Uma cidade endinheirada e desgovernada

O Município de São Paulo detém o 6º maior orçamento do País. Seu orçamento para o exercício de 2014 é de R$ 50.569.325.587 bilhões. Só ficou abaixo do orçamento da União (2.488 trilhões) e dos orçamentos dos Estados de São Paulo (189.112.038.732 bilhões), do Rio de Janeiro (75.9 bilhões), de Minas Gerais (75.016.225.348 bilhões) e do Rio Grande do Sul (51.02 bilhões). Fechou o exercício de 2013 com saldo em caixa no valor aproximado de R$ 9 bilhões, sendo que R$ 6,2 bilhões correspondem ao saldo recebido da administração anterior.

Só que faltam recursos para setores vitais da sociedade: saúde, educação, creches etc. Na verdade, os recursos financeiros disponíveis não são aplicados nesses setores. Em algumas dotações nenhum centavo foi gasto no exercício de 2013.

As verbas orçamentárias fixadas nas diversas dotações não estão sendo executadas senão de forma parcial. Isso revela absoluta falta de capacidade administrativa do governo municipal. Não há planejamento; não há programas de governo a serem executados pelo emprego de recursos financeiros fixados na Lei Orçamentária Anual. Não há política fiscal definida, articulando a arrecadação tributária com os gastos públicos de forma mais racional e eficaz possível. Reina uma confusão enorme na esfera da política econômico-financeira do Município.

Perdeu-se a noção de receita tributária enquanto fonte principal e regular de receita pública destinada ao atendimento das finalidades do ente político, dentre as quais avultam a implementação da política sócio-educativa e de saúde.

Não existe e nem pode existir impostos vinculados ao atendimento das camadas populacionais x, y ou z, nem para atendimento desses ou daqueles setores de atividade, ressalvadas as hipóteses constitucionais expressas.

Os recursos provenientes de impostos devem ser aplicados integralmente na concretização do programa governamental refletido na Lei Orçamentária Anual. Logo, a política de inclusão social deve ocorrer pelo mecanismo de direcionamento das despesas públicas por conta das receitas públicas, dentre as quais as receitas tributárias arrecadadas segundo os princípios constitucionais tributários.

Utilizar o imposto como instrumento de política social, como aconteceu com a Lei nº 15.889/13 que elevou o IPTU em até 35% para o exercício de 2014 e em até 15% para os exercícios subsequentes para poder conceder isenção tributária para os proprietários de imóveis de valores modestos não é a solução mais adequada. Essa Lei foi suspensa por decisão liminar do Tribunal de Justiça na ADI impetrada pela Fiesp e demais entidades.

Tirar de parcela ponderável dos contribuintes, além de sua capacidade contributiva para supostamente favorecer outra parcela de contribuintes, proprietários de imóveis modestos, não é a forma correta de inclusão social. Nada assegura que os proprietários de imóveis modestos são os que têm menos poder aquisitivo. Muitos que têm baixo poder aquisitivo vivem de prédios locados (residenciais e comerciais) e acabam suportando o encargo financeiro do IPTU por força contratual. Lembro-me, ainda, que no governo de Dª Erundina, quando se isentou do IPTU os imóveis situados na periferia de valor equivalente a até X UFM atraiu-se os ricos especuladores imobiliários para as regiões periféricas. Adquiriram milhares de lotes e glebas urbanas empurrando os pobres para áreas cada vez mais distantes do centro. O que é pior, esses empresários procederam a desmembramentos em pequeninos lotes revendidos aos incautos compradores humildes, dando origem a dezenas de loteamentos clandestinos, que levaram anos para serem regularizados pela Prefeitura, a custos bastante elevados, mediante mobilização da Polícia, do Ministério Público, da Secretaria da Habitação, da Procuradoria Judicial e da Câmara Municipal. Por meio da utilização de instrumento tributário, inadequado para a implementação de uma política de favorecimento da camada humilde da população, a administração municipal, em que pese a sua boa intenção, havia criado um problema social gravíssimo, antes inexistente pelo menos na escala alcançada na década de 90.

Por isso, a inclusão social deve ser feita por meio de programas de governo a serem executados pelas Secretarias competentes mediante a utilização de verbas orçamentárias. Se pudesse vincular parte do produto de arrecadação de impostos a órgão, fundo ou despesa, e o art. 167, IV da CF veda isso, qualquer curioso poderia governar a cidade. A cidade precisa de um estadista para utilizar de forma mais racional e eficaz possível os vultosos recursos financeiros transferidos do setor privado. Cada centavo retirado compulsoriamente significa menos oxigênio para a iniciativa privada. Por isso, verbas ociosas ou mal empregadas configuram um verdadeiro atentado ao setor produtivo que faz a grandeza do nosso País.

Tamanha a balbúrdia reinante na cidade de São Paulo no que diz respeito à administração financeira que o Tribunal de Justiça, em recente decisão, chegou a determinar que a Prefeitura abra 105 mil vagas em creches e 150 mil vagas em educação infantil até o ano de 2016. Estipulou o prazo de 60 dias para apresentação de um plano para a criação dessas vagas, sendo que 50% delas devem ser atendidas nos próximos 18 meses.

Trata-se de uma orientação e contribuição do Judiciário, com sentido de obrigatoriedade, para a elaboração de um programa de governo para as áreas educacional e social. Essa “orientação” é inusitada no âmbito da Prefeitura de São Paulo. Nem no governo de Dª Erundina, então filiada ao PT, isso aconteceu, salvo a declaração de inconstitucionalidade do IPTU progressivo pelo STF, pois a progressividade prevista era tão atabalhoada quanto ao IPTU progressivo da Lei nº 15.889/13 suspensa por decisão liminar do Tribunal de Justiça. Essa confusa modalidade de regressão e de progressão do IPTU, mediante introdução de fatores de desconto e de acréscimo em função do valor venal do imóvel que não obedece ao princípio da isonomia, tem origem na Lei nº 13.250/01 editado no governo Marta Suplicy, também, filiada ao PT, que reintroduziu a confusa progressividade abolida pelo governo de Paulo Maluf.Coincidência ou não, parece que os governantes do PT gostam de complicar o IPTU, um imposto dos mais simples, consistente na aplicação direta da alíquota sobre a base de cálculo que é o valor venal calculado com fundamento nas PGVs aprovadas por lei. A progressividade desse imposto, prevista na EC nº 29/00, consiste na graduação de alíquotas à medida da elevação do valor venal do imóvel, tal como acontece com o imposto de renda de pessoas físicas que no passado chegou a ter treze faixas. Tudo muito simples e transparente! Nada tem a ver com o nebuloso critério de “tira e põe” depois de ultimado o lançamento tributário na forma do art. 142 do CTN.

Aquela decisão do Tribunal de Justiça determinando a abertura de vagas para creches e escolas infantis obrigará o Município a conferir destinação pública aos 9 bilhões aplicados no mercado financeiro. O Estado de São Paulo do dia 5-1-2014, p. B1 noticiou, com base nos PIBs dos municípios de 2011 divulgados pelo IBGE, o superávit orçamentário do Município de São Paulo da ordem de 62 bilhões[1] no aludido exercício. O superávit orçamentário tem origem, pois, no governo ou governos anteriores.

A mídia divulgou queixas da Prefeitura segundo as quais a suspensão do aumento do IPTU implicará perdas de bilhões para melhoria do transporte coletivo com a implantação de mais corredores de ônibus. Aqui a confusão é ainda maior. Em primeiro lugar, esses bilhões se referem as “perdas” de arrecadação dos exercícios de 2015 em diante. No exercício de 2014 as “perdas” ficaram em 806 milhões. Em segundo lugar, os bilhões a serem aplicados não são para pintar as faixas exclusivas para ônibus, tornando cada vez mais caótico o trânsito na capital com o amontoado de automóveis e táxis, estes últimos, igualmente concessionários de serviço público. Nem faixas de ouro custariam tanto.[2] Trata-se, na verdade, de subsídios à tarifa de ônibus concedidos aos ricos empresários de transportes coletivos. No PPA de 2014-2017 estão previstos subsídios tarifários da ordem de 7 bilhões. É muito dinheiro!

O baronato de ônibus teve início com a municipalização dos serviços do transporte coletivos de passageiros no governo de Dª Erundina, que à época pertencia aos quadros do PT, consistente na remuneração do empresário do ônibus por quilômetro rodado. Esse critério remuneratório não encontra amparo na Constituição Federal que confere ao setor de transporte coletivo de passageiros o caráter essencial.

Foi combatido pelo governo Maluf que chamava essa forma de remuneração de capitalismo sem risco. A resistência do baronato foi de tal ordem que o Prefeito desistiu da briga e o sistema perdura até hoje, com pequenas alterações traduzidas por subsídios mensais. Essa herança vai um dia acabar com a cidade de São Paulo.

Com mais faixas exclusivas os ônibus ganharão mais velocidade e, por conseguinte, faturarão mais e mais. Podem até aumentar o número de ônibus ociosos em circulação, sem a menor preocupação com os horários de picos e horários ociosos. Enquanto isso, os automóveis e táxis continuarão enfrentando filas quilométricas. Como eles não se locomovem ou se locomovem de forma quase invisível só falta a Prefeitura confundi-los com bens imóveis e sobre eles lançar o IPTU como disse o jurista Ives Gandra no programa intitulado “Anatomia do Poder” durante uma entrevista a que compareci, no final de novembro de 2013.

Como é possível a maior e a mais rica cidade do Brasil continuar sem saber o que fazer com os recursos financeiros arrecadados da sociedade? O Jornal o Estado do dia 7-1-2014 noticia informação dada pela Prefeitura de que a falta de recursos financeiros obrigará fazer “cortes” orçamentários da ordem de 4 bilhões fazendo alusão à suspensão do aumento do IPTU. Como é possível que a não realização da receita de 800 milhões em virtude da liminar concedida implicar necessidade de “cortar” 4 bilhões? No meu tempo de ginasial a matemática era outra. Na matemática da Prefeitura 800 milhões a menos na arrecadação tributária acarretará o corte equivalente ao quíntuplo nas despesas. Há algo de errado nessa matemática.

De duas uma: ou o orçamento elaborado pelo Executivo e aprovado pela Câmara Municipal mediante apreciação de nada menos de 5.127 emendas é fictício, ou, não existe um plano de governo a ser executado pelo emprego de recursos previstos no orçamento. Qualquer que seja a hipótese é muito ruim para a populosa São Paulo. Houve época no passado não muito remoto que se falava em formação de um governo paralelo para acompanhar a ação do governo oficial. Essa ideia deveria ser implementada no momento atual.

Se o governante não possuir o dom da administração pública é hora de acercar-se de assessores que entendam da matéria. É o que um bom político tem feito ao longo do tempo. Já tivemos Prefeitos bacharel em direito, engenheiro, economista e até sexólogo. Ninguém nasce governante. É preciso ter vontade política, humildade e aprender com quem entende de administração pública que é diferente da administração privada.

Com humildade e boa vontade política tudo é possível. Na base do grito e da falácia nada se aprende e nada se constrói.

[1] Acreditamos que o valor correto seja de 6.2 bilhões, pois o Município de São Paulo nunca chegou a ter um orçamento da ordem de 62 bilhões.

[2] Sabe-se que a maioria dos corredores de ônibus limita-se a simples pintura de faixa branca ao longo das vias públicas existentes.

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