à autoridade competente para empenhar a despesa.
  • 2º Para os efeitos deste artigo, considera-se:
  1. a) despesas que não se tenham processado na época própria, aquelas cujo empenho tenha sido considerado insubsistente e anulado no encerramento do exercício correspondente, mas que, dentro do prazo estabelecido, o credor tenha cumprido sua obrigação;
  2. b) restos a pagar com prescrição interrompida, a despesa cuja inscrição como restos a pagar tenha sido cancelada, mas ainda vigente o direito do credor;
  3. c) compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício, a obrigação de pagamento criada em virtude de lei, mas somente reconhecido o direito do reclamante após o encerramento do exercício correspondente.” (Grifos acrescidos).

À luz dos ordenamentos supra, verifica-se que os pagamentos relativos a exercícios anteriores somente podem ser efetuados à conta de dotação específica consignada no orçamento.

Desta forma, em se tratando de obrigação líquida e certa, deverá ser instruído processo específico, com as devidas justificativas, para reconhecimento da dívida pela autoridade competente e posterior pagamento, utilizando-se dos procedimentos contábeis próprios para o caso, previstos no SIAFI.

Na oportunidade, lembramos que as despesas de telefone devem ser convenientemente arroladas e empenhadas por estimativa e incluídas em restos a pagar, por ocasião do encerramento do exercício.

É a orientação.

Brasília, 17 de janeiro de 2001.

Márcio Alves de Andrade

Chefe Substituto

SELEG/CONOR/AUDIN

De acordo.

À Consideração do Senhor Auditor-Chefe.” (disponível em 10-10-2007, no site http://www.audin.mpu.gov.br/audin/boletim_informativo/2001/Jan_01/Mao001-2001.htm)

 

A única condição imposta pelo texto normativo sob exame para o empenho da despesa por conta da dotação referente a “Despesas de Exercícios Anteriores” é o reconhecimento dos compromissos pelo ordenador da despesa, no caso, o senhor Superintendente do DER ou autoridade delegada, reconhecimento esse que implica definir a importância da despesa a ser paga, valendo-se da planilha de medições; a perfeita identificação do credor, no caso, do consulente, a data de vencimento do compromisso; e finalmente, a indicação da causa que motivou a não realização do empenho no exercício próprio. Nada mais é exigido. Onde a dúvida?

Com efeito, não se coloca em dúvida o direito subjetivo material do consulente. As medições foram realizadas de forma regular, com especificação dos períodos a que se referem e discriminação de valores respectivos e de suas datas de vencimentos. Os trechos executados foram verificados in loco, constatando-se a mais perfeita regularidade de sua execução nos termos contratuais, havendo, pois, plena aceitação, pelo Poder Público, das obras executadas.

Só faltou a formalidade do empenho exigido pelo art. 58 da Lei nº 4.320/64, e a liquidação das despesas que, nos termos do art. 63 da mesma lei, consiste na verificação de direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito, no caso, o contrato administrativo celebrado pelo consulente.

O que está acontecendo no caso sob exame é, portanto, mera negligência gerencial do Poder Público, para a qual não concorreu o consulente, terceiro de boa fé, que deu execução ao contrato por ele firmado, à vista da inexistência de determinação em contrário emanada da autoridade administrativa competente.

Por isso, o preceito da letra “c”, do § 2º, do art. 22, do Decreto nº 93.872/86, sob comento, permite ao Poder Público suprir suas eventuais negligências gerenciais, permitindo que se honrem os compromissos assumidos e reconhecidos.

Outrossim, esse preceito tem o sentido de assegurar ao terceiro de boa fé, que executou os serviços nos exatos termos do contrato administrativo, o direito à percepção de seus créditos, mediante a utilização excepcional da dotação orçamentária em curso sob a rubrica “Despesas de Exercícios Anteriores”.

A excepcionalidade desse procedimento, para resguardar o direito do credor de boa fé, repousa exatamente na presunção de cumprimento, pelas autoridades administrativas competentes, das normas orçamentárias em vigor, para pagamento correto e tempestivo das despesas decorrentes de lei ou de contratos regularmente celebrados pela Administração.

Se existe lei ou contrato, geradores de encargos financeiros para o Poder Público, é de sua obrigação proceder a inclusão orçamentária dos recursos financeiros necessários, providenciando-se a abertura de crédito adicional suplementar, tempestivamente, sempre que for necessária. Imagine-se a hipótese de os servidores ficarem sem a percepção de vencimentos, porque houve omissão na suplementação de verba na dotação própria!

Interpretar de forma diversa, seria o mesmo que afirmar que a legislação orçamentária conferiu à Administração Pública um poder discricionário para, mediante uso de condição potestativa, suplementar ou não determinada dotação, objetivando o pagamento de determinada despesa, independentemente, da existência de fontes de custeio daquela despesa.

Sabemos que a despesa pública rege-se pelos rígidos princípios de direito público, afastando-se a dose de subjetivismo do agente público. Submete-se ao princípio da legalidade das despesas. E a lei, no caso, previu a hipótese excepcional de pagamento de “Despesas de Exercícios Anteriores” em que não tenha tido dotação específica, ou saldo suficiente na dotação respectiva, suprindo a falha do Poder Público no gerenciamento orçamentário.

Tudo indica que no caso presente houve omissão do Poder Público na suplementação da dotação específica por razões que não poderiam ser de ordem financeira, já que o balanço do Executivo estadual, encerrado em 31-12-2006, acusa uma disponibilidade de caixa de elevada soma de 5.952.337.008,34. Não se pode perder de vista que o orçamento fiscal do Estado compreende também as despesas da administração indireta, onde se insere o DER (art. 174, § 4º, I da CE).

E mais, parte das despesas a cargo do Poder Público refere-se aos serviços executados nos dias 8 a 11 de janeiro de 2007, impondo-se o pagamento respectivo, por conta da dotação própria do exercício em curso.

 

2.3 Dos pareceres de diferentes Tribunais de Contas pela aplicação do art. 37 da Lei nº 4.320/64 e de suas normas regulamentadoras, respondendo às consultas formuladas pelos entes interessados

 

  1. No Tribunal de Contas do Estado da Paraíba:

 

“PARECER PN TC Nº 030/00

 

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. CUSTEIO DE DESPESAS DO CAUSÍDICO. DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL POR PARTE DA PREFEITURA MUNICIPAL. PROCEDIMENTO DE RESSARCIMENTO.

Assim sendo, para deslinde da questão posta, há de se observar primeiramente se a despesa correspondente ao débito da Prefeitura perante o contratado foi prevista no atual exercício orçamentário como Restos a Pagar. Incluído referido débito nessa rubrica, deverá ser o mesmo quitado com os recursos especificados para esse fim. Na hipótese da respectiva despesa não figurar com Restos a Pagar na Lei de Meios vigente, é necessário que o administrador, considerando que a despesa não foi incluída no atual orçamento por não estar inscrita em Restos a Pagar, proceda ao reconhecimento da dívida, através dos trâmites legais, para que possa ser quitada como Despesa de Exercícios Anteriores, na forma permitida pelo art. 37, da Lei nº 4.320/64 e c/c o art. 1º do Decreto nº 62.115/68. Inexistindo dotação orçamentária para esta rubrica devem-se abrir Créditos Adicionais Especiais, cuja fonte de recursos deve obedecer à anulação de dotações de menor prioridade. Se a quitação total não for possível até o final do exercício em curso, seja por falta de recursos, seja por que a anulação de determinadas dotações comprometeria serviços essenciais à sociedade e à Administração, a parte não quitada deverá ser inscrita em Restos a Pagar, remetendo-se para o exercício seguinte.” (disponível em 10-10-2007, no site www.tce.pb.gov.br/consultas/cons30-00.htm – grifamos).

 

  1. b) No mesmo sentido o parecer exarado em resposta à consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Areial, pelo mesmo Tribunal referido na letra “a”:

 

“PARECER TC Nº 007/00

PARECER PROGE Nº 154/00

 

CONTRATO PARA REALIZAÇÃO DE OBRA PÚBLICA A SER QUITADO COM RECURSOS DE CONVÊNIO FIRMADO COM O GOVERNO ESTADUAL. RECURSOS NÃO REPASSADOS IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO EM FACE DA NATUREZA INSTÁVEL DO INSTITUTO. OBRA CONCLUÍDA. APROVEITAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. DEVER MORAL DE RESSARCIR. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.

 

A despesa do exercício anterior não inscrita em restos a pagar, pode ser reconhecida e quitada através de despesa de exercício anterior. Inteligência do art. 37, da lei nº 4.320/64 c/c art. 1º do dec. nº 62.115/68.

…..

 

  1. VOTO DO RELATOR E PARECER DO TRIBUNAL

 

Vistos, relatados e discutidos os autos do Processo acima indicado, os membros do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DA PARAÍBA (TCE-Pb), na sessão realizada nesta data, acolhendo o Voto do Relator, decidiram tomar conhecimento, em tese, da matéria objeto da CONSULTA e responder esta última de acordo com o entendimento do Ministério Público junto ao Tribunal, consubstanciado no PARECER nº 154/00, cópia do qual é parte integrante deste Parecer, juntamente com cópias dos documentos emitidos pelo DECAD  e pelo DELIC, acima referidos.

….

 

PARECER PROGE TC Nº 154/00

 

Contudo, mantém-se o débito da Prefeitura de Areial, pois mesmo que o contrato realizado entre a Edilidade e a Construtora fosse considerado nulo, a Administração estaria comprometida a pagar o que houvesse sido realizado em seu proveito, se não por obrigação contratual, mas pelo dever moral que impede o enriquecimento de qualquer das partes.

Inexistindo dúvidas quanto á prestação do serviço, a parte contratada faz jus, além do preço contratado, a indenização por quaisquer prejuízos que haja sofrido pelo pagamento a destempo.

……

Assim, sugerimos que o administrador, considerando que a despesa não foi incluída no atual orçamento por não estar inscrita em Restos a Pagar, proceda ao reconhecimento da dívida para com a construtora, através dos trâmites legais, para que possa ser quitada como Despesa de Exercícios Anteriores, na forma permitida pelo art. 37, da Lei nº 4.320/64 e c/c/ o art. 1º do Decreto nº 62.115/68, que regulamenta o mencionado artigo, verbis:

…..

Inexistindo dotação orçamentária para esta rubrica devem-se abrir Créditos Adicionais Especiais, cuja fonte de recursos deve obedecer à anulação de dotações de menor prioridade.

Se a quitação total não for possível até o final do exercício em curso, seja por falta de recursos seja por que a anulação de determinadas dotações comprometeria serviços essenciais à sociedade e à Administração, a parte não quitada deverá ser inscrita em Restos a Pagar, remetendo-se para o exercício seguinte.

Ressalte-se, por oportuno, que a resposta ora ofertada não constitui pré-julgamento de fato, referindo-se apenas à validade jurídica da pretensão ressarcitória da construtora diante do Município de acordo com a hipótese colocada. A legalidade da licitação, do contrato e da relação custo/benefício será analisada in concreto oportunamente, quando da prestação das contas apresentadas pela Prefeitura.” (disponível em 10-10-2007, no site http://www.tce.pb.gov.br/consultas/cons07-00.htm – grifamos).

 

  1. c) No Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso:

 

“Processo nº 50.121-9/2001

Interessada CÂMARA MUNICIPAL DE ITIQUIRA

Assunto Consulta Relator CONSELHEIRO JOSÉ CARLOS NOVELLI

Sessão de Julgamento 06.03.2002
ACÓRDÃO Nº 223/2002
“Consulta sobre a legalidade de quitação de Restos a Pagar”.

Vistos, relatados e discutidos os autos do Processo nº 50.121-9/2001.

ACORDAM os Senhores Conselheiros do Tribunal de Contas, à unanimidade, acompanhando o voto do Conselheiro Relator e de acordo com o Parecer nº 7.076/2001, da Procuradoria de Justiça, em remeter ao consulente para conhecimento, fotocópia das informações de fls. 08, 09, 10 e 11-TC, oriundas da Inspetoria Regional de Rondonópolis e da Inspetoria Geral de Controle Externo, respectivamente, bem como, fotocópia do Parecer nº 208/2001, de fls. 15/18-TC, da Assessoria Jurídica, deste Tribunal. Presidiu o julgamento o Conselheiro ARY LEITE DE CAMPOS, por substituição legal.

Participaram do julgamento os Senhores Conselheiros OSCAR DA COSTA RIBEIRO, UBIRATAN SPINELLI, ANTÔNIO JOAQUIM e VALTER ALBANO.

Ausente, justificadamente, o Conselheiro Presidente BRANCO DE BARROS.

Presente ao julgamento, representando o Ministério Público, o Procurador de Justiça dr. MAURO DELFINO CÉSAR.

Publique-se

….

PARECER 7.076/01

Ratificamos “in totum” o Parecer Nº 208/10 da competente Assessoria Jurídica, desta A. Casa, da lavra do Dr. José Nilson Constantino Zugair.

É o Parecer.

Cuiabá, 27 de Novembro de 2.001.

José Eduardo Faria

Procurador de Justiça

GAB/FA/MA/JA
….
Senhora Inspetora Geral

A presente consulta encontra suporte no art. 225 e seguintes da Resolução nº 03/93, e alterações, deste Tribunal podendo, por conseguinte, ser conhecida.

O Presidente formula 03 perguntas, conforme a seguir:

 

1- Considerando que a Câmara Municipal de Itiquira possui empenhado na Prefeitura Municipal o valor de R$ 135.735,96, o Prefeito Municipal de Itiquira está obrigado a efetuar os repasses à Câmara Municipal de Itiquira, nestes valores à título de Restos a Pagar? Se estiver obrigado, este repasse integrará a soma dos 8% da Receita, para determinação do teto máximo de repasse, a ser efetuado pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, como prevê o Art. 29-A, inciso I da Emenda Constitucional nº 25/2000.

2 – Estando o Prefeito Municipal obrigado a efetuar o repasse, qual o procedimento a ser adotado pelo mesmo para efetuar tais repasses, para Câmara Municipal de Itiquira.

3 – Tendo a Câmara Municipal de Itiquira, direito ao Repasse à Título de Restos a Pagar, qual o procedimento a ser usado pela mesma, para cobrar o Prefeito municipal o devido repasse.

Pelo disposto no artigo 42 da Lei Complementar nº 101/2000, nenhuma despesa poderá ser contraída sem adequada e suficiente disponibilidade de recurso para o seu atendimento dentro do exercício financeiro ou, em caso de valores a pagar no exercício seguinte, haja igualmente recursos em caixa para tal finalidade.

Esse dispositivo, a princípio, apresenta um cunho moralizador, coibindo o Administrador Público delegar débitos a seu sucessor. É evidente que a obrigação de pagar é da entidade, mas a responsabilidade é de quem assumir sem observância dos requisitos estabelecidos na Legislação pertinente. O que no presente caso parece não ter ocorrido pelo que então o gestor anterior deve ser responsabilizado na forma da Lei.

Cumpre-nos enfatizar que as normas da Lei nº 4.320/64 continuam válidas.

Para as despesas que tenham sido inscritas em Restos a Pagar, há necessidade que haja prova do cumprimento dos artigos 58, 59, 60 e 63 da Lei Federal nº 4.320/64, que exigem, comprovação do empenho prévio à despesa, regular liquidação da despesa, a qual consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito, apurando ainda, a origem e o objeto que se deve pagar, a importância exata do valor a ser repassado.

No caso das despesas citadas pelo consulente, consideram-se despesas como líquidas e certas, portanto, legítimas, devendo ser pagas.

 Em relação as despesas que não foram inscritas em Restos a Pagar, a Lei nº 4.320/64 estabelece no seu artigo 37 quais as despesas que podem ser pagas à conta de dotação orçamentária específica consignada no orçamento denominado “ despesas de exercícios encerrados (anteriores)”.

 

“Artigo 37 – As despesas de exercícios encerrados, para os quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processada na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondido poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica.”

 Esclarecemos que não havendo no Orçamento vigente, dotação orçamentária própria para atender as despesas de exercícios anteriores, deverá o Chefe o Poder Executivo solicitar autorização Legislativa (Lei específica) e proceder a abertura de crédito Adicional Especial, à conta de Despesas de Exercícios Anteriores (Elemento de Despesa 3.1.9.2).

Também nesse caso há de ser verificada a legitimidade da despesa.
A obrigação de pagar os fornecedores foi assumida no momento da contratação, e não no momento do empenho. Se entendesse que a cada empenho se assume a obrigação, então bastaria não empenhar para não ter mais a obrigação. No entanto, deixar de empenhar as despesas com pessoal ou os valores referentes a contratos não retira do Município a obrigação de pagá-las. A obrigação só será extinta pela rescisão do contrato, pela demissão dos servidores (ou pela comprovação de que as exigências contratuais não foram cumpridas), permanecendo a obrigação de indenizar, se for o caso.

Obedecendo sempre para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada ( artigo 5º, Lei 8.666/93) e o Decreto-Lei nº 201/67 em seu artigo 1º, inciso XII – crime de responsabilidade dos prefeitos – “ antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o Erário”.
Se forem pagas despesas de exercícios anteriores sem o atendimento das normas do artigo 42 da LRF, o titular do Poder ou Órgão que assumiu a obrigação poderá ser enquadrado nas sanções do artigo 359 C do Código Penal, com redação dada pela Lei 10.028 de 19/10/2000.

É conveniente ressaltar que os novos Administradores podem e devem pagar referidas despesas, desde que, quando do reconhecimento da dívida fique constatado que as mesmas são legítimas, ou seja, que atendam ao interesse público e tenham sido devidamente autorizadas em Lei, devendo ainda ser observada a ordem cronológica do pagamento dos credores.

Quando se refere a pagamento de pessoal e repasse de duodécimo da Câmara Municipal, o mesmo deve ser contabilizado no mês de referência para o cálculo dos índices definidos pela LRF e Emenda Constitucional nº 25/2000.

Recomenda-se ao novo Administrador instaurar processo administrativo para apuração de responsabilidade, para os fins do disposto no artigo 42 da LRF combinado com o artigo 359 C do Código Penal, dando ciência ao Ministério Público para as providências cabíveis.

Não procedendo dessa forma, haverá conivência e comprometimento na gestão de sua responsabilidade.

Submetemos a presente consulta à apreciação superior.

Inspetoria Regional de Controle Externo de Rondonópolis-MT, em 18 de Maio de 2001.

_______________________
Nelson Yuwao Kawahara

Inspetor Regional

….
P A R E C E R N º 208/01

….

 

Quanto à segunda indagação, entendemos que o Chefe do Executivo, por decreto, determine a disponibilidade de crédito orçamentário, com base em autorização legislativa específica, para abertura de crédito adicional, tudo em conformidade com o que dispõe a Lei n.º 4.320/64, e em consonância com os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, no que tange a matéria em tela, de forma a não incorrer nas sanções impostas pelo Decreto-Lei 201/67, bem como na Lei n.º 10.028/2000, Lei de Crimes Fiscais, além da Lei Complementar n.º 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, já citada anteriormente.
Destarte, endossamos com a interpretação proposta, com propriedade, pela Inspetoria Regional, às fls. 09 e 10 TC destes autos, que vai de encontro com o nosso posicionamento.

Finalmente quanto ao último questionamento, face a clareza das disposições legais retrocitadas, opinamos que o procedimento adotado pela Câmara, seja o de sugerir ao Poder Executivo, o disposto no item anterior, de forma que o Prefeito consiga efetivar os repasses que por direito a Câmara possui.

Cremos que essas interpretações conjugadas, se conciliam de forma a elucidar os questionamentos propostos.

É o parecer,

Sub Censura.

Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, em Cuiabá, 01 de novembro 2001.

José Nilson Constantino Zugair

Assistente Jurídico” (disponível em 10-10-2007, no site http://www.tce.mt.gov.br/index2.php?p=decisoes&a=decisoes.php&acd=223/2002- grifamos)

 

  1. d) Vale, ainda, transcrever a decisão proferida pelo Tribunal Contas do Estado de Santa Catarina:

 

‘Origem: Secretaria de Estado do desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente

Relator: Auditor Altair Debona Castelan

Processo nº 03/00636636

Parecer nº COG-222/03

Decisão nº 1265/03

Sessão: 05.05.2003

 

  1. Constituem requisitos para pagamento de despesa a sua legitimidade, caracterizada pelo atendimento ao interesse público e a observância da lei em todas as fases de constituição e quitação, e a sua regular liquidação, consistente na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito (arts. 62 e 63 da Lei Federal nº 4.320/64, 57 a 61 da Resolução nº TC-16/94 e 47, II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas).

Recomenda-se que a aferição da legitimidade das despesas de exercícios anteriores sem empenhamento ou liquidação, em especial as deixadas por administrador antecessor, seja realizada em processo administrativo específico, conduzida por comissão designada pelo chefe do Poder, que promoverá a verificação da regularidade da constituição da despesa, considerando os seguintes aspectos:

  1. interesse público atendido pela despesa;
  2. cumprimento das normas legais para instituição ou contratação, inclusive licitação, quando exigível;
  3. existência de dotação orçamentária para a despesa e conformação com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e com o Plano Plurianual;
  4. regular liquidação, incluindo a comprovação da efetiva execução do objeto do contrato em conformidade com as quantidades e características estabelecidas no instrumento contratual (credor tenha cumprido as obrigações a seu encargo estipuladas no contrato), o recebimento das mercadorias, bens, serviços e obras pela Administração e a existência de comprovantes hábeis do crédito, como nota fiscal, recibo, ordem de tráfego, bilhete de passagem, entre outros, que deverão ser fornecidos pelo vendedor, prestador de serviços, empreiteiro e outros contratados.’ (disponível em 10-10-2007, no site tce.sc.gov.br – grifamos).

 

Como se vê, em casos como o versado nesta consulta, impõe-se o reconhecimento da dívida pelo ordenador da despesa para pagamento a título de “Despesas de Exercícios Anteriores”. Se inexistente essa rubrica no exercício corrente, impõe-se a abertura de crédito adicional especial, tendo como fonte de custeio a anulação parcial ou total de dotações de menor prioridade.

De fato, não cabe ao Poder Público invocar a sua própria negligência gerencial para deixar de pagar a despesas resultantes de contrato regularmente firmado e executado, ou protelar seu pagamento com transgressão do princípio da ordem cronológica, inserto no art. 5º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. A tanto se oporiam os princípios da moralidade pública e da razoabilidade.

 

2.4 Dos princípios da moralidade e da razoabilidade

A preocupação da Lei 4.320/64, como a da LRF, a exemplo do art. 41, vetado pelo Executivo, é a de manter o equilíbrio fiscal, não permitindo assunção de compromissos financeiros, sem disponibilidade de caixa para saldá-los, que não é o caso sob consulta em que havia recursos financeiros de sobra.

Por isso, suas normas não devem ser interpretadas literalmente, mas a partir de textos constitucionais, notadamente, levando-se em conta os princípios norteadores da Administração Pública, insertos no art. 37 da Constituição Federal, dentre os quais, destacam-se os princípios maiores da MORALIDADE e da RAZOABILIDADE, este último, implícito na Constituição Federal e expresso no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo. Os demais princípios, como os da legalidade, da impessoalidade, da publicidade, da finalidade etc. são meros corolários dos dois primeiros.

O princípio da moralidade, de tão importante, é referido duplamente na Constituição Federal. No art. 37, que cuida das disposições aplicáveis à Administração Pública, e no art. 5º, inciso LXXIII, que legitima o cidadão a impetrar ação popular em casos lesivos à moralidade administrativa. O enriquecimento ilícito do Estado é uma imoralidade não permitida pelo nosso ordenamento jurídico. E aqui cabe uma reprodução do que já escrevemos:

 

“O protecionismo ou a perseguição política são práticas imorais que geralmente se dão sob o manto da legalidade. Na mesma linha, é imoral deixar de pagar o que é devido, ou procrastinar o pagamento, deixando a dívida para a próxima gestão, assim como insistir em teses vencidas, ajuizando ou contestando ações ao arrepio da jurisprudência. Há administradores que protelam suas decisões indefinidamente, não tendo escrúpulos em recomendar aos administrados que recorram à Justiça” (Cf. nosso Dicionário de direito público. São Paulo: MP Editora, 2. Edição, 2005, p. 264-265).

 

Sobre o outro princípio, o da razoabilidade, assim nos manifestamos:

“A razoabilidade, como princípio do Direito Administrativo, condiciona o exercício do poder discricionário da Administração, de forma a coibir a arbitrariedade, pelo excesso ou falta de proporção entre o ato e a finalidade a que se destina. Um ato, mesmo observando os requisitos legais para a sua formação, pode recair na ilegalidade se não for razoável, exorbitando do poder discricionário. Assim, embora sob a capa da legalidade, resultam ilegais, v.g., os atos que aplicam penalidades desproporcionais às infrações cometidas ou aqueles que destinam recursos superiores aos exigidos por determinado empreendimento…. Não raro, a exorbitância desse poder leva ao abuso de poder ou desvio de finalidade, a suscitar prontamente a atuação do Judiciário. Quando não, o excesso decorrerá da falta de critérios razoáveis, a traduzir um ato desproporcional, que contraria o bom-senso ou o senso comum pelos quais deve se pautar a conduta da Administração” (Cf. nossa ob. cit., p. 318).

 

Esses dois princípios, o da moralidade e o da razoabilidade, norteiam, não apenas a conduta dos administradores, como também a própria atividade legislativa do Estado, representando um verdadeiro limite aos legisladores. Estes não podem aprovar leis que firam a moralidade pública, como por exemplo, legislando em causa própria. Nem podem aprovar leis que beneficiam, por exemplo, aqueles que praticam determinados atos de forma irregular, enquanto penalizam outros que praticam os mesmos atos, porém de forma regular.

Normas orçamentárias que limitam a movimentação financeira devem ser interpretadas de forma sistemática em consonância com os princípios constitucionais retro examinados.

Por isso, interpretando o disposto no § 2º do art. 9º da LRF, que promove a limitação de empenho e de movimentação financeira ante a constatação do risco de comprometimento das metas de resultado primário ou nominal, prescrevendo casos de exceções à essa limitação de empenho, assim ponderamos:

 

“O § 2º proíbe, como não poderia deixar de ser, a limitação de empenhos e movimentação financeira que venham atingir as obrigações constitucionais e legais do ente político, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, bem como, as ressalvadas pela LDO. Esse dispositivo dá a entender que as obrigações contratuais, excetuadas as obrigações destinadas ao pagamento do serviço da dívida, não precisam ser honradas. A realização do crédito do particular fica na dependência, em última análise, de o Estado manter o equilíbrio orçamentário. Ao que nos parece, quando a norma determina a limitação de empenhos na hipótese de superação das metas fixadas, está a prescrever a possível redução de despesas e proibição de assumir novos compromissos. Entender de outra forma seria o mesmo que afirmar que o empenho é que cria as obrigações para o ente político, quando, sabidamente, fonte de obrigações são as leis, em sentido amplo, e os contratos.” (Cf. nosso Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 45).

 

Ler esse texto de forma diversa, seria o mesmo que afirmar que aquele texto legal está a prescrever a obrigatoriedade do “calote” da dívida pública, o que não é razoável, nem moral.

Não há, nem pode haver na legislação orçamentária ou financeira qualquer norma que estimule o Poder Público a descumprir seus compromissos, muito menos, que o impeça de cumprir suas obrigações decorrentes de lei ou de contrato. Se, por ventura, existisse tal norma, ela não teria sido recepcionada pela Carta Política de 1988, e se tratasse de norma superveniente, ela seria incompatível com a ordem constitucional vigente.

Por oportuno, lembre-se que a limitação pelo Executivo de valores financeiros do Judiciário, Legislativo e do Ministério Público, previstos no § 3º do citado art. 9º foi declarada inconstitucional na Adin impetrada pelos partidos políticos: PC do B, PT e PSB.

Portanto, os compromissos reconhecidos pelo ordenador de despesa após encerramento do exercício a que se refere podem e devem ser pagos por conta da dotação do exercício em curso, sob a rubrica “Despesas de Exercícios Anteriores”.

Nem poderia ser de outra forma, em se tratando de execução de programas de duração continuada, de previsão obrigatória na lei do plano plurianual (§ 1º do art. 165 e § 1º do art. 167 da CF).

Em se tratando de execução de programas de duração continuada, que excede mais de um exercício, era de rigor a inscrição em Restos a Pagar das despesas do contrato sob execução, pois o ordenador de despesas não poderia ignorar os compromissos assumidos no contrato, a menos que a autoridade administrativa competente tivesse ordenado a suspensão temporária da execução dos serviços contratados, por razões de ordem financeira. Para que a despesa não liquidada seja inscrita em Restos a Pagar só se exige a existência de um documento formal, no caso, o contrato administrativo celebrado pelo consulente, cuja execução perdura por mais de um exercício. O Decreto nº 2.451, de 6 de janeiro de 1998, cuidando de Restos a Pagar, dispôs em seu art. 19:

 

“Art. 19. Somente poderão ser inscritas em “Restos a Pagar” as despesas efetivamente realizadas.

  • 1º Considera-se efetivamente realizada a despesa em que o bem tenha sido entregue ou o serviço tenha sido executado”.

 

É exatamente o caso sob consulta em que houve as medições e a aceitação, pelo Poder Público, das obras executadas.

 

2.5 Do pagamento dos créditos do consulente a título de ressarcimento

A se afastar a aplicação da parte final do art. 37 da Lei nº 4.320/64 e da alínea “c”, do § 2º, do art. 22, do Decreto nº 93.872/86, não poderiam ser pagas, por exemplo, nem as despesas com o consumo de energia elétrica, pertinentes aos meses de novembro e dezembro de 2006, geradas por parte de uma nova repartição pública, que não chegou a se constituir em unidade orçamentária naquele exercício, por uma questão de negligência gerencial. No caso sob consulta, em que a unidade orçamentária tinha recursos financeiros suficientes para a abertura de crédito adicional suplementar para assegurar o pagamento de despesas decorrentes de execução de obras de duração continuada e não o fez, a negligência gerencial passa a ter conotação bem mais grave.

Caso se entenda inaplicáveis os dispositivos legais retro-referidos, o que se admite apenas ad argumentandum, a alternativa para a extinção dessas despesas seria o pagamento a título de ressarcimento, valendo-se de dotação correspondente do exercício em curso.

Dir-se-á que só se pode pagar a título de ressarcimento quando não existir documento formal, ou seja, quando não existir contrato administrativo de prestação de serviço. Até uma obra clandestinamente executada, por exemplo, em terreno do Poder Público, se for do interesse público, poderia ser incorporada ao seu patrimônio, ressarcindo o executor da obra, das despesas feitas de forma irregular. Mas, se a obra for contratada com o vencedor de certame licitatório, as despesas feitas não poderiam ser pagas a título de indenização, porque existe um contrato administrativo formalizado com a Administração, devendo ser pagas essas despesas na forma da dotação orçamentária própria. Contudo, como não houve suplementação na dotação própria, por negligência da unidade orçamentária, também, não poderiam aquelas despesas serem pagas a título de despesa por conta de dotação própria.

Então, pergunta-se, como fazer para o consulente receber o seu crédito? Será que a atual Administração do Estado estaria recomendando que o consulente vá ao Judiciário para ver proclamado o crédito que ela, Administração, já reconheceu, somente para encontrar uma “dotação orçamentária adequada”, ou seja, aquela concernente ao pagamento de despesas decorrentes de Condenações Judiciais?

É evidente que o “impasse” jurídico-orçamentário criado em torno da situação sob consulta que, na verdade, resolve-se pela simples aplicação de texto normativo expresso, como vimos, fere, às escâncaras, os princípios da moralidade administrativa e da razoabilidade. Simplesmente, seria incogitável, por ferir o senso do homem comum, a idéia de remeter a questão ao Judiciário, sem que haja litígio quanto ao direito material (direito de receber os valores apurados em medições realizadas pelo DER), mas tão-somente para buscar uma dotação específica a título de condenação judicial, como sucedâneo de mecanismos legais inobservados pela Administração.

 

  • Conclusões

 Cabe ao consulente:

  1. receber as despesas geradas no presente exercício (janeiro em diante), por conta da dotação própria;
  2. receber as despesas geradas no exercício de 2006, por conta da dotação “Despesas de Exercícios Anteriores”, pela aplicação do art. 37 in fine da Lei nº 4.320/64 e da alínea “c”, do § 2º, do art. 22, do Decreto nº 93.872/86, mediante prévio reconhecimento, pelo senhor Superintendente do DER ou de autoridade delegada, dos valores constantes das medições, a favor do consulente, bem como breve justificativa da ausência de empenho no exercício competente;
  3. se inexistente a rubrica “Despesas de Exercícios Anteriores”, deve proceder-se a abertura de crédito adicional especial no orçamento em curso, mediante anulação parcial ou total das dotações de menor prioridade, de sorte a restar observado o princípio da ordem cronológica das datas de exigibilidades das obrigações decorrentes de licitações, nos termos do art. 5º da Lei nº 8.666/93;
  4. como última alternativa, caberia ao DER promover o pagamento da dívida a título de ressarcimento, mediante utilização de dotação própria a este título, pois a ordem jurídica vigente não abriga qualquer norma, de qualquer espécie ou natureza, que permita ou estimule o inadimplemento da obrigação por parte do Poder Público;

 

É o nosso parecer, smj.

 

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