A questão das embalagens personalizadas por encomenda já estava praticamente pacificada nos tribunais quanto à incidência apenas do ISS na composição de serviços gráficos personalizados. E dúvida não há que a embalagem personalizada exige a prestação do serviço gráfico personalizado que tem previsão no subitem 13.05 da lista de serviços anexa à LC nº 116/03.
O STF já havia decido reiteradamente pela incidência apenas do ISS no caso como se depreende dos Acórdãos proferidos nos autos dos RREE ns. 92.927, 95.954, 101.346, 102.482, 102,608 e 102.948. O STJ, por sua vez, sumulou a matéria sob nº 156, segundo a qual “a prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS”.
Na esfera do Tribunal do Justiça do Estado de São Paulo, também, acolheu-se a tese pela incidência apenas do ISS na produção de embalagem de papelão personalizada (Ap. Civ. n° 934.013.5/3, Rel. Des. Aroldo Viotti, J. 10-8-2009).
Realmente, na industrialização por encomenda não há produção em massa porque o produto encomendado não se presta à venda no mercado atacadista ou varejista. Serve apenas para o uso do encomendante.
Ocorre que, com a propositura da ADI n° 4389 pela Associação Brasileira de Embalagem houve novo entendimento ou flexibilização do entendimento anterior. É sintomático que a inicial dessa ADI preparada com muita habilidade prática não pede expressamente a sujeição ao ISS na produção de embalagem personalizada por encomenda como era de se esperar, mas pede genericamente que julgue “conforme os arts. 155, II e 156, II, da CF, a interpretação do conjunto normativo composto pelo art. 1°, caput, e § 2°, da LC n° 116/03, c.c. o subitem 13.05 da lista a ela anexa, que conclua pela incidência exclusiva do ICMS sobre a fabricação e circulação de embalagens.”
É elementarmente sabido que a produção e circulação de embalagem comum sujeita-se apenas ao ICMS porque ela é objeto de venda no mercado atacadista ou varejista. Porém, a embalagem que for personalizada somente servirá para o uso do encomendante, o que lhe retira a característica de mercadoria.
Todavia, o STF em sede de medida cautelar nos autos da ADI nº 4389[1] acolheu por unanimidade o entendimento que consagra a incidência apenas do ICMS na “industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria.”
Inquestionável que a embalagem personalizada não configura, por si só, uma mercadoria, porque ela não é objeto de venda, mas serve simplesmente para embalar o produto vendido. Portanto, para gerar crédito do ICMS decorrente do princípio da não cumulatividade aquela embalagem deverá ser considerada como insumo.
Mas o que é insumo? Pode-se dizer que é um bem ou serviço que é utilizado na produção de um outro bem ou serviço. Esse bem pode tanto ser consumido no processo de industrialização, como pode se integrar ao novo produto. É o conceito clássico de insumo.
Daí a dificuldade de considerar a embalagem personalizada como insumo, pois ela não integra a produção de mercadorias que as embala e muito menos é consumida no processo de industrialização. Seria então um insumo no processo de circulação de mercadoria? O conceito de insumo sempre esteve ligado à atividade produtiva (industrial ou agrícola).
Conforme salientado pelo Min. Joaquim Barbosa, Relator da ADI nº 4389, “a evolução social, técnica e científica tende a tornar obsoletos conceitos há muito tidos como absolutos, … o que provoca um verdadeiro desafio ao legislador e ao Judiciário, na medida em que exigem novos paradigmas para calibrar a carga tributária de acordo com a expressão econômica das atividades, sem serem dissipadas ou exasperadas por puros formalismos.” Verifica-se, então, que não se deve espantar-se com a ideia de insumo no processo de circulação de mercadorias. Aliás indissociável a ideia de circulação com a de produção. À produção de determinado produto segue-se a sua circulação até o consumidor final.
Portanto, se determinada embalagem for necessária para fazer circular uma mercadoria ela será um insumo. Não se pode colocar no mercado, por exemplo, um sabão em pó sem a respectiva embalagem, nem comercializar remédios sem embalagens até mesmo para efeito de segurança do produto e exigência da Anvisa. Em todas essas hipóteses, não importa se a embalagem ostenta ou não a marca da empresa encomendante. É relevante juridicamente apenas o fato de que essa embalagem integra o processo de circulação de mercadoria. Pode-se dizer que o encomendante, no caso, celebrou com o estabelecimento produtor um contrato que tem por objetivo a obrigação de dar, e não um contrato que tem por escopo a obrigação de fazer (serviço gráfico personalizado). Por isso, a quantidade de embalagens, nesse caso, será sempre considerável, havendo uma verdadeira produção em escala industrial.
Todavia, essa tese não pode ser generalizada para excluir sempre a incidência do ISS, da mesma forma que a composição gráfica personalizada não pode ser generalizada para excluir a incidência do ICMS/IPI em todas as situações.
A generalidade das embalagens personalizadas para embalar produtos vendidos por supermercados, por exemplo, não configuram mercadorias, pois não se caracterizam como insumos a medida que a comercialização de produtos por supermercados não implica a utilização necessária daquelas embalagens. Outrossim, essas embalagens não têm um preço ao consumidor, tanto é que o preço de produto adquirido no supermercado é rigorosamente igual, com ou sem fornecimento de embalagem.
Lembre-se que houve época que em São Paulo, muitos dos supermercados não mais estavam fornecendo as embalagens plásticas personalizadas por razões de ordem ecológica. Cada interessado era obrigado a providenciar os meios mais cômodos de transportar as mercadorias adquiridas.
É de capital importância para efeitos jurídicos a distinção entre a utilização do produto industrializado para uso próprio (calendários, folhinhas, cartões de visita etc.) e o produto industrializado para embalar produtos que não podem ser comercializados sem embalagem. Nesse último caso, o consumidor final não é o encomendante, mas o adquirente do produto embalado.
Verifica-se, portanto, que as construções teórico-doutrinárias e jurisprudenciais para se fixar na tese de incidência do ICMS na produção de embalagens personalizadas por encomenda não devem ser aplicadas indistintamente, devendo ser analisadas cada caso concreto. Esse parece ser o entendimento consagrado pela Corte Suprema em sede de medida cautelar, por decisão unânime do Plenário.
Finalmente, a criatividade do brasileiro acabou contornando a dúvida que ainda pudesse pairar a respeito à medida que passou a cobrar um valor simbólico pelas embalagens fornecidos no caixa de supermercados. Embora não estejam à venda nas prateleiras, como os demais produtos, a cobrança das embalagens caracteriza mercadorias.
* Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.