Os artigos 7º e 8º da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, que instituíram o regime substitutivo da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de remuneração para a contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta – CPRB – vinha sofrendo inúmeras alterações tanto no caput, como nos parágrafos respectivos, inclusive, com acréscimos de arts. 7º-A e 8º-A igualmente modificados com freqüência, tornando bastante caótica a legislação sobre a matéria.
Contudo, esse dinamismo legislativo desordenado havia cessado com o advento da Lei n 13.202, de 8-12-2015 que fixou a alíquota básica incidente sobre a receita bruta em 4,5% exceto para as empresas de Call Center referidas no inciso I que contribuem com a alíquota de 3% e as empresas identificadas nos incisos III, V e VI, todos do caput do art. 7º, que contribuem com 2%[1]. Todavia, essa paz e tranquilidade do contribuinte foi rompida no final de maio de 2018 surpreendido que foi pela brusca mudança no regime de tributação não lhe dando tempo para sua readaptação à nova realidade.
Como decorrência do aumento do déficit orçamentário que atingiu a casa de centena de bilhões de reais, sem se preocupar em levantar as causas desse déficit, aliás, de difícil explicação tendo em vista a incrível carga tributária que onera os serviços e mercadorias, o governo fez aprovar e sancionou a Lei nº 13.670, de 30-5-2018, cujo art. 1º introduziu novas alterações aos arts,. 7º e 8º fixando o termo final de vigência do regime substitutivo da contribuição sobre a folha pela contribuição sobre a receita bruta até o dia 31-12-2020. A partir de então todas as empresas que optaram pelo novo regime tributário deverão retornar ao regime antigo, salvo nova alteração legislativa até o advento do termo final de vigência desse regime substitutivo. Aqui o legislador respeitou o princípio da segurança jurídica dando prazo razoável para o contribuinte replanejar a sua atividade econômica tendo em vista a previsão de incidência de 20% de contribuição previdenciária sobre a folha de remuneração a partir de 1º-1-2020. O mesmo não aconteceu em relação às empresas que perderam o direito de permanência no regime de tributação pela receita bruta auferida a partir de 1º-9-2018, como veremos mais adiante.
O art. 12 dessa Lei sob comento incluiu algumas empresas no regime substitutivo e excluiu várias outras por meio da revogação dos seguintes dispositivos da Lei nº 12.546/11:
- inciso II do caput do art. 7º;
- alíneas b e c do inciso II do § 1º, os §§ 3º a 9º e o § 11 do art. 8º;
- Anexos I e II.
As exclusões e inclusões foram feitas de forma confusa e de difícil compreensão, exigindo exame acurado de diversos dispositivos legais repletos de ressalvas e exceções.
Analisemos a matéria mediante interpretação sistemática.
A revogação do inciso II do caput do art. 7º significa que as empresas do setor hoteleiro aí mencionadas voltam a ser tributadas pelo regime anterior (tributação sobre a folha de remuneração). Essa revogação não oferece maiores dificuldades ao intérprete. O legislador simplesmente retirou do mundo jurídico a norma legal que permitia a opção pelo regime da CPRB.
A revogação das letras b e c, do inciso II, do § 1º, do art. 8º aparentemente significa inclusão no regime de tributação pela receita bruta das empresas fabricantes de veículos em geral e das empresas aéreas internacionais de bandeira estrangeira que estabeleçam, em regime de reciprocidade de tratamento, isenções tributárias às receitas geradas por empresas aéreas brasileiras, à medida que foram revogadas as normas proibitivas pela opção ao regime substitutivo – CPRB. Todavia, não é bem assim. Em relação à letra b, o direito à opção pelo regime da CPRB, nos termos do caput do art. 8º, está relacionado às empresas que fabricam os produtos classificados na TIP, nos códigos referidos no Anexo I que foi revogado. Em outras palavras, caiu a expressa proibição de opção pelo regime da CPRB em relação aos veículos especificados na letra b, porém, não mais subsiste o regime fiscal menos oneroso de que gozavam os veículos em geral previstos no Anexo I, tornando desnecessária a ressalva da letra b sob comento. Com relação à letra c, do inciso II, do § 1º, do art. 8º aplica-se o mesmo raciocínio, como veremos a seguir na análise do § 3º do art. 8º.
Todas as empresas mencionadas nos incisos I a XVII, do § 3º, do art. 8º, retornam para o regime de tributação pela folha de remuneração. Em conseqüência os §§ 4º a 9º e 11 (o § 10 foi vetado) restaram prejudicados pelo que foram revogados.
Finalmente, os Anexos I e II restaram prejudicados e foram revogados porque estavam atrelados aos § 4º e 11, respectivamente.
A revogação da letra c, do inciso II, a exemplo da revogação da letra b, não favorece as empresas internacionais de bandeira estrangeira aí referidas, porque revogado foi o § 3º onde se inseria as empresas de transporte aéreo de cargas (inciso II, do § 3º) e as empresas de transporte aéreo de passageiros (inciso III, do § 3º). Com a revogação do § 3º, a letra c, do inciso II, do § 1º perdeu sentido, razão de sua revogação.
A nova Lei respeitou o princípio da nonagesimidade pelo que o retorno ao regime tributário antigo dar-se-á a partir de 1º-9-2018. Contudo, desrespeitou a opção irretratável feita pelo contribuinte que é válida para o exercício financeiro da opção (§ 13, do art. 9º da Lei nº 12.546/11). Dessa forma, houve quebra do princípio da proteção da confiança que no meu entender ostenta status constitucional a partir da interpretação do art. 1º da Constituição que proclama o Estado Democrático de Direito o qual abriga, necessariamente, o princípio da segurança jurídica que decorre, também do art. 5º, caput. De fato, não há como prever o que o poder político do Estado pode fazer e o que não pode fazer (princípio da segurança jurídica) sem a confiança de que o Estado respeite as leis que elaborou. Se não houver respeito ao princípio da proteção da confiança, o princípio da segurança jurídica cairá no vazio. Nenhuma lei é autoaplicável. É o Estado que aplica as leis por meio de seus agentes, e em caráter definitivo, por seu órgão jurisdicional. Daí a estreita vinculação dos dois princípios, o da segurança jurídica e o da proteção da confiança que decorrem do Estado Democrático de Direito, elemento constitutivo da República Federativa do Brasil.
O contribuinte quando exerceu o direito de opção irretratável pelo regime da CPRB o fez confiando que o Estado respeitasse essa opção irretratável prevista em lei. E mais, levou em conta a boa fé objetiva do Estado que configura um dos pressupostos da aplicação do princípio da proteção da confiança. O Estado, ao ignorar a opção irretratável do contribuinte surpreendendo-o no curso do exercício com o retorno ao regime tributário mais gravoso, passa por cima do princípio da segurança jurídica, uma garantia constitucional assegurada em nível de cláusula pétrea.
Ainda que não tivesse sido a intenção do Estado a de armar uma arapuca para o contribuinte, objetivamente, fica em uma situação de alguém que caiu em uma armadilha. De fato, se o contribuinte aumentou consideravelmente a mão de obra para expandir suas atividades econômicas em função da opção feita pelo regime da CPRB, e de repente se vê surpreendido com a tributação incidente sobre a folha de remuneração obviamente se sentirá ludibriado pelo legislador.
Com uma legislação dinâmica que muda a todo momento, não respeitando o ato jurídico perfeito, e desconsiderando o principio da proteção da confiança que dá vida ao princípio da segurança jurídica não é possível desenvolver uma atividade econômica de forma planejada e segura. Não é por acaso que empresas estrangeiras relutam em promover investimento no nosso País. A legislação tributária e a legislação trabalhista têm sido tradicionalmente os dois fantasmas que espantam os investimentos estrangeiros no Brasil e, ultimamente estão acarretando a fuga do capital nacional. Com a recente reforma trabalhista altamente positiva, devolveu ao setor empresarial parte do oxigênio sugado. Cabe à reforma tributária fazer a sua parte trazendo a necessária transparência e elegendo os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como corolários do principio universal da legalidade tributária.
Contudo, sem ética não há princípios constitucionais que produzam efeitos jurídicos, nem há como dar vida ao Estado Democrático de Direito, elemento constitutivo da própria Federação Brasileira.
SP, 18-6-2018.
[1] Alterações introduzidas pela MP nº 774, de 30-3-2017, foram revogadas pela MP nº 794, de 9-8-2017.