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Substituição tributária e exame do Convênio ICMS nº 52/17
Sumário: 1 Introdução. 2 Campo de atuação dos convênios.
1 Introdução
O Convênio ICMS nº 52, de 7-4-2017, com previsão de vigência a partir do dia 1º de dezembro de 2018, foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – impetrada pela Confederação Nacional da Indústria – CNI – que o acoimou de inconstitucionalidade total por versar sobre matéria sob reserva de lei complementar.
Entretanto, em sede de medida cautelar requereu a suspensão apenas de doze de suas cláusulas.
A ADI tomou o nº 5866-DF tendo sido designado como Relator o Min. Alexandre de Moraes. Todavia, tendo em vista o recesso do Judiciário a Ministra Presidente da Corte Suprema deferiu liminarmente a suspensão dos efeitos de dez das cláusulas impugnadas: clausulas 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª, 13ª, 14ª, 16ª, 24ª e 26ª mais adiante examinadas.
2 Campo de atuação dos convênios
A área de atuação dos convênios acha-se perfeitamente definida no § 5º, do art. 155 da CF in verbis:
I – nas operações com os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo, o imposto caberá ao Estado onde ocorrer o consumo;
II – nas operações interestaduais, entre contribuintes, com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, o imposto será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias
III – nas operações interestaduais com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, destinadas a não contribuinte, o imposto caberá ao Estado de origem;
IV – as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte:
O entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do convênio é o de que se trata “de ato infralegal, celebrado de forma a complementar a atuação legislativa estadual, a qual, por sua vez, deve subsumir-se às regras gerais estabelecidas em lei complementar nacional editada para esse específico fim” [3]. O STF não reconhece a validade do convênio enquanto instrumento normativo autônomo de natureza geral, que é atribuição privativa da lei complementar (art. 146, III e art. 155, § 2º, XII da CF). Nem poderia ser de outra forma, pois o Confaz, órgão que edita os convênios sequer tem existência legal, criado que foi pelo Convênio nº 8/75 de 14 de abril de 1975, isto é, o órgão destinado a editar convênios nasceu de um convênio. É o caso de se perguntar: quem nasceu primeiro? O ovo ou a galinha?
Tanto é que o STF já teve a oportunidade de julgar inconstitucionais os §§ 10 e 11, da cláusula vigésima primeira do Convênio nº 110/2007 nas redações dadas pelos Convênios nºs 101/2008 e 136/2008 que prescreviam o estorno de créditos “na forma de recolhimento do valor correspondente ao ICMS diferido”, ao invés de prescrever simplesmente a anulação escritural de créditos, fato que implica bitributação, ofensiva aos arts. 145, § 1º, 150, I e 155, § 2º, I e § 5º da CF (ADI nº 4171-DF, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJe de 21-8-2015).
3 Exame do Convênio nº 52/17
O Convênio sob análise está fundado nos arts. 6º a 10 da Lei Complementar nº 87/96, arts. 102 e 199 do CTN, na alínea “a”, do inciso XII, do § 1º e nos §§ 7º e 8º, do art. 13, no art. 21-B e nos §§ 12 a 14 do art. 26, todos da Lei Complementar nº 123/2006.
Ele se reveste de ato normativo autônomo dispondo genericamente sobre:
A toda evidência, muitos de suas cláusulas extrapolam do âmbito de atuação dos convênios delimitado pela Constituição e definido pela Corte Suprema, adentrando no campo reservado à lei complementar. Examinemos as cláusulas impugnadas e acolhidas em sede de tutela antecipatória.
I – Cláusulas 8º, 9º e 16ª
Transcrevamos essas cláusulas para melhor exame:
Cláusula oitava O contribuinte remetente que promover operações interestaduais com bens e mercadorias especificadas em convênio ou protocolo que disponha sobre o regime de substituição tributária será o responsável, na condição de sujeito passivo por substituição, pela retenção e recolhimento do ICMS relativo às operações subsequentes devido à unidade federada de destino, mesmo que o imposto tenha sido retido anteriormente.
Cláusula nona O regime de substituição tributária não se aplica:
I – às operações interestaduais que destinem bens e mercadorias submetidas ao regime de substituição tributária a estabelecimento industrial fabricante do mesmo bem e mercadoria, assim entendido aquele classificado no mesmo CEST;
II – às transferências interestaduais promovidas entre estabelecimentos do remetente, exceto quando o destinatário for estabelecimento varejista;
III – às operações interestaduais que destinem bens e mercadorias a estabelecimento industrial para emprego em processo de industrialização como matéria-prima, produto intermediário ou material de embalagem, desde que este estabelecimento não comercialize o mesmo bem ou mercadoria;
IV – às operações interestaduais que destinem bens e mercadorias a estabelecimento localizado em unidade federada que lhe atribua a condição de substituto tributário em relação ao ICMS devido na operação interna;
V – às operações interestaduais com bens e mercadorias produzidas em escala industrial não relevante, nos termos deste convênio.
(Parágrafos 9º e 10 acrescidos pelo Conv. ICMS 108/17).
Cláusula décima sexta Nas operações interestaduais com bens e mercadorias já alcançadas pelo regime de substituição tributária, o ressarcimento do imposto retido na operação anterior deverá ser efetuado pelo contribuinte, mediante emissão de NF-e exclusiva para esse fim, em nome de qualquer estabelecimento fornecedor, inscrito como substituto tributário.
As cláusulas em questão versam sobre substituição tributária para frente. Já há precedentes do Supremo Tribunal Federal considerando inconstitucionais as cláusulas convencionais que versem sobre substituição tributária, porque essa figura jurídica só pode ser veiculada por lei complementar ao teor do art. 155, § 2º, XII, g da CF (ADI nº 4.628-DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 24-11-2014).
No aludido julgamento foi enfatizado preliminarmente que “aos convênios atribui-se competência para delimitar hipóteses de concessões de isenções, benefícios e incentivos fiscais, nos moldes do art. 155, § 2º, XII, g da CRFB/1988 e da Lei Complementar nº 24/1975, hipóteses inaplicáveis in casu”. A impugnação versou sobre o Protocolo ICMS nº 21/2011 que legitimava “a aplicação da alíquota interna do ICMS na unidade federada de origem da mercadoria ou bem, procedimento correto e apropriado, bem como a exigência de novo percentual, a diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna, a título também de ICMS, na unidade destinatária, quando o destinatário final não for contribuinte do respectivo imposto” (item 7). A Corte entendeu que isso viola o princípio do não confisco que encerra direito fundamental do contribuinte. Ora, é exatamente essa norma reprimida pelo STF que está expresso no § 1º da cláusula 8ª do convênio que estamos comentando. Foi também enfatizado nesse julgado que “os imperativos constitucionais relativos ao ICMS se impõem como instrumento de preservação da higidez do pacto federativo, et pour cause, o fato de tratar-se de imposto estadual não confere aos Estados membros a prerrogativa de instituir, sponte sua, novas regras para a cobrança do imposto, desconsiderando a altiplano constitucional” (item 13).
Outras normas invalidadas do Protocolo ICMS nº 21/2011 estão presentes no Convênio ICMS nº 52/2017.
II Clausulas 10ª, 11ª, 12ª e 14ª
Cláusula décima A base de cálculo do imposto para fins de substituição tributária em relação às operações subsequentes será o valor correspondente ao preço final a consumidor, único ou máximo, fixado por órgão público competente.
Cláusula décima primeira Inexistindo o valor de que trata a cláusula décima, a base de cálculo do imposto para fins de substituição tributária em relação às operações subsequentes corresponderá, conforme definido pela legislação da unidade federada de destino, ao:
I – Preço Médio Ponderado a Consumidor Final (PMPF);
II – preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador;
III – preço praticado pelo remetente acrescido dos valores correspondentes a frete, seguro, impostos, contribuições e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, ainda que por terceiros, adicionado da parcela resultante da aplicação sobre o referido montante do percentual de Margem de Valor Agregado (MVA) estabelecido na unidade federada de destino ou prevista em convênio e protocolo, para a mercadoria submetida ao regime de substituição tributária, observado o disposto nos §§ 1º e 2º.
I – “MVA ajustada” é o percentual correspondente à margem de valor agregado a ser utilizada para apuração da base de cálculo relativa à substituição tributária na operação interestadual;
II – “MVA-ST original” é o coeficiente correspondente à margem de valor agregado estabelecida na legislação da unidade federada de destino ou previsto nos respectivos convênios e protocolos;
III – “ALQ inter” é o coeficiente correspondente à alíquota interestadual aplicável à operação;
IV – “ALQ intra” é o coeficiente correspondente à alíquota interna ou percentual de carga tributária efetiva, quando este for inferior à alíquota interna, praticada pelo contribuinte substituto da unidade federada de destino.
(os §§ 9º e 10 foram acrescidos Conv. ICMS 108/17)
Cláusula décima segunda Tratando-se de operação interestadual com bens e mercadorias submetidas ao regime de substituição tributária, destinados a uso, consumo ou ativo imobilizado do adquirente, a base de cálculo do imposto devido será o valor da operação interestadual adicionado do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna a consumidor final estabelecida na unidade federada de destino para o bem ou a mercadoria e a alíquota interestadual.
Cláusula décima quarta O imposto a recolher por substituição tributária será:
I – em relação às operações subsequentes, o valor da diferença entre o imposto calculado mediante aplicação da alíquota estabelecida para as operações internas na unidade federada de destino sobre a base de cálculo definida para a substituição e o devido pela operação própria do contribuinte remetente;
II – em relação aos bens e mercadorias submetidas ao regime de substituição tributária destinados a uso, consumo ou ativo imobilizado do adquirente, o valor calculado conforme a fórmula “ICMS ST DIFAL = [(V oper – ICMS origem) / (1 – ALQ interna)] x ALQ interna – (V oper x ALQ interestadual)”, onde:
A cláusula 10ª dispõe que a base de cálculo, para o efeito de substituição tributária em relação às operações subsequentes, será o valor correspondente ao preço final a consumidor, único ou máximo fixado pelo órgão competente. Contém, portanto, uma delegação legislativa contrariando o inciso III, do art. 146 da CF que coloca sob reserva de lei complementar a definição da base de cálculo.
A cláusula 11ª, por sua vez, prescreve que na ausência de valor fixado na forma da cláusula antecedente, a base de cálculo para fins de substituição tributária em relação às operações subseqüentes corresponderá ao Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final – PMPF; ao preço final a consumidor sugerido pelo fabricante; ou ao preço praticado pelo remetente acrescido de valores correspondentes a fretes, seguros, impostos, contribuições e outros encargos transferíveis ou cobrados, tudo de conformidade com o definido pela legislação da unidade federada de destino.
A cláusula 12ª, a seu turno, determina que em caso de bens e mercadorias destinados a uso, consumo ou ativo imobilizado, a base de cálculo para fins de substituição tributária será o valor da operação interestadual adicionado do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna a consumidor final estabelecido na unidade federada de destino para o bem ou a mercadoria e a alíquota interestadual.
Por fim, a cláusula 14ª disciplina o recolhimento do imposto por substituição tributária, distinguindo as operações interestaduais realizadas entre contribuintes das operações interestaduais destinadas a uso, consumo ou ativo imobilizado do adquirente, definindo os respectivos critérios por meio de normas confusas de acentuado sadismo burocrático.
Pois bem, é de se lembrar que na visão atual do STF o princípio da reserva legal é flexibilizado, permitindo-se a delegação a ato normativo infralegal para fixação do valor do tributo em proporção razoável com o custo da atuação estatal, como acontece com as taxas de polícia. Dessa forma, o princípio da reserva legal na atual jurisprudência do STF não é absoluto, admitindo-se uma “legalidade suficiente” dependendo sua maior ou menor abertura da natureza e da estrutura do tributo a que se aplica (RE nº 838.248-SC, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 22-9-2017).
Todavia, as cláusulas sob análise não se enquadram na flexibilização de matéria coberta pelo princípio da reserva legal, como na hipótese tratada no RE nº 832.148-SC retro examinada, à medida que essas cláusulas, ao estabelecer a base de cálculo do imposto nas operações de substituição tributária para frente, introduzem requisitos próprios que conflitam com o direito tributário legislado dos Estados, como se os preceitos legais estaduais devessem se conformar com as normas convencionais. Inverte, pois o princípio da hierarquia vertical das leis. Repita-se, convênio é instrumento normativo subalterno, infralegal, editado pelo Confaz, um órgão que sequer tem base legal, mas que vem se agigantando ao longo do tempo usurpando as funções legislativas do Congresso Nacional.
III Cláusulas 13ª, 24ª e 26ª
Cláusula décima terceira O imposto devido por substituição tributária integra a correspondente base de cálculo, inclusive na hipótese de recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna da unidade federada de destino e a alíquota interestadual.
Cláusula vigésima quarta A MVA será fixada com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou por dados fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados.
I – identificação da mercadoria, especificando suas características particulares, tais como: tipo, espécie e unidade de medida;
II – preço de venda no estabelecimento fabricante ou importador, acrescido dos valores correspondentes a frete, seguro, impostos, contribuições e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, ainda que por terceiros, excluído o valor do ICMS relativo à substituição tributária;
III – preço de venda praticado pelo estabelecimento atacadista, acrescido dos valores correspondentes a frete, seguro, impostos, contribuições e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, ainda que por terceiros, excluído o valor do ICMS relativo à substituição tributária;
IV – preço de venda praticado pelo estabelecimento varejista, acrescido dos valores correspondentes a frete, seguro, impostos, contribuições e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, ainda que por terceiros.
Cláusula vigésima sexta A pesquisa para obtenção da MVA ou do PMPF observará, ainda, o seguinte:
I – não serão considerados os preços de promoção, bem como aqueles submetidos a qualquer tipo de comercialização privilegiada;
II – sempre que possível, considerar-se-á o preço de mercadoria cuja venda no varejo tenha ocorrido em período inferior a 30 (trinta) dias após a sua saída do estabelecimento fabricante, importador ou atacadista;
III – as informações resultantes da pesquisa deverão conter os dados cadastrais dos estabelecimentos pesquisados, as respectivas datas das coletas de preços e demais elementos suficientes para demonstrar a veracidade dos valores obtidos.
A cláusula 13ª determina a inclusão do valor do ICMS em sua própria base de cálculo, inclusive na hipótese de recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alpíquota interna da unidade federada de destino e a alíquota interestadual.
A cláusula 24ª, por sua vez, dispõe sobre regras de fixação da margem de valor agregado – MVA – considerando os valores usualmente praticados, obtidos por levantamentos, ainda que por amostragem ou por dados fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados.
Por derradeiro, a cláusula 26ª traça os critérios para a pesquisa com vistas à obtenção da margem de valor agregado – MVA – ou do preço médio ponderado a consumidor final – PMPF, facultada à unidade federada o estabelecimento de outros critérios para a fixação da MVA ou do PMPF. Como prescrito na cláusula 11ª a MVA e o PMPF são utilizados para o encontro do valor da base de cálculo nas operações sujeitas à substituição tributária, sempre que inexistente o valor correspondente ao preço final a consumidor, único ou máximo, fixado por órgão público competente conforme dispõe a cláusula 10ª.
Quanto à inclusão do valor do ICMS em sua própria base de cálculo, por si só, nada temos a objetar à vista da jurisprudência tranquila e pacífica do STF (RE n٥ 21.209-RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 24-2-2003; RE nº 212.209, Relo. Min. Nelson Jobim, DJ de 14-2-2003; AI nº 397.743-AgRg, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 18-2-2005; AI nº 413.753-AgRg, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 15-10-2004). Finalmente, o tema foi decidido definitivamente em recurso extraordinário onde se reconheceu a existência de repercussão geral da controvérsia constitucional suscitada, fixando a tese da legitimidade da cobrança do ICMS incluindo o montante desse imposto em sua base de cálculo, conforme RE nº 582.461, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 18-8-2011.
Além do mais, a EC nº 33/01 veio explicitar a tributação por dentro ao acrescentar a letra i ao inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF para consignar a fixação da “base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço”. O advérbio também está a significar que nas demais operações (operações internas) o ICMS integra a sua base de cálculo. Constitucionalizou-se, dessa forma, a tributação por dentro que vinha sendo debatida pela doutrina e jurisprudência.
Entretanto, a incidência do ICMS nas operações de substituição tributária pela forma preconizada nas cláusulas sob comento (tributação por dentro sobre a base de cálculo definida a partir da MVA) não encontra guarida na ordem jurídico-constitucional, nem na jurisprudência do STF retro apontada. Tal forma de calcular o imposto conduz à dupla tributação afrontando os princípios constitucionais da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), da legalidade tributária (art. 150, I), e o da não cumulatividade (art. 155, § 2º, I).
Realmente, pelas prescrições das cláusulas sob exame haverá incidência, tanto no valor originariamente adicionado à mercadoria utilizada como base de cálculo da MVA, quanto na própria aferição do imposto incidente sobre a substituição tributária objeto do convênio aqui comentado.
4 Suspensão dos efeitos das cláusulas apontadas
Pelas razões retro expostas, como medida de preservação da efetividade da futura decisão a ser proferida na ADI aflorada pela CNI, ante a manifesta dificuldade de reversão dos efeitos das medidas impugnadas, a Ministra Presidente do STF, por decisão datada de 27-12-2017, acolheu parcialmente ao pleito da autora para suspender os efeitos das cláusulas 8º, 9º, 10ª, 11ª, 12ª, 13ª, 14ª, 16ª, 24ª e 26ª do Convênio ICMS nº 52/17 celebrado pelo Confaz.
O pedido de liminar abrangia, também, as cláusulas 3ª e 27ª. A cláusula terceira determina a aplicação dos termos do Convênio sob análise a todos os contribuintes do ICMS, optantes ou não pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional – instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. A cláusula vigésima sétima, a seu turno, dispõe que a unidade federada poderá autorizar que a pesquisa para obtenção da MVA ou do PMPF poderá ser realizada por instituto, órgão ou entidade de reputação idônea, desvinculado da entidade representativa do setor.
Como se verifica, essas duas cláusulas perdem a aplicabilidade como decorrência da suspensão dos efeitos das dez cláusulas fulminadas por decisão cautelar.
4 Considerações finais
O Convênio examinando reveste-se de uma complexidade impar, com formulação de normas elaboradas com inusitado sadismo burocrático, tornando penoso o trabalho do contribuinte no cumprimento de suas obrigações tributárias. São instrumentos normativos da espécie que contribuem para afastar o nosso país do mercado de concorrência internacional, onerando excessivamente o custo das mercadorias e dos serviços anulando os efeitos dos incentivos fiscais voltados para a exportação ao exterior.
Por mais simples que seja a estrutura de um tributo, a fome na sua arrecadação intempestiva acaba por tornar caótica a legislação de regência. É como forçar a galinha a botar os ovos antes do tempo. Antes, os tributos eram arrecadados decorridos noventa dias fora o mês. Ao depois, se foi encurtando o prazo de recolhimento para 60, 30, 15 dias e no final de cada mês. Agora, partiu-se para a arrecadação antecipada, isto é, antes da ocorrência do fato gerador, por meio da criativa figura da substituição tributária para frente que liquida com a teoria jurídica do lançamento, provocando uma absurda inversão no tempo.
Como não é possível identificar a base de cálculo do imposto (preço da compra e venda de mercadorias e da prestação de serviços) sem a prévia ocorrência concreta do fato gerador, os astutos burocratas do governo engendraram a figura da base de cálculo presumida que foi transposta para o texto constitucional com o nome de fato gerador presumido (§ 7º, do art. 150 da CF). Mais de uma década foi consumida pela jurisprudência até distinguir uma coisa da outra e, finalmente, determinar a restituição da diferença resultante do emprego da base de cálculo presumida para efeito de tributação antecipada, e aquela que resultou da efetiva transação mercantil. Por mais de uma década os contribuintes substituídos arcaram com prejuízos por conta da confusão entre o aspecto nuclear do fato gerador e o seu aspecto quantitativo que varia em cada etapa de circulação da mercadoria. Até então sustentava-se que se o fato gerador ocorreu, não há que se falar em restituição.
Essa antecipação da arrecadação tributária, que é objeto de normatização pelo Convênio impugnado no âmbito das operações interestaduais do ICMS, torna o sistema tributário complexo, dúbio e inseguro, além de concorrer para a perda de 2.600 horas anuais para o contribuinte brasileiro cumprir as suas obrigações tributárias principais e acessórias.
É preciso colocar um ponto final nas imaginações criativas dos burocratas do governo que agem na contramão do princípio da razoabilidade, afrontando a própria racionalidade ao tributar movimentações econômicas que ainda não aconteceram e que podem não vir a acontecer no futuro. Como é possível colocar na base de cálculo do imposto o valor do imposto que seria devido, se e quando ocorrer no mundo fenomênico uma situação capaz de desencadear a incidência tributária? Nem um experimentado vidente ou um tarólogo ou cartomante profissional seria capaz de verificar com exatidão o valor das transações futuras. Somente uma transação comercial concretamente ocorrida pode representar signo presuntivo de riqueza a legitimar a incidência do imposto. Ao se perder a noção de bom senso no manejo de instrumentos tributários logo estaremos tributando operações comerciais imaginárias, com base no plano de atividades ou de expansão de atividades da empresa para o exercício seguinte, quando, então, uma parafernália de normas epidérmicas deverão regular uma maneira de dimensionar o valor dessas transações do futuro remoto. Por mais inteligente que seja o burocrata, autor da elaboração dessas normas para regular as transações econômicas do futuro, com vistas à arrecadação antecipada, não terá como evitar erros, imprecisões e confusões tornando o tributo, que expressa um conceito determinado de direito, em um conceito aberto e indeterminado. Logo estaremos sob o domínio do caos tributário.
Tudo isso decorre da absoluta incapacidade dos governantes de conter as despesas correntes. Para atender a demanda dessas despesas, que sustentam o governo, inúmeras medidas são implementadas: (a) a espiral da carga tributária por “n” mecanismos, dentre os quais, o espelhado neste Convênio sob comento, seguido da contraditória desoneração tributária por incontáveis incentivos e benefícios fiscais à margem dos princípios da generalidade e da universalidade da tributação; (b) reformas para diminuir os benefícios sociais, ao invés de aumentar aos poucos ao longo do tempo; (c) o desmonte sistemático da LRF e do Orçamento Anual por meio da DRU, um cancro implantado no seio da LOA que de 20% passou para 30% de desvinculação do produto de arrecadação de todo tributo federal (pretende-se, agora, aumentar esse percentual para 50%); (d) está em cogitação do governo a apresentação de uma PEC para permitir a emissão de moeda com a finalidade de custear as despesas correntes. No setor privado, quando se começa contrair dívidas para pagar a folha significa o começo do fim irreversível. Mas, o governo nunca vai a falência, porque sempre há meios de coação cada vez mais violentos para a transferência de riquezas produzidas por particulares. A emissão de papel moeda para fazer face às despesas correntes, notadamente, as de custeio, se vier a ocorrer, certamente, irá reativar o processo inflacionário da década de oitenta e início da década de noventa que custou caro à sociedade brasileira.
Enfim, as normas orçamentárias de natureza constitucional ou infraconstitucional sofreram esvaziamento total passando a ser o Orçamento Anual uma mera formalidade constitucional que poderá ser aprovado até mesmo depois de exaurido o exercício a que se refere. Lembro-me que o orçamento anual de 1994 foi aprovado no apagar das luzes, pela Lei nº 8.933 de 9 de novembro de 1994. Os orçamentos anuais de 2000 e 2006, por sua vez, só foram aprovados em maio dos exercícios a que se referem, e o de 2015 foi aprovado somente em 20 de abril de 2015. Não raras vezes, a LDO, que tem por uma das finalidades a de orientar a elaboração da proposta orçamentária anual, é aprovada quase que concomitantemente com a LOA. Quem estiver no comando do governo poderá ir gastando e arrecadando à sua discrição: nada de prever para prevenir; nada de PPA, de LDO e de LOA que não passam de figuras decorativas.
Mas, pergunta-se, tudo isso é culpa do Presidente da República? Claro que não! Qualquer que venha ser o Presidente a ser eleito em 2018 terá que conviver com esse sistema presidencialista de coalizão, vale dizer, será prisioneiro de 28 partidos com representação no Congresso Nacional, alguns deles, “partidos nanicos”, em que um determinado parlamentar torna-se líder de si próprio. Parece piada, mas é assim mesmo! O brocardo cunhado pelo Presidente Sarney “é dando que se recebe” vigora até os dias de hoje, talvez com intensidade maior do que no passado, e com a diferença de que hoje dá-se muito mais do que o governo recebe em troca.
É preciso mudar, e mudar com urgência, implantando o sistema parlamentarista de governo que está na base da Constituição de 1988, repentinamente torpedeada e convolada em sistema presidencialista de governo por mera conveniência daqueles que se estavam no poder.
SP, 8-1-18.
[1] Insere na competência da lei complementar a regulamentação da forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
[2] h – definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b.
[3] ADI nº 5866-DF.
NOVO ENDEREÇO
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Vila Mariana – CEP: 04035-001