Parecer – Repatriação de bens existentes no exterior

Da Consulta

O consulente tem bens representados por ativos financeiros aplicados no exterior. Para tanto abriu uma conta conjunta em um Banco da Suíça em que figura sua esposa, casada em regime de comunhão universal de bens anteriormente ao advento da Lei do Divórcio.

Esses ativos financeiros são originários de rendimentos auferidos pelo consulente no exercício de sua atividade de consultor e assessor de empresas ao longo do tempo e que saíram do País, sem a observância das formalidades legais.

Na aplicação financeira operada no exterior houve ganhos e perdas sendo que em 31 de dezembro de 2014, o saldo líquido montava a U$ 812.737,63, conforme informações do Banco Suíço. Convertido em moeda nacional corrente à taxa vigente nessa data de R$ 2,6562, corresponde a R$ 2.158.793,69.

O Consulente informa que não sofre as restrições previstas no § 5º, do art. 1º, nem daquelas mencionadas no artigo 11 da Lei nº 13.254 de 13 de janeiro de 2016.

Pede a nossa opinião legal para adesão ao RERCT e condições para apresentação da Dercat, formulando os quesitos abaixo:

1) É possível a adesão do consulente ao RERCT?

2) Em caso positivo, qual o efetivo montante dos valores existentes no exterior que deve ser declarado, tendo em vista a sua variação até o dia 31 de dezembro de 2014?

3) Considerando a conta conjunta com a esposa existente no exterior deve cada um apresentar a Dercat?

4) Quais os efeitos jurídicos decorrentes pela apresentação da Dercat?

 

PARECER

  • Legislação aplicável

A lei de regência da matéria é a Lei de nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, que foi elaborada de forma não muito clara, requerendo muito cuidado na interpretação de suas normas. Algumas delas são inconstitucionais ofendendo ao princípio da capacidade contributiva (era. 145, § 1º e art. 150, VI da CF), mas, aquelas normas não interferem no caso sob consulta.

Para aumentar as dúvidas vieram à luz a Instrução Normativa nº 1.627, de 11 de março de 2016, objeto de Ato Declaratório Executivo RFB nº 2, de 1-4-2016 e de Ato Declaratório Interpretativo RFB de nº 5, de 11-7-206 que determinou a observância da seção “ Dercat – Perguntas e Respostas 1.0” disponível no sítio da Secretaria da Receita Federal do Brasil, para efeito de interpretação de textos da Lei nº 13.254/16 e da Instrução Normativa 1.627/2016. Por fim, houve intervenção da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional que editou o Parecer PGFN/CAT/Nº 1035/2016 para interpretação do art. 6º da Lei, concluindo pela necessidade de que a base de cálculo do imposto deve abranger os ativos consumidos anteriormente a 31 de dezembro de 2014. É muito instrumento normativo produzido em tão pouco tempo.

É sabido que a Instrução Normativa faz às vezes de um decreto regulamentador para tornar possível a execução da Lei nº 13.254/2016, elaborando normas processuais objetivando a operacionalização da adesão ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributário – RERCT. No campo do direito material não poderá introduzir inovações, quer para limitar, quer para ampliar o conteúdo e alcance das normas legais. Nos precisos termos do art. 99 do CTN: “O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função dos quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei”.

Dessa forma, a secção “Perguntas e Respostas” contida no site da RFB, conquanto bastante útil ao intérprete, as respostas nelas contidas, evidentemente, somente vinculam a RFB por força do princípio da vinculação da administração a seus próprios atos, sendo livre o contribuinte para seguir o entendimento próprio que deriva da interpretação direta dos textos legais, considerada a ordem jurídica global. “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, diz o texto constitucional (art. 5º, II).

Do exposto, externaremos a nossa opinião sobre a matéria consultada com base na lei de regência, e com auxílio das normas da IN nº 1.627/2016 no que tange às questões pertinentes a procedimentos a serem observados na adesão ao RERCT.

 

  • O que é RERCT

A Lei nº 13.254/16 veio à luz para repatriar bens que saíram do País sem registro no órgão oficial – Banco Central – na maioria das vezes como forma de proteção do patrimônio, devido a instabilidade da política econômico-financeira, com o advento de sucessivos planos econômicos que ensejaram milhares de demandas judiciais. Até hoje pende de julgamento uma ADPF que irá decidir a sorte de milhões de poupadores da caderneta de poupança.

Essa lei tem natureza nitidamente tributária, mas, ela procura buscar transparência aos fenômenos tributários em harmonia com as disposições supranacionais, acenando com benefícios tributários estimulando as regularizações tributárias e cambiais, de um lado, e preconizando ameaças de sanções tributárias e penais, de outro lado.

RERCT é a sigla utilizada para designar o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País, instituído pela Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, com a finalidade de permitir a declaração voluntária desses recursos.

 

  • Âmbito de aplicação do RERCT

 O RERCT aplica-se aos residentes no Brasil em 31-12-2014 que tenham sido ou ainda sejam proprietários ou titulares de ativos, bens ou direitos em períodos anteriores a 31-12-2014, ainda que, nessa data, não possuam saldo de recursos ou título de propriedade de bens e direitos, bem como aos não residentes no Brasil no momento da publicação da Lei nº 13.254/20106, em 14 de janeiro de 2016, desde que residentes ou domiciliados no País conforme a legislação tributária em 31-12-2014 (art. 1º, § § 1º e 3º da Lei nº 13.254/2016).

Conforme art. 3º, I, da Lei nº 13.254/2016 o RERCT:

“Aplica-se a todos os recursos, bens ou direitos de origem lícita de residentes ou domiciliados no País até 31/12/2014, incluindo movimentações anteriormente existentes, remetidos ou mantidos no exterior, bem como aos que tenham sido transferidos para o País, em qualquer caso, e que não tenham sido declarados ou que tenham sido declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, como:

I – Depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão;

…”.

Segundo o art. 2º, III da Lei nº 12.354/2016 os recursos ou patrimônio repatriados objeto do RERCT correspondem a todos os recursos ou patrimônio, em qualquer moeda ou forma, de propriedade de residentes ou de domiciliados no País, ainda que sob a titularidade de não residentes, da qual participe, seja sócio, proprietário ou beneficiário, que foram adquiridos, transferidos ou empregados no Brasil, com ou sem registro no Banco Central do Brasil, e não se encontrem devidamente declarados.

E conforme o art. 2º, II da mesma Lei, recursos ou patrimônio de origem lícita são os bens adquiridos com recursos oriundos de atividades permitidas ou não proibidas pela lei, bem como o objeto, produto ou proveito dos crimes previstos no § 1º, do art. 5º daquela mesma lei, quer sejam: crime contra a ordem tributária (art. 1º e incisos I, II e V do art. 2º da Lei nº 8.137, de 27-12-90); crime de sonegação fiscal (Lei nº 4.729, de 14-7-195); crime de sonegação de contribuição previdenciária (Art. 337-A do Código Penal), crime de falsificação de documento público (art. 297 do Código Penal); crime de falsificação de documento particular (art. 298 do Código Penal); crime de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal); crime de uso de documento falso (art. 304 do Código Penal); crime de evasão de dividas (art. 22, caput e parágrafo único da Lei nº 7.492, de 16-06-86) e crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613, de 3-3-98), quando o objeto do crime for bem, direito ou valor proveniente, direta ou indiretamente, dos crimes indicados anteriormente.

 

4 Como se opera a adesão ao RERCT

O requisito essencial para adesão ao programa denominado Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária – REPCT – é que a origem do bem existente no exterior seja licita, isto é, resultante de atividade não vedada por lei. Origem ilícita não se confunde com a saída ilícita dos recursos financeiros levados ao exterior. O próprio nome do programa já diz tudo: Regularização Cambial e Tributária.

Logo, os recursos financeiros do consulente existentes no banco suíço (depósitos bancários) podem ser regularizados mediante entrega da Declaração de Regularização Cambial e Tributária – Dercat – na forma dos arts. 4º e 5º.

O prazo para a apresentação do Dercat, que teve início em 4 de abril de 2016, finda-se em 31/10/2016. Após encerrado esse prazo, terá início a ação fiscal de identificação de bens existentes no exterior mediante utilização das normas da Convenção de Assistência Mútua Administrativa em matéria Tributária para troca de informações tributárias e financeiras, de forma automática, por via do Common Reporting Standard (CRS) que é semelhante ao instrumento normativo norte-americano, o Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA).

Essa regularização sempre esteve ao alcance de cada interessado, mediante denúncia espontânea prevista no art. 138 do CTN que exclui a responsabilidade, desde que feita antes da ação fiscal, acompanhada, quando for o caso, de pagamento do tributo devido, acrescido de juros moratórios. Contudo, esse dispositivo não assegura a exclusão de responsabilidade penal de forma expressa, tudo indicando circunscrever-se a exclusão de responsabilidade apenas no âmbito tributário, para promover a desoneração da multa tributária. A adesão ao RERCT oferece a vantagem da anistia expressa dos crimes especificados no § 1º, do art. 5º da Lei, além de percentual menor do imposto de renda sobre os rendimentos não oferecidos à tributação.        A regularização de ativos superiores a U$ 100.000 envolve a interveniência de instituição financeira autorizada a funcionar no País. Sabemos que algumas instituições financeiras estão opondo resistência à essa interveniência, provavelmente, por causa da previsão de anistia do crime de lavagem de dinheiro incluída no elenco do § 1º, do art. 5º na contramão das diretrizes traçadas pela OCDE. Essa anistia, incluída pelo legislador brasileira, vai na contramão da realidade internacional que acompanha as diretrizes da OCDE de que não faz parte o Brasil, mas que integra o Grupo G20.

 

  • Base de cálculo

Prescreve o art. 4º da Lei:

“Art. 4º Para adesão ao RERCT, a pessoa física ou jurídica deverá apresentar à Secretaria da Receita Federal do Brasil (SFB) e, em cópia para fins de registro, ao Banco Central do Brasil declaração única de regularização específica contendo a descrição pormenorizada dos recursos, bens e direitos de qualquer natureza de que sejam titular em 31 de dezembro de 2014 a serem regularizados, com o respectivo valor em real, ou, no caso de inexistência de saldo ou título de propriedade em 31 de dezembro de 2014, a descrição das condutas praticadas pelo declarante que se enquadrem nos crimes previstos no § 1º do art. 5º desta Lei e dos respectivos bens e recursos que possuiu.

  • 8º Para fins da declaração prevista no caput, o valor dos ativos a serem declarados deve corresponde ao valor de mercado, presumindo como tal:

I – Para os ativos referidos nos inciso I e III do art. 3º, o saldo existente em 31 de dezembro de 2014, conforme documento disponibilizado pela instituição financeira custodiante”.

A parte final do art. 4º retrotranscrito não tem aplicação para o caso do consulente que dispõe de saldo da aplicação financeira em 31 de dezembro de 2014, devidamente informado pela instituição bancária custodiante. Deverá ser declarado aquele valor convertido em moeda corrente e sobre ele recolher o imposto de renda de 15%, na forma do art. 6º e recolher a multa de regularização da ordem de 100% sobre o valor desse imposto devido, de conformidade com o disposto no art. 8º.

Esse dispositivo concernente à parte final do caput do art. 4º representa de forma clara e lapidar uma alternativa apontada pelo advérbio “ou” exclusivamente para a hipótese de inexistência de saldo ou título de propriedade em 31 de dezembro de 2014, data base para a declaração e pagamento de imposto. Está em mais perfeita consonância com a disposição do art. 6º que se refere a “acréscimo patrimonial adquirido em 31 de dezembro de 2014, ainda que nesta data não exista saldo ou título de propriedade”. A razão da alternatividade é óbvia. Se determinada pessoa possuía no dia 30 de dezembro de 2014 um saldo de U$ 1.000.000,00, mas, se tiver sacado tudo nessa mesma data, nada restando no dia seguinte, 31 de dezembro de 2014, aquele titular de ativo não teria como regularizar sua situação cambial e tributária. Daí porque não se pode generalizar o cômputo de bens ou ativos consumidos anteriormente a 31 de dezembro de 2014, como fez o PARECER PGFN/CAT nº 1035/2016 substituindo-se no critério de justiça adotado pelo legislador. É a regra elementar em matéria de hermenêutica jurídica, do contrário toda e qualquer norma poderia sofrer contestação pelo aplicador.

 

  • Efeitos da adesão ao RERCT – § 1º do art. 5º

Apresentada a Decart e pagos o imposto e a multa de regularização na forma o item anterior cessa a responsabilidade tributária e fica o contribuinte que aderiu ao RERCT anistiados dos crimes previstos no º 1º, do art. 5º que são aqueles nominados no item 3 deste parecer.

Contudo, no que tange aos crimes de falsidade ideológica e de uso de documento falso a anistia não é irrestrita por força da ressalva do art. 9º.

 

  • Riscos de exclusão do RERCT – art. 9º

Se não foram pagos o imposto e a multa até o dia 31/10/2016, ou se forem constatadas a apresentação de declarações ou documentos falsos relativos à titularidade da condição jurídica dos recursos, o contribuinte-declarante será excluído do RERCT seguindo-se a cobrança dos valores equivalentes aos tributos, multas e juros incidentes, sem prejuízo da aplicação de sanções cíveis, penais e administrativas cabíveis. Daí o cuidado que se deve ter na apresentação da Dercat.

Contudo, os dados utilizados no Dercat não poderão, por si só, lastrear o procedimento investigatório. Dispõe o § 2º, do art. 9º:

“§ 2º Na hipótese de exclusão do contribuinte do
RERCT, a instauração ou a continuidade de procedimentos investigatórios quanto à origem dos ativos objeto de regularização somente poderá ocorrer se houver evidências documentais não mencionadas à declaração do contribuinte”.

 

  • Respostas aos quesitos

1) É possível a adesão do consulente ao RERCT?

R: Sim, é possível por se tratar de recursos financeiros de origem lícita remetidos ao exterior, sem observância das formalidades legais, nem ter impedimentos do art. 11, conforme declarações do consulente que nos foram exibidos.

 

2) Em caso positivo, qual o efetivo montante dos valores existentes no exterior que deve ser declarado, tendo em vista a sua variação até o dia 31 de dezembro de 2014?

R: Deve declarar o valor existente em 31 de dezembro de 2014 informado pela instituição financeira situada na Suíça e, após sua conversão em moeda corrente, recolher o imposto de renda à base de 15% e, também efetuar o pagamento da multa de regularização na base de 100% do valor do imposto a ser pago.

 

3) Considerando a conta conjunta com a esposa existente no exterior deve cada um apresentar a Dercat?

R: Não necessariamente, apesar do disposto no art. 11 da Instrução Normativa nº 1627/16. É que os recursos remetidos ao exterior têm origem exclusivamente nos rendimentos auferidos pelo consulente sendo que sua esposa consta apenas formalmente como cotitular da conta bancária na Suíça. Por ser casada em regime de comunhão universal de bens, todo o patrimônio em comum vem sendo declarado na declaração anual do imposto de renda apresentada pelo cabeça do casal, que é o consulente. A própria resposta dada à pergunta de nº 33 no “Dercat – Perguntas e Respostas 1.1”, disponibilizado no site da RFB, e que tem efeito vinculante segundo o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5, de 11 de julho de 2016, diz o seguinte:

 

33) Como faço para declarar bens e direitos possuídos em condomínio?

Cada condômino deverá declarar o bem ou direito em relação à parcela de que é titular. (arts. 1º, § 1º, e 4º caput, da Lei nº 13.254, de 2016, e arts. 21, 11, 4º, caput, 7٥, §§º 1º e 6º, e 9º da Instrução Normativa RFB nº 1.627, de 2016).

Exemplo 1: o postulante ao RERCT, proprietário efetivo de todos os recursos constantes de conta conjunta, deve declarar em sua própria Dercat todos esses recursos, fazendo constar a identificação dos demais participantes”.

É exatamente o caso do consulente. Embora o ADI nº 5/16 da RFB não vincule o contribuinte, ele certamente produz efeito vinculante ao órgão público que expediu aquele ato, por força do princípio da vinculação da administração a seus próprios atos.

 

4) Quais os efeitos jurídicos a serem produzidos pela apresentação da Dercat?

R: Aderido ao RERCT e apresentada a Dercat, com o pagamento do imposto e recolhimento da multa de regularização, no prazo legal, o contribuinte estará livre de responsabilidades fiscais, bem como terá operado em relação a ele a extinção da punibilidade dos crimes elencados no item 3 desta opinião jurídica. Esclareça-se, desde logo, que os rendimentos dos ativos gerados no exercício de 2015 deverão ser objetos de pagamento do imposto de renda, mediante retificação da declaração do exercício de 2016, ano base 2015, considerando-se essa retificação como medida de denúncia espontânea prevista no art. 138 do CTN, a fim de exonerar-se do pagamento de multas. (art.15 da IN nº 1627/16). Observe-se, por fim, que o contribuinte deverá guardar os documentos relativos à Dercat pelo prazo de cinco anos, a contar da data de sua apresentação.

 

São Paulo, 25 de agosto de 2016.

Kiyoshi Harada

OAB/SP 20.317

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