Embora não seja meu campo de atuação profissional, tenho constantemente procurado refletir sobre as grandes vertentes do convívio internacional à luz da Política, do Direito, da Economia, da Filosofia, da Sociologia e da Ciências Antecipatórias.
Ao fim desta introdução, transcreverei minha opinião sobre os desafios e eventuais soluções para a humanidade, no futuro, que podem parecer utópicas, mas que entendo de reflexão necessária para a sobrevivência da raça humana. A humanidade chegou ao limite de sua sobrevivência, pelo menos em termos de vida digna para o ser humano, visto que o mundo tem população superior a sua capacidade de manter-se em patamares mínimos de saudável convivência.
Lembro que a falta de estadistas a gerir o mundo, torna-o, hoje, de mais difícil integração, pois os políticos dirigentes mal controlam os movimentos dentro de seus próprios países, o que tem prejudicado uma atuação internacional de maior integração.
A América do Sul, que começa a libertar-se do populismo, responsável pelo atraso de seu desenvolvimento (Brasil, Argentina, Uruguai etc.), ainda convive com uma ditadura recém-instalada na Venezuela, que, quanto mais aprofunda a perseguição aos democratas que a combatem, mais afunda o país na miséria e recessão. A América Central ainda está com os rescaldos da ditadura cubana, que governa o país por uma eternidade, e da Nicarágua, cujo discurso ditatorial da esquerda cada vez convence menos, pelo seu notório fracasso provocado no Brasil, Argentina, e atualmente na Venezuela. Os países que mais têm evoluído na América são aqueles que se livraram do “distributivismo socialista” e da corrupção endêmica à esquerda, que assolaram suas economias, como ocorreu com Colômbia, Peru e México.
Os Estados Unidos internamente vão bem, pois Trump dedicou-se a garantir a América para os americanos, mas vive uma permanente tensão com outros países. Em relação à Europa, no concernente às difíceis relações com a Comunidade. Quanto a Ásia, com as ameaças, ainda retóricas, contra o jovem e imprevisível ditador da Coréia do Norte. O diálogo com a Rússia é complicado. Por outro lado, a derrota gradativa do Estado Islâmico não possibilitou convivência civilizada com os demais Estados de religião maometana.
Na África, os recém-independentes países do Século XX não deixaram de exteriorizar os conflitos tribais, em determinados momentos, mesmo que muitos deles tenham chegado a um nível importante de absorção dos princípios democráticos europeus. Restam Canadá, Austrália e Nova Zelândia, aparentemente fora dos grandes desafios que a própria Comunidade Europeia enfrenta, como a próxima e ainda não solucionada saída do Reino Unido da U.E.
Neste contexto, muitas vezes a democracia tem sido maltratada, o direito incapaz de dar as soluções necessárias e as integrações regionais vivendo um período sazonal, com altos e baixos, como se vê no Continente europeu e nas sanções aplicadas pelo Mercosul à Venezuela. A própria OEA tem condenado o desastroso governo do ditador Maduro.
Tenho a impressão que, na América Latina, se houver a estabilização brasileira, todos os países beneficiar-se-ão também de uma estabilidade maior, pois o PIB, nada obstante a crise, de um único Estado (São Paulo), é maior do que o 2º PIB da América do Sul, que é o da Argentina.
Para isto, o Brasil precisa implementar a reforma trabalhista recém-aprovada, aprovar as reformas previdenciária, tributária, política, administrativa e do judiciário, não com as tímidas soluções acertadas, mas com outras, mais ousadas, para que o ano de 2018 seja dedicado a sua concretização.
O certo é que temos tudo para sair da crise: inflação inferior a 3% ao ano, reservas internacionais ainda de 370 bilhões de dólares, balança comercial com superávit superior a 50 bilhões de dólares em 7 meses, juros decrescentes desde o início do Governo Temer, retomada do emprego e crescimento pequeno.
É bem verdade, também, que o déficit oficial ainda permanece elevado, com os privilégios dos super salários oficiais e das super aposentadorias dominando o cenário conturbado das contas públicas, em que os parlamentares percebem que, não aceitar uma redução de seus privilégios remuneratórios e previdenciários é, a longo prazo, provocar uma crise que poderá levar-nos ao drama vivido pela Venezuela.
Parlamentares, burocratas e sindicalistas, que sempre foram os mais beneficiados pelas estruturas e benesses oficiais, devem ter consciência de que chegou o momento de sacrificar um pouco de seus privilégios para o bem da nação. Se o fizerem, o país sairá da crise.
Isto posto, passo a enunciar as reflexões por mim tidas por necessárias, a que me referi no início:
OS GRANDES DESAFIOS
- SETE BILHÕES
Nosso planeta, como mostra Pikety, que há três séculos tinha 600 milhões de habitantes (1700), chega, em 2012, a sete bilhões. Se o mesmo ritmo continuar, o que é pouco provável, chegaremos a uma população de 70 bilhões, em 2.100[1].
Já considerando os 7 bilhões, há extrema dificuldade em manter tal população, muito embora haja uma taxa de decréscimo populacional na Europa e América do Norte, menor crescimento na América do Sul e na Ásia, mas o crescimento ainda é bem sentido na África.
Uma população de algumas centenas de milhões de pessoas, segundo Pikety, ainda vive na linha da miséria, muito embora, percentualmente, tenha caído o número dos que estão na extrema miséria, em relação aos séculos anteriores, graças ao aumento da qualidade de vida da humanidade em geral. A melhoria, todavia, na política de preservação das riquezas naturais, mas com exploração ainda predatória do planeta, em muitos segmentos, sem um sério trabalho na busca de soluções de resguardo, está levando a uma dificuldade crescente de resgate destas populações mais pobres. Com os fatores atuais de exploração do planeta terra, é impossível que tal população tenha igualdade de condições de vida, capaz de equiparação à da vida média dos americanos. Neste ambiente, a população de sete bilhões está condenada a viver, em sua grande maioria, uma subvida, com permanente deterioração de seu habitat[2][3]
II- MEIO AMBIENTE
A preservação do meio-ambiente tem sido mais teorizada do que efetivamente praticada. O aquecimento global, realidade tangível –e não, como pretendem alguns, episódio cíclico na existência da terra, com períodos de aquecimento e de esfriamento–, faz sentir na natureza reflexos, que os jornais noticiam diariamente. A preocupação de especialistas, inclusive movimentos extremos de ambientalistas, servem de alerta, sem, todavia, medidas emergentes e imediatas sejam tomadas, como se percebe, apesar do sucesso teórico da Eco Rio 92 e dos encontros posteriores. É que tornou-se difícil a aplicação de suas diretrizes, em face dos interesses econômicos envolvidos em sentido contrário e pela dependência de desenvolvimento global, que a exploração corrosiva de tais recursos naturais terminou por provocar. Neste sentido, há de se perceber que, não obstante os resíduos fósseis serem altamente poluentes, os benefícios pecuniários obtidos com a exploração do petróleo são de tal natureza, que continuam a servir de justificativa para que continuem sendo explorados, até mesmo em camadas nas quais o custo de extração é elevado (Mar do Norte – Pré-sal). E servem, inclusive, para guerras econômicas por preços, intentando a desestabilização de qualquer outra forma de exploração energética concorrente, como o xisto betuminoso[4]
O desflorestamento, a erosão, a eliminação de espécies, a queda da piscosidade do oceano e rios, tudo tem levado não só ao aquecimento global, mas, o que é pior, à eliminação de milhares de espécies que são de vital importância para a manutenção do equilíbrio ecológico em prol da humanidade. Todas as tentativas de todos os países até o presente são de uma insuficiência monumental, como Thomas Friedmann demonstra em seu livro, ao mostrar ser a terra um planeta “Quente, plano e lotado”.
III- A ESCASSEZ DE RECURSOS
Para que sete bilhões de pessoas, com tendência ao aumento de população, pudessem ter vida saudável no curto prazo, os recursos naturais deveriam ser preservados, pelo menos para conseguir-se
1) alimentar o mundo;
2) dar de beber às pessoas e animais;
3) obter energia suficiente e limpa[5]
O esgotamento da terra e dos mares, nada obstante a técnica de viveiros para peixes e de contingenciamento de pastos e áreas, na moderna agricultura, torna evidente que o desflorestamento é uma das causas do aumento da erosão e empobrecimento de valiosos nutrientes da terra.
O desflorestamento, por outro lado, acentua a redução da água e a emissão de CO2, principalmente pela não renovação florestal – as florestas jovens permitem uma renovação de ar maior do que as florestas antigas–, fenômeno que se vai fazendo mais escasso em muitas regiões, com o aumento do consumo e dificuldade de renovação. Estamos a caminho de uma crise sem precedentes, nas grandes cidades. A concentração da população mundial, para mudança do enfoque econômico, em que os serviços ultrapassam de muito o emprego na terra e na indústria, ao ponto de a economia europeia e americana terem mais de 70% de sua mão de obra neles alocada, concentrada nas cidades e não no campo, torna crescente o duplo problema de obtenção de alimento e água, pela incapacidade de a natureza renovar-se ao ponto de suprir o peso cada vez maior, sobre o mesmo solo, de uma população crescente e mais longeva[6]
E à nitidez, o próprio crescimento dos serviços em relação à indústria e a agricultura eleva a energia ao terceiro fator negativo a ser cuidado, enfrentando-se a monumental utilização das piores formas produtoras (petróleo) sobre as renováveis (eólica, solar e inclusive hídrica, que corre, todavia, o risco de ser atingida em sua importância, pela diminuição das fontes naturais, por força do desflorestamento e aquecimento global).[7] Prefiro não cuidar da energia nuclear, em face de haver, nesta undécima hora da história da humanidade, soluções de energias limpas e renováveis, sem os riscos de Chernobyl, Fukushima ou Three Mile Island.
Se não houver decisivo consenso mundial de tais problemas, apenas teorizados nos escritos de técnicos na defesa do meio ambiente, poderemos ultrapassar rapidamente o ponto de não retorno.
- O CONHECIMENTO
O homem conhece cada vez mais o mundo em que vive. Os meios de comunicação, de imediato, permitem-lhe apreender tudo o que ocorre no planeta e obter a informação que deseja, instantaneamente. As pessoas mais simples manejam seus equipamentos eletrônicos, muitas vezes com maior habilidade e suficiência que as pessoas cultas e intelectuais mais idosas, criadas em épocas anteriores à internet[8].
Tal conhecimento cria-lhes aspirações de qualidade de vida superior àquelas em que um mundo, doente e em conflito, podem permitir. Há um profundo hiato entre o que desejam e o que obtém, entre o que desejam e o que podem conseguir, entre o que consideram seu direito –muitas vezes sem noção de deveres— e aquilo que, com direitos, podem exercer[9].
Tal conflito permanente individual e coletivo termina por gerar revoltas, em que os descontentes, conhecedores dos avanços da tecnologia, repudiam os que a controlam, reprovando o que não querem, sabendo o que querem, mas não sabendo como fazer para que o que querem possa se tornar realidade. Até por força do desconhecimento da História, do Estado, da Filosofia, do Direito e da política de convivência entre os Estados (lato senso falando) no concerto mundial.
Tal permanente tensão gera, por decorrência, uma dificuldade de convivência individual, coletiva e internacional entre as pessoas, os povos e as culturas.
Há constante insatisfação de todos, assim como a certeza de que, apesar dos benefícios do aumento de tecnologia, não diminuirá a frustração dos que dela não se beneficiam.
Tal elemento conflitual e crescimento de progressão geométrica e não aritmética é outro fator de intensa preocupação, nos desafios do Estado futuro.
- A CONVIVÊNCIA DE ESTILOS
Cada povo tem sua cultura, sua maneira de ser, sua formação e seus valores. Quanto mais avança em conhecimento, mas mantêm sua maneira de ser. Por isto, o diálogo com os outros povos poderá ser mais ou menos difícil, dependendo da capacidade de buscar o entendimento[10].
A história tem demonstrado que as dificuldades no diálogo são sempre maiores do que as facilidades, pois a tendência humana, através dos últimos seis mil anos, é o estilo de predomínio do mais forte, daquele povo mais poderoso, econômica e militarmente. Fazem, estes povos, portanto, prevalecer suas ideias e seu estilo, provocando, quando valores democráticos não são respeitados, reações naturais do povo submetido. Hart, em seu livro “O conceito do Direito”, mostra a dificuldade de o povo dominado aceitar o domínio do dominador, só o obedecendo pela força, mas sempre com sonhos de retomada[11].
Em outras palavras, em uma população cada vez mais complexa, distinta em valores e maneiras de ser, com maiores conhecimentos da realidade, a convivência de estilos e culturas exigiria um superior espírito democrático de compreensão e tolerância de teorias alheias. Infelizmente, falta no mundo esse espírito, sendo o episódio do atentado à liberdade de imprensa –no caso, uma imprensa irresponsável— a demonstração clara de que estamos ainda muito longe de o compartilhamento de estilos ser uma realidade[12]
- O TERRORISMO
Esta é uma mancha permanente na história da humanidade. Os inocentes pagam pelos preconceitos, ódios, convicções desvairadas dos que querem impor sua opinião aos outros, de maneira violenta. O próprio governo brasileiro foi integrado por guerrilheiros –alguns foram terroristas— cujos atos que remontam aos tempos em que pretendiam substituir uma ditadura militar por uma ditadura no estilo de Fidel, negaram-se a apurar[13].
O terrorismo, normalmente, enquanto instrumento de descontinuidade e de reação dos mais fracos, é a forma que determinados grupos encontraram para enfrentar aqueles que, militarmente, são mais fortes. Bush, na tentativa de derrubar Saddam — ironicamente, era o único governo islâmico que não permitia o terrorismo, para não ser derrubado—desencadeou, após o episódio das Torres Gêmeas, uma reação xenofóbica, violenta, desarrazoada, fanática contra o Afeganistão e Iraque, na caça de radicais islâmicos. Estes financiados, em parte por recursos decorrentes de petróleo, em parte por lavagem cerebral de seus seguidores –-segundo os quais matar seus semelhantes que pensam diferentemente é forma de agradar a Alá e Maomé–, estão a demonstrar a dificuldade de diálogo, em que a intolerância dos mais fortes e o radicalismo dos que nada temem tornam difícil a convivência[14].
O terrorismo, à falta de “diálogo das culturas” e de “respeito às teses divergentes”, é mal que não tenderá a regredir, pois de difícil combate. O fanatismo leva os que o cultivam a imolar sua própria vida, com auto sacrifício, no altar de suas crenças tresloucadas.
A busca de informação prévia[15] e o monitoramento dos que se radicalizam são fundamentais, mas, enquanto um diálogo real e o respeito às divergências não for o objeto primeiro da convivência, a guerra das culturas diferentes só tenderá a crescer, com letalidade cada vez maior, mesmo que diminua o número de atentados.[16]
VII. AS DROGAS
O problema das drogas é outro combate da humanidade, em que a batalha está sendo perdida. O enriquecimento fácil e o enfraquecimento de caráter que as drogas provocam nas pessoas que se viciam, fazem do comércio ilegal, deletério, corrosivo e desagregador um dos negócios mais lucrativos da atualidade, sobre gerar clima de confronto com o Estado e de corrupção das forças policiais encarregadas de combatê-lo.
O flagelo maior, todavia, nesta luta, é a perda do referencial de valores, motivo pelo qual, quanto mais se expandem, tanto mais os bons costumes são postos em xeque.[17]
VIII. A INFORMÁTICA
Chego ao ponto crucial no mundo contemporâneo, que é a possibilidade de um colapso global provocado pelo colapso da informática.
John Casti mostra toda a vulnerabilidade do sistema da Internet. A velocidade da informação e a conexão permanente entre os diversos sistemas, a multiplicação dos “gênios desestabilizadores”, como mostrei em 1996, no “Uma visão do mundo contemporâneo”, podem, em algum momento, criar uma pane geral em todo o sistema financeiro, na administração pública, nos transportes, nas atividades militares, nos hospitais, etc. deixando o mundo à deriva.
Já tivemos colapsos parciais. Mubarak desligou todo o sistema de comunicação, via internet, isolando o Egito, pouco antes de cair. Esperava com isto eliminar as convocações pelas redes sociais, o que não conseguiu. Hoje, circulam pela internet, diariamente, transações financeiras em torno de 10 trilhões de dólares. Todas as operações de navegação aérea são controladas pelo sistema. Um colapso provocado pode gerar o caos geral. Os bancos no Brasil perdem, em virtude de assaltos às suas contas, em torno de um bilhão e meio de reais por ano[18]. Os sistemas de segurança do Pentágono têm sido atingidos. Os endereços de 3.000 generais americanos foram disponibilizados, num único dia, por “hackers” [19]. Tudo a demonstrar como os riscos de colapsos locais, regionais, setoriais podem, um dia, ganhar contorno global, dependendo dos gênios em informação que atuarem, que são cada vez mais numerosos. Neste ponto, os sistemas de segurança estão sempre atrás das novas técnicas de invasões. Considero esse, talvez, o mais preocupante fator de desestabilização do planeta.
- FAMÍLIA
A sociedade moderna desfigurou a família. Todos os povos sempre lhe deram particular importância, por força das religiões ou convicções políticas. A Constituição Brasileira coloca-a como a base da sociedade, merecendo especial proteção do Estado. O constituinte cuidou da família geradora de filhos. Da família que implica alegrias, sacrifícios, amor, dedicação, esforço e trabalho conjunto para educar gerações[20].
No entanto, a sociedade moderna dá pouco relevo à família. O conceito de “felicidade egoísta e individual” superou o de felicidade com sacrifício para levar adiante sua prole.
O conceito de amor físico e epidérmico supera aquele da responsabilidade, que a criação de uma família implica, de tal maneira que a “família responsabilidade” foi substituída pela “relação de felicidade egoísta, enquanto durar”. Políbio mostrava que a queda do Império Romano deu-se também por força de as mulheres romanas pretenderem mais gozar a vida do que cuidar de suas famílias, criando uma geração de fracos e irresponsáveis, algo que não havia, nos tempos áureos da República e da “Pax Romana”.
As cidades-Estados gregas enfraqueceram-se, quando o sentido de família, embora com características muito peculiares na Grécia, deixou de ser relevante[21].
A perda de valores familiares termina, nos dias atuais, por gerar uma sociedade sem responsabilidades e sem compromissos, senão na realização de projetos pessoais próprios, o que a torna menos solidária, por mais que os textos legais digam o contrário.
E na história, sempre que a família foi desfigurada, as civilizações que tinham florescido desaparecem, como Toynbee mostra, no seu “Um estudo da História” (Ed. Martins Fontes, 1987).
- VALORES
E o último ponto de Desafios do Século XXI é a perda de valores.
O mundo do século XXI é um mundo em que os governos não vivem valores, embora teorizem-nos. A moralidade é cada vez menor e a realização de projetos de natureza pessoal, a qualquer custo, cada vez maiores. Vivemos a mais hedonista sociedade da história humana e aquela que, por mais que evolua tecnicamente, menos dignidade parece ter.
As grandes civilizações não tisnadas pelo fanatismo, buscam incentivar, naqueles que creem em Deus, o renascimento de valores, com especial papel da Igreja Católica que, desde que perdeu os Estados Pontifícios com Pio IX, só teve Papas Santos[22].
O confronto com um mundo que vende, em marketing barato, uma vida de facilidades, sem compromissos e auto realizações no sexo e na posse de bens, gera o choque que se percebe, com o canto das sereias do consumo prevalecendo, em grande escala, sobre a grandeza de ideais maiores.
Quando esta falta de valores chega à política, então, o desastre é total. Os governos corruptos se sucedem e só têm espaço para usufruí-lo –é a melhor expressão que se pode usar— quem for literalmente desonesto, amoral e desleal[23]. A lealdade, conquista-se com o dinheiro, a corrupção e a outorga de poder, numa clara busca de nele perpetuar-se, à luz de uma concepção que Rotrou, graficamente, definia, ao dizer que “touts les crimes sont beaux quand te trône est le prix”[24].
Um mundo com a desagregação em que vivemos, com o nível de deterioração estrutural, com sete bilhões de pessoas, está indiscutivelmente doente e sem lideranças à altura. Tal realidade exige uma nova reflexão, que deve ultrapassar as singelas barreiras do Estado Clássico, do direito conhecido e da história narrada até o presente, visto que neste século XXI, estamos à beira da encruzilhada final. O caminho a ser adotado determinará, de uma vez por todas, a sobrevivência ou não da espécie, que teve o “mérito” de levar o mundo à solução colapsial em que se encontra, por força de excesso de tecnicismo, escassez de valores e permanente desrespeito à natureza das coisas[25]
- O ESTADO UNIVERSAL
Os que gostam de ficção científica, certamente, são admiradores de “Star Trek”. Stephen Hawking, fã incondicional dos doze longas-metragens e pouco mais de setecentos episódios das cinco séries (Startrek, Next Generation, Deep Space Nine, Voyager e Enterprise), considera-a uma possível e feliz especulação sobre os mistérios do Universo, apresentada com o tom de aventura necessário para os filmes do gênero[26]
O que mais me impressiona na referida série é que o Planeta Terra solucionou seus grandes problemas de governança. A falta de valores, as disputas internas, a desagregação ambiental e de costumes foram superados. Mas, no encontro com outros povos e outras civilizações do Universo, vão sendo encontrados os mesmos defeitos que o gênero humano teve no passado, até conformar-se num Estado Universal e dirigir outros Estado, na denominada “Federação”.
Os problemas que apresentei, neste breve ensaio, estão a demonstrar que soluções pontuais, regionais, parciais são incapazes de equacionar o problema de sobrevivência do homem, no planeta Terra.
Somos nossos maiores inimigos e, se não encontrarmos estruturas suficientes de contenção dos males apontados, dificilmente sobreviveremos como espécie. Destruiremos o mundo, antes.
Por isto, volto à tese de meu livro de 1977, de Estado universal.[27]
ONU, União Europeia, MERCOSUL, as diversas organizações supranacionais e os diversos Tratados gerais são sementes de um futuro Estado Universal. Suas soluções, entretanto, são, em grande parte, frágeis, sujeitas sempre a interpretação do mais forte, como ocorre com o Conselho de Segurança da ONU, em que cinco países, com direito a veto permanente, definem o que pode ou não ser discutido, naquele organismo.
A regulação supranacional do Direito para que tais problemas possam ser enfrentados é fundamental. É impossível, todavia, que isto ocorra enquanto cada nação definir o que é bom e mau para o mundo, e não respeitar os valores próprios de cada povo e sua cultura, em face de os interesses políticos e econômicos terminarem, não poucas vezes, falando mais alto.
Para isto haveria necessidade de formar gerações. Uma das ideias foi apresentada por Artur Law, embaixador da Índia, na ONU, de uma Universidade Universal, com escolha de pessoas superdotadas exclusivamente de cada país, para repensarem o futuro do mundo[28].
Tais pessoas selecionadas passariam a pensar em soluções globais, em todas áreas, de acordo com suas aptidões, preparando o mundo para o período de transição.
Uma ideia são as escolas de governo. Em qualquer país, para ser médico, engenheiro, advogado, economista ou o que quer que seja, há necessidade de um curso superior. Por que não termos cursos destinados exclusivamente a formação de líderes, buscando afastar-se as ideologias fantasiosas para a obtenção de soluções pragmáticas e factíveis?[29]
Certa vez, em Coimbra, durante o almoço com minha mulher e Mário Soares, ex-presidente de Portugal –tínhamos, os dois, proferido palestra naquela manhã no curso da Universidade com o Parlamento Europeu— disse-nos ele que o povo “não come ideologias, mas pão”, razão pela qual teve que ser pragmático, quando assumiu o governo português.
As ideologias são a corruptela dos ideais e os apegados a elas são tanto mais radicais, quanto mais se afastam da realidade. Por essa razão é que tornam sua imaginação fruto de um mundo da fantasia, sem condições de realização.
Santa Tereza dizia ser a imaginação “a louca da casa”. Os ideólogos são os loucos da política.
Não se governa com a ideologia, mas com a realidade.
Arthur Clark[30], no seu livro “Um planeta distante”, cuida de um povo vivendo em um planeta governado exclusivamente por quem não queria governá-lo, pois temia que as ambições daquele que desejasse assumir o poder viessem a levá-lo a deixar de pensar no povo, para pensar na sua manutenção no poder.
Ora, para que haja uma Comunidade Universal, há necessidade de uma escola democrática, de convivência das teorias não abrangentes, mas fundamentalmente com uma estrutura de Estado “Federativo” e “não confederativo”, capaz de centralizar decisões e descentralizar ações, com instrumentos jurídicos pertinentes para enfrentar os desafios de sobrevivência lá enumerados.
O Estado nacional clássico deixaria de existir para a criação do Estado universal, embora as culturas de cada povo fossem preservadas, assim como seus valores, religião, costumes e crenças.[31]
Sua criação pode, hoje, parecer mais uma reflexão de “ficção científica”. O certo, todavia, é que os problemas enunciados não são problemas fictícios e a capacidade de corrigir a crise do mundo atual está a exigir novos métodos, novas soluções. A proposta pode não ser a ideal, mas que algo deve ser pensado, não há dúvida. Caso contrário, assistiremos afundar, como o comandante do “Titanic”, “o senhor dos mares”, sem nada poder fazer.
Há momentos, na história da humanidade, que algumas cabeças salvam sua época.
Thomas Merton, no seu livro “Sementes de Contemplação”, mostra que, um ou dois nomes de grande envergadura, em cada século, são capazes de salvar aquele século. Em outro livro, “Sementes de Destruição”, mostra como os intelectuais negros americanos estavam procurando mostrar aos brancos que não queriam apenas ter os mesmos direitos que eles, mas, ao contrário, mostrar que, juntos, brancos e negros, poderiam fazer o mundo melhor do que era aquele em que viviam. Por este ideal, Martin Luther King foi morto.[32]
Estamos no limiar de uma nova era de dificuldades e contradições. As lições da história, até hoje, não foram aprendidas pelos que lideram o mundo atual. Mas algo pode ser feito, para que possam mudar o curso da história, que se continuar, nos mesmos padrões, será inexorável na dizimação da espécie humana, por sua pouca visão de “realidade real”.[33]
Eram estas as considerações, para este breve estudo que faço como reflexão final do que tenho pensado sobre o mundo, sobre a vida, na certeza de que o jurista deve ser também historiador e filósofo. Só assim pode influenciar corretamente as decisões daqueles que galgam o poder, na maioria das vezes, com o único intento de detê-lo e de comandar.
O mundo ainda pode ser salvo neste século, mas precisaríamos ter aquele espírito de um filme francês de 1954, intitulado “Si tous les gars du monde”, em que uma cadeia de solidariedade permitiu que pescadores fossem salvos no Mar do Norte, através de rádio-amadores, de uma intoxicação alimentar que os levaria a morte.[34] Se todos nós, com responsabilidade, percebermos que o desafio é final e que a batalha que se avizinha é decisiva, talvez o instinto de sobrevivência permita que soluções inteligentes sejam tomadas, repensando o egoísmo do poder pela necessidade de servir. Só o tempo dirá, tempo este que, na velocidade dos acontecimentos atuais, torna-se de mais em mais escasso para superar-se esta realidade.
Dizia, em meu livro “Desenvolvimento Econômico e Segurança Nacional – Teoria do Limite Crítico” que o homem é um ser pacífico, que nunca viveu em paz. Os detentores do poder nunca o permitiram. A sobrevivência da espécie, todavia, está a exigir, até o fim deste século, que o poder seja voltado a servir, não mais apenas ao próximo, mas a própria sobrevivência da espécie.
* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército – ECEME, Superior de Guerra – ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO – SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária – CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS.
[1] Palestra proferida na Escola Superior de Guerra.
[1] No seu livro Pikety apresenta algo surpreendente, ou seja, a estabilidade da libra esterlina e do franco durante 200 anos, nos séculos XVIII, XIX, até a primeira guerra. Admirador dos romance de Jane Austen e de Balzac refere-se aos dois autores, afim de mostrar a estabilidade das famílias nobres ricas, que são personagens de seus romances, assim como o risco das aventuras negociais, como em “Le Père Goriot” de Balzac.
[2] George Monbiot, que propugna com Friedman um “planeta verde”, com soluções energéticas não degradadoras do meio ambiente, no livro “How to Stop the Planet From Burning” (Ed. Penguin) afirma que “sucumbir à esperança é tão perigoso quanto sucumbir ao desespero”.
[3] É fundamental começar-se a pensar em tornar o planeta realmente verde. Velho provérbio chinês –este realmente chinês e não como os de Roberto Campos, por ele criados, sob a alegação de que, com uma população tão grande, algum chinês teria pensado como ele– dizia que a melhor época para plantar um carvalho seria 100 anos atrás. E a segunda melhor época é agora.
[4] A queda do preço do petróleo em 2011 objetivou desestimular a exploração do xisto betuminoso nos Estados Unidos, cujas reservas de petróleo quase esgotadas estavam a sinalizar solução alternativa. Os países árabes, ao se negarem a elevar o preço, terminaram criando sérios problemas à Venezuela e à Rússia, dependentes deste produto para sua balança comercial.
[5] Países da África e do Sul da Ásia vivem da energia poluidora gerada pelo carvão. São um bilhão e seiscentos milhões de pessoas nesta situação.
[6] Em 1980, em visita que fiz ao Worldwatch Institute de Washington, seus pesquisadores disseram-me que até o fim da metade do Século XXI o problema maior do mundo seria a água pelo aumento da população e destruição da natureza. Os problemas, num país rico em água, como o Brasil, em que os grandes centros (São Paulo, Rio, cidades do Nordeste) vivem este pesadelo, é apenas o começo de uma realidade há muito prevista de se concretizar, sem que os governos tenham se preparado para enfrentar.
[7] Michael J. Ahearn criou o First Solar na Alemanha, porque não teve apoio nos EUA, tendo explicado a Friedman porque não teve apoio em seu país para o desenvolvimento da energia solar: “O que sempre ouvimos é que a energia renovável tem muito apoio, mas é vítima de manipulações políticas” (Thomas Friedman, Quente, Plano e Lotado, p. 569).
[8] Eu mesmo, com meus 82 anos, manejo os recursos de meus tabletes com muito menos eficiência que meus netos, filhos, secretárias e assistentes.
[9] A Constituição Brasileira define em seu artigo 5º, § 1º, cuja dicção é a seguinte:
“§ 1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Declara, pois, que todos os direitos são de eficácia imediata, o que, à evidência, desde 1988 até hoje, não ocorreu, embora haja um exercício cada vez maior daqueles na Lei Suprema contidos.
[10] Quando recebi a cátedra Lloyd Braga da Universidade do Minho, honraria anual que outorgam a um especialista em área acadêmica (fui o primeiro não europeu e o primeiro da área de Direito) em 2009, terminei meu discurso de recepção dizendo:
“E, neste particular, a maneira de ser da civilização lusíada, em que a integração foi sempre o elemento de major presença, poderá servir de exemplo. Haja vista que, em idêntico espaço americano, conseguiu manter um país único, com variadas formas de cultura, ao contrário da América Espanhola, que se pulverizou em um número enorme de nações. E a prova major reside numa integração consideravelmente mais relevante entre as diversas raças no Brasil do que em outras nações, ao ponto de todas as culturas que se somaram posteriormente a portuguesa lá conviverem em perfeita harmonia, inclusive judeus e muçulmanos, que, muitas vezes, reúnem-se em cerimônias comuns, numa demonstração de que culturas diferentes podem viver harmonicamente. Adriano Moreira, no 1º Congresso das Comunidades de Língua Portuguesa, em 1964, afirmou que há uma maneira de ser diferente do português, na sua presença no mundo. E esta maneira de ser, que permitiu a criação de uma nação continental, é aquela que, talvez, possa servir de exemplo para o mundo futuro, na conformação de um Estado Universal lastreado na solidariedade entre os povos” (Revista Scientia lvridica – Tomo LVIII. 2009. n.° 318, p. 25).
[11] “The concepto of Law”, Ed. Clarendon, Londres, 1961.
[12] Falo do atentado do Charlie por grupos radicais islâmicos.
[13] Em meu artigo “Os Borgs e a Comissão da Verdade” denuncio esta parcialidade de reescrever a história só de um lado, esquecendo também o lado negativo dos que apoiaram os guerrilheiros e queriam repaginar sua história e não contar a história verdadeira (Folha de São Paulo – 28/01/2011).
[14] Em outro artigo “O terrorismo oficial de Bush” (Folha de São Paulo, Opinião p. A3, 09/04/2003), mostrei que quem está disposto a dar a vida por uma causa, mesmo que desvairada, não pode ser combatido apenas com a mera repressão. Esta é sempre insuficiente e gera mais reação.
[15] No livro “Guerra e antiguerra”, Alvim Toffler procura mostrar que tal guerra só se ganha na base da informação prévia. Quem detiver a informação terá sempre condição de ser bem sucedido na guerra ao terrorismo.
[16] O atentado à Universidade do Quênia em 1º de Abril de 2015, em que 147 estudantes foram mortos por radicais islâmicos e 72 feridos, bem demonstra o que afirmo.
[17] A tentativa de legalização de determinadas drogas, como a maconha, não me parece a solução. Basta verificar-se o que ocorreu na Holanda em que o consumo de droga legalizada aumentou seu consumo, havendo justo movimento para que a legalização seja abolida.
[18] Tal informação foi obtida de técnicos especializados no combate ao crime eletrônico financeiro.
[19] Estes dados constam do livro de John Casti, “O colapso de tudo”.
[20] O artigo 226 e seus parágrafos 1º a 5º dá bem a demonstração de que cuidaram, os constituintes, da família constituída por um homem e uma mulher:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
- 1º – O casamento é civil e gratuita a celebração.
- 2º – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
- 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
- 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
- 5º – Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”
[21] Fustel de Coulanges em “A cidade antiga”, ao cuidar dos costumes gregos e romanos, mostra como o conceito de família foi relevante nas duas sociedades, em seus tempos áureos.
[22] Pio IX foi um Papa longevo, que se revoltou contra a tomada de seus Estados por Garibaldi. Ocorre que o fato de passar a Igreja Católica a cuidar apenas de sua função pastoral, seu papel de influenciar o mundo em valores ganhou especial relevância.
[23] O caso de corrupção da Petrobrás, o maior escândalo de corrupção do mundo, que devastou as finanças da companhia durante 8 anos, em dois governos Lula e Dilma, é a demonstração de como nossos governantes administram o país.
[24] Peça “Infidelidade”.
[25] Thomas Friedman, no seu segundo livro (Quente, Lotado e Plano, p. 594/595) declara “Temos exatamente o tempo necessário —a partir de agora” e conclui que temos que aprender que “as nações e indivíduos não podem cultivar os velhos hábitos de destruir os bens mundiais e pensar que o universo gira à nossa volta e não o contrário”.
[26] A nave espacial “Enterprise” na primeira série é comandada pelo Capitão Kirk, na segunda série um novo modelo é capitaneado por Jean Louis Picard, na terceira série uma estação espacial por Benjamin Sisko, na quarta série a Capitã Kathryn Janeway dirige a nave Voyager lançada por um buraco negro a outra extremidade do Universo e na quinta série o Capitão Jonathan Archer é o primeiro comandante da Enterprise, quando ela foi criada.
[27] “O Estado de Direito e o Direito do Estado”, Ed. Bushatsky (1972) e Lex/Magister (2009).
[28] “Toward a World University”, The Great Ideas Today, Encyclopaedia Britannica, Chicago, 1971, p. 40/52.
[29] Escrevi:
“Os regimes democráticos expressam a vontade popular, que, todavia, comumente incide sobre pessoas desqualificadas, principalmente quando os melhores, por pundonor, escrúpulos, e muitas vezes, nojo, afastam-se das postulações, em momentos de baixa moralidade governamental.
Parece-nos, portanto, essencial que se preparem escolas de formação dos futuros aspirantes. Verdadeiras Faculdades onde a Política, a História, os problemas de administração, a Economia, o Direito, a Tecnologia e uma série de outras disciplinas sejam ministradas, no nível de um futuro governante. Onde se testem vocações. Onde se verifiquem as capacidades de liderança, força e idoneidade dos estudantes, com o que, ao final do curso fiquem seus estudantes verdadeiramente habilitados à postulação de cargos e à seleção natural que todo o profissional, em qualquer setor, enfrenta na profissão escolhida.
Os militares para estarem habilitados ao seu exercício profissional fazem estudos, os mais variados, num longo e difícil currículo, visando a defesa nacional contra o inimigo externo.
Por que não se adotar um mesmo esquema, com as variantes adequadas à profissão que exercerá, para aquele que pretenda o exercício de cargos eletivos?
As Escolas ou Faculdades —procurariam — independentemente de outras carreiras que cada estudante seguisse, continuando paralelamente seus estudos individuais — formar, em número elevado, profissionais qualificados à postulação dos cargos eletivos.
Todos poderiam concorrer às vagas da Escola. E todos os formados pelas Escolas ou Faculdades Especializadas poderiam postular um cargo eletivo, em eleições, livres, onde o eleitor, com mais tranquilidade, escolheria, entre gente habilitada, aquele que melhor poderia representá-lo.
É evidente que o plano é ambicioso. Sua implantação longa e demorada. Pressuporia a existência de um longo período carencial para os que já militam. Necessitaria ser levado principalmente à juventude, que está ansiosa por formas mais legítimas de luta e de valores. Os seus próprios “escapismos” ou “contestações” nada mais são do que a desesperada tentativa de encontrarem outros valores, que não aqueles em que não mais acreditam. Pressuporia, no início, uma seleção de matérias e de profissionais altamente qualificados para formarem os primeiros corpos docentes, a quem seria entregue missão tão importante. Fizemos, quando, presidente do diretório metropolitano do Partido Libertador em São Paulo uma experiência semelhante, exigindo uma prova vestibular dos postulantes a candidatos à vereança da cidade. O resultado foi surpreendente. Formamos, em 1963, a mais coesa bancada, tendo o partido tido a mais expressiva votação em toda a sua história. E todos os candidatos eram desconhecidos. O resultado deveu-se a ter sido o Partido Libertador o que apresentou candidatos do maior nível nos programas de Televisão (os 60 postulantes, expressavam-se corretamente nas exposições do horário político). Nenhum dos 13 partidos então concorrentes ofereceu, em média, um nível tão elevado de cultura, serenidade e interesse real pela coisa pública. O deputado Raul Pilla e o Senador Mem de Sá, presidente e vice-presidente do diretório nacional, consideravam excelente a experiência, irrenovável, pela extinção dos partidos políticos com o Ato Institucional nº 2.
É algo, entretanto, fundamental. E necessário como o próprio ar, que a humanidade respira. Da mesma forma que não devemos entregar um doente para ser operado, se não a um médico qualificado, não podemos entregar o poder, se não a um homem público qualificado” (O Estado de Direito e o Direito do Estado, Ed. Lex, São Paulo, 2006, p. 69 a 71).
[30] Arthur Clark, ao lado de Isaac Asimov, foram os dois maiores autores de “Science Fiction” do Século XX.
[31] “3. O Estado Universal
A longo prazo, o mundo deverá compreender que somos um planeta navegando, no espaço, em busca da sobrevivência de seu principal habitante, que é o homem. As guerras, se não o levarem à destruição, serão substituídas por uma guerra maior, que é a de fazer a população mundial não perecer.
Por esta razão, a longo prazo, a batalha da sobrevivência do homem apenas poderá ser cuidada com o estabelecimento de um Estado Universal.
O mundo não está, no presente, preparado para seu nascimento. As pioneiras sementes não conseguiram ainda passar de um estado embrionário, seja no plano político (Sociedade das Nações, ONU, OEA), seja no plano econômico (MEC, ALALC, etc.). Essas sementes, todavia, estão na essência da continuação do homem. Se o homem não encontra um consenso universal para se autodirigir e teimar nas escaramuças dos regionalismos, estará fadado ao suicídio e a transformar a terra num inóspito planeta, nos próximos séculos.
Somente um Estado Universal poderá, num futuro distante, superar, o problema, com as nações atuais servindo de Estados Federados, à semelhança dos países federativos, e o Estado Universal representando o poder central.
O mundo do fim do século XX vê a falência das ideologias. O sistema oriental está completamente desestruturado, em termos ideológicos, numa desestimulante visão de um marxismo, que se digladia internamente, sem solução. O mesmo se pode dizer do capitalismo clássico. Tais concepções são agonizantes.
As tentativas futuras, quaisquer que sejam, representarão a sepultura das divergências ideológicas para o estudo das concepções de liberdade do ser humano garantidas pelos direitos naturais do Estado, com dignidade e respeito mútuos.
Somente, numa visão universal do Poder destinado a todos os homens de todas as raças, credos e países, poder-se-á obter o engajamento numa luta sobrevivencial, que um Estado Universal conduziria para que os esforços no planeta nem se desgastassem inutilmente, nem fossem orientados para a sua destruição.
Parece-nos que a paz é um desejo universal de todos os países e governos, que se preparam, todavia, para a guerra como forma de defesa das agressões externas alimentadas pelos mais variados elementos e fatores.
O Estado Universal, com poder coercitivo, seria a única forma de garantir, desde que criado, uma evolução natural, onde as democracias de acesso permitiriam a transição, através dos seus especialistas supranacionais lotados nos Ministérios de Ciência e do Futuro de cada nação.
As enormes dificuldades, que a sua implantação acarretaria, não justificaria o afastamento do exame de sua viabilidade, eis que, sem ele, a segurança mundial é nula, pois sujeita ao bom senso de todos os governos com artefatos nucleares, em todos os momentos. E o que a história tem demonstrado é que, mesmo as nações mais evoluídas podem, em determinados períodos, deixar de ter homens de bom senso. A dolorosa lição que um Hitler representou só poderá ter sido a última, se algo se sobrepuser aos poderes regionais exercidos sem controle.
A conscientização de que, a longo prazo, o Estado Universal esteja no centro da própria sobrevivência do homem e o estudo da sua viabilização são matérias que ficariam a cargo dos Ministérios de Ciência e do Futuro de cada país” (O Estado de Direito e o Direito do Estado, Ed. Bushatsky, 1977 e Lex-Magister, 2006, São Paulo, p. 73/74).
[32] Thomas Merton foi religioso, cujo centenário comemorou-se no ano de 2014.
[33] Parte dos problemas mostrei no livro “A era das contradições”, recém editado pela Livraria Resistencia Cultural, 2013.
[34] O filme produzido em 1954 buscou mostrar que apesar da guerra fria, quando a humanidade está em jogo, russos e americanos se unem para salvar os pescadores franceses. Um maometano, único não intoxicado no barco, foi quem se lançou em mar para pegar os medicamentos lançados de um avião sueco, e ministrá-los aos seus onze companheiros, que sempre tiveram preconceito racial contra ele.