Recálculo dos juros da dívida pública dos Estados e Municípios

Como sabemos, os governos estaduais estão pressionando o governo federal para alterar o critério de incidência de juros compostos para juros simples em relação às suas dívidas contraídas com a União.

Infelizmente, esse federalismo centralizado que está na Constituição de 1988 mantém os Estados sempre sob o controle político da União. Não há independência político-administrativa sem autonomia financeira por meio de tributos próprios.

Se examinarmos o Sistema Tributário Nacional, esculpido pelo legislador Constituinte Originário de 1988, veremos que a União concentrou em suas mãos os impostos mais rendosos, sem prejuízo da decretação privativa de “n” contribuições sociais. Resultado: a União arrecada mais de 60% do bolo tributário do País, repassando 48% do produto da arrecadação do imposto de renda e do imposto sobre produtos industrializados para os Estados e Municípios e regiões, Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Por que não efetuar um novo pacto federativo em termos de imposição tributária e eliminar o complicado sistema de repasses de recursos financeiros a Estados e Municípios? Esse mecanismo de repasse de recursos causa despesas administrativas de monta, mobilizando os tribunais de contas dos Estados e dos Municípios, além de implicar fiscalização e controle dos recursos transferidos pelo TCU.

A mesma motivação que levou a União a concentrar as receitas tributárias extraídas dos Estados desenvolvidos (os do Sul e Sudeste) faz com que ela resista à mudança no cálculo de juros compostos pleiteada pelos Estados e Municípios. Alguns entes federados estão ingressando com ação judicial perante o STF para obter a revisão dessa perversa metodologia de cálculo que faz com que o principal vá crescendo à medida que se vai pagando o acessório, os juros. Isso faz com que a dívida cresça como uma bola de neve solapando os recursos dos Estados e Municípios devedores. Por isso, os Estados de Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás ingressaram com ação perante o Supremo Tribunal Federal, onde os três primeiros Estados lograram a obtenção de medida liminar para estancar temporariamente a sangria de seus cofres públicos.

Na verdade, a capitalização de juros é vedada pelo art. 4º do Decreto nº 22.626/33 ainda em vigor:

“Art. 4º. É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente ano a ano”.

Á luz desse dispositivo o Supremo Tribunal Federal editou a súmula nº 121:

“É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

Essa súmula deve ser interpretada no sentido de vedar a capitalização dos juros mês a mês, pois a sua edição foi motivada pelo art. 4º do Decreto nº 22626/33 que permite apenas a incorporação anual dos juros ao capital primitivo.

Entretanto, o STJ editou a súmula 541 que, por meio do enunciado não muito claro, permite a capitalização mensal dos juros:

Súmula 541: A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. (DJe 15/06/2015).

Essa Súmula está em confronto com a Súmula 121 do STF. Á vista da confusa jurisprudência reinante sobre a matéria, a União vem resistindo ao justo pleito dos governadores lançando mão de argumentos ad terrorem, sustentando que a alteração da metodologia de cálculo dos juros incidentes sobre as dívidas dos Estados refletiria negativamente na remuneração da caderneta de poupança e vários outros contratos financeiros.

Ora, a Caixa-Econômica, que concentra a maior parte das aplicações em poupanças, vem remunerado a poupança com o ridículo percentual de 0,5% a.m, o que dá um total de 6% ao ano, ao passo que ela, a CEF empresta a terceiros os recursos da poupança à base de 14,25% ao mês, isto é, 28,5 vezes mais do que paga aos poupadores, o que justifica o acúmulo de bilhões de reais em caixa, para financiar os programas sociais suprindo a retenção de recursos orçamentários pelo Tesouro. E mais, mesmo assim o governo insiste em manter a  multa adicional de 10% do FGTS embora já tenha atingido o objetivo que ensejou a sua criação. É muita deslealdade do astuto governante que perdeu a noção de moralidade.

Não será, evidentemente, a forma de cálculo de juros compostos para simples que irá prejudicar os poupadores, mas, sim o seu percentual ridículo e vergonhoso ante a especulação que vem fazendo com os recursos dos poupadores.

Enfim, o que o governo central quer é manter os governadores aos seus pés para dar-lhes de comer. Nada de independência e de autonomia!

Tanto é assim que a União continua promovendo transferência voluntária de recursos de que trata o art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Em outras palavras, a União esfola os Estados e Municípios com juros escorchantes e depois os devolver parcialmente em forma de “doações”. A União pode até abater o montante da dívida em um gesto magnânimo, mas mantém intocável o pervertido critério de cálculo de juros que faz com que a dívida originária vá subindo em uma espiral sem limite. Para que? Para poder fazer transferências voluntárias.

É preciso elaborar um novo pacto federativo para que os Estados e Municípios passem a ser de fato e de direito entidades políticas autônomas e independentes.

 

* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.  Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Relacionados