Tabelamento de preços de fretes rodoviários de cargas

Como forma de encerrar a greve dos caminhoneiros o governo tabelou o preço do frete rodoviário de cargas, gerando uma onda de críticas de vários setores, inclusive, do CADE para quem o tabelamento gerará aumento de preços prejudicando o consumidor. Em aparente contradição sustenta que o tabelamento cria uma espécie de cartel. A questão está sendo discutida no STF onde foi ajuizada uma ação direta de inconstitucionalidade – ADI – contra a Medida Provisória nº 832/18 que promoveu o aludido tabelamento.

Em sentido contrário ao CADE posicionou-se a AGU que defende a medida governamental e afirma que o princípio da livre concorrência não é ferido, porque ele deve ser interpretado dentro da ordem jurídica global, de sorte que, quando o poder econômico é exercido de forma antissocial cabe ao Estado intervir para coibir o abuso.

Para melhor exame transcrevamos os dispositivos da Medida Provisória nº 832, de 27-5-2018:

 

“Art. 1º Fica instituída a Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas.

Art. 2º A Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas tem a finalidade de promover condições razoáveis à realização de fretes no território nacional, de forma a proporcionar a adequada retribuição ao serviço prestado.

Art. 3º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, entende-se por:

I – carga geral – a carga embarcada e transportada com acondicionamento, com marca de identificação e com contagem de unidades;

II – carga a granel – a carga líquida ou seca embarcada e transportada sem acondicionamento, sem marca de identificação e sem contagem de unidades;

III – carga frigorificada – a carga que necessita ser refrigerada ou congelada para conservar as qualidades essenciais do produto transportado;

IV – carga perigosa – a carga passível de provocar acidentes, ocasionar ou potencializar riscos, danificar cargas ou meios de transporte e gerar perigo às pessoas que a manipulem; e

V – carga neogranel – a carga formada por conglomerados homogêneos de mercadorias, de carga geral, sem acondicionamento específico e cujo volume ou quantidade possibilite o transporte em lotes, em um único embarque.

Art. 4º O transporte rodoviário de cargas, em âmbito nacional, obedecerá aos preços fixados com base nesta Medida Provisória.

Art. 5º Para a execução da Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT publicará tabela com os preços mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, consideradas as especificidades das cargas definidas no art. 3º.

  • 1º A publicação da tabela a que se refere o caputocorrerá até os dias 20 de janeiro e 20 de julho de cada ano e a tabela será válida para o semestre em que for editada.
  • 2º Na hipótese da tabela a que se refere o caputnão ser publicada nos prazos estabelecidos no § 1º, a tabela anterior continuará válida e seus valores serão atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, ou por outro que o substitua, no período acumulado.
  • 3º A ANTT publicará a primeira tabela a que se refere o caput,a qual vigerá até 20 de janeiro de 2019, no prazo de cinco dias, contado da data de publicação desta Medida Provisória.
  • 4º Os preços fixados na tabela a que se refere o caputtêm natureza vinculativa e a sua não observância sujeitará o infrator a indenizar o transportador em valor equivalente ao dobro do que seria devido, descontado o valor já pago.

Art. 6º O processo de fixação dos preços mínimos contará com a participação dos representantes das cooperativas de transporte de cargas e dos sindicatos de empresas de transportes e de transportadores autônomos de cargas.

Art. 7º Para a fixação dos preços mínimos, serão considerados, prioritariamente, os custos do óleo diesel e dos pedágios.

Art. 8º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 27 de maio de 2018; 197º da Independência e 130º da República.”

 

Como se verifica a Medida Provisória sob exame limita-se a instituir a Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de cargas, de forma a assegurar adequada remuneração pela prestação desse serviço em todo o território nacional. Para esse fim, o art. 3º procedeu à precisa definição de cada tipo de carga.   O texto normativo sob análise limitou-se a traçar parâmetros gerais para implementação da política de preços mínimos do transporte rodoviário de cargas. A fixação desses preços mínimos ficou a cargo da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT – que publicará a tabela de preços mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, consideradas as diferentes especificidades de cargas definidas no art. 3º da Medida Provisória sob comento.

Para a fixação desses preços mínimos haverá participação dos representantes das cooperativas de transportes e cargas e dos sindicatos de empresas de transportes e de transportadoras autônomas de carga, devendo ser considerados de forma prioritária os custos do óleo diesel e dos pedágios. A Medida Provisória sob exame não estabeleceu qualquer preço, limitando-se a traçar normas gerais para a fixação dos preços mínimos dos fretes por órgão público competente.

Não vejo vício formal ou material nessa Medida Provisória objeto de ADI. Contudo, caberá ao STF dar a última palavra sobre o assunto.   Toda discussão a ser travada deve cingir-se ao conteúdo da tabela de preços mínimos. A ANTT deve ter à disposição dados referentes às condições das rodovias, dos custos do diesel e dos pedágios, além dos preços médios praticados até então no regime de fretes livres. Para não encarecer demasiadamente os fretes prejudicando a sociedade a ANTT deverá fixar os preços mínimos compatíveis com a realidade, de sorte a assegurar uma margem de lucro razoável em comparação com outros setores de serviços, levando-se em conta o preço médio praticado até o momento da deflagração da greve dos caminhoneiros.  Seria oportuna, também, a fixação de um teto de valores mediante aditamento da Medida Provisória sob exame.

No passado, o sistema de tabelamento de preços a cargo do Conselho Interministerial de Preços – CIP – sempre conviveu com o regime econômico da livre iniciativa. Até os preços de veículos eram cifrados.

O princípio da livre concorrência não pode ser interpretado isoladamente sem considerar outros valores como o da função social da propriedade, o da defesa do consumidor, o da defesa do meio ambiente, o da redução de desigualdades regionais e sociais e o da busca do pleno emprego.

Pelo ângulo da defesa do consumidor os preços dos combustíveis também deveriam ser tabelados. De nada adiantará a redução de tributos incidentes sobre os combustíveis, ou os subsídios governamentais se os postos de gasolina incorporarem as diferenças de preços em seus lucros.

As disparidades de preços existentes entre os diversos postos de gasolina nada têm a ver com o princípio da livre concorrência no exercício de uma atividade econômica dependente de autorização do poder público. Só têm a ver com o grau de compreensão de cada proprietário de posto de gasolina quanto ao papel econômico-social que deve desempenhar na condição de agente produtor de riqueza nacional.

O tabelamento dos preços de combustíveis fará com que a redução de tributos incidentes sobre combustíveis ou eventual subvenção governamental nos preços deles beneficiem efetivamente o consumidor a quem são destinadas essas medidas governamentais.

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