Kiyoshi Harada e Marcelo Kiyoshi Harada
Sumário: 1 Exposição dos fatos. 2 Parecer. 2.1 Considerações genéricas sobre o Imposto Territorial Rural – ITR. 2.1.1 Característica extrafiscal do ITR. 2.1.2 Da Ilegitimidade ativa do Município de Avaré para fiscalizar e cobrar o ITR dos exercícios de 2010 e 2011. 2.2 Do exame do caso consultado. 2.2.1 O fato gerador do ITR em seus aspectos relevantes para o caso sob exame. 2.2.1.1 Aspecto subjetivo ativo. 2.2.1.2 Aspecto material e aspecto subjetivo passivo. 2.2.1.3 Aspecto quantitativo. 2.2.2 Da ilegitimidade passiva da Consulente à luz do Direito e da documentação por ela fornecida. 2.2.3 Do exame do mérito. 3 Respostas aos quesitos
CONSULTA
1 Exposição dos fatos
A consulente, por meio de seu advogado, informa que é proprietária da Fazenda … com área total de 2.904,3 hectares, localizada no Município de Avaré, no Estado de São Paulo.
Relata que está sofrendo fiscalização do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural dos exercícios de 2010 e 2011 pelo Município de Avaré e que em 09/09/2014 tomou ciência do Termo de Intimação nº 6189/00005/2014 intimando-a a apresentar os dados informados nas Declarações do ITR ns. 08.76549.54 e 08.81280.63, relativas aos exercícios de 2010 e 2011, respectivamente. Informa-nos que apesar de apresentados os documentos pertinentes à comprovação do arrendamento da terra e da plantação de cana de açúcar constantes nas declarações do ITR de 2010 e 2011 aqueles documentos foram ignorados pela fiscalização que emitiu os Termos de Constatação e Intimação Fiscal nº 6189/00006/2014 e 6189/0007/2014 notificando a Consulente para apresentar os documentos nelas relacionados em 20 dias, sob pena de lançamento do imposto suplementar de R$ 1.956.803,25 (hum milhão, novecentos e cinquenta e seis mil, oitocentos e três reais e vinte e cinco centavos) para o exercício de 2010 e de R$ 2.150.324,89 (dois milhões, cento e cinquenta mil, trezentos e vinte e quatro reais e oitenta e nove centavos) para o exercício de 2011.
Segundo consta no Termo de Constatação e Intimação Fiscal nº 6189/00007/2014 a “Área de Produtos Vegetais” informada na DITR do exercício de 2011 e o “Valor da Terra Nua” declarado para aquele exercício não restaram comprovados.
Para a comprovação da “Área de Produtos Vegetais” declarada, ou seja, para comprovação da área efetivamente utilizada para plantação com produtos vegetais declarada, a Consulente está sendo intimada a apresentar os documentos referentes à área plantada no período de 01/10/2010 a 31/12/2010, tais como:
- a) laudo técnico de uso do solo emitido por engenheiro agrônomo/florestal, acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica – ART registrada no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia CREA;
- b) Notas fiscais do produtor; Notas fiscais de insumos; certificado de depósito (em caso de armazenagem de produto); contratos ou cédulas de crédito rural; outros documentos que comprovem a área ocupada com produtos vegetais.
O valor da terra nua declarado também não teria sido comprovado, porque depois de regularmente intimada a Consulente não teria comprovado por meio de Laudo de Avaliação do imóvel, conforme estabelecido na NBR 14.653-3 da ABNT, o valor da terra nua declarada.
Dessa forma, ainda segundo o Termo de Constatação e Intimação Fiscal, para comprovar o valor da terra nua declarado a Consulente deverá apresentar laudo de avaliação do valor da terra nua do imóvel emitido por engenheiro agrônomo ou florestal, conforme estabelecido na NBR 14.653 da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT com grau de fundamentação e precisão II, com Anotação de Responsabilidade Técnica – ART registrada no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CREA, contendo todos os elementos de pesquisa identificados e planilhas de cálculo preferivelmente pelo método comparativo de mercado. Alternativamente, o contribuinte poderá se valer de avaliação efetuada pelas Fazendas Públicas (exatorias) ou municipais, assim como aquelas efetuadas pela Emater, apresentando os métodos de avaliação e as fontes pesquisadas que levaram à convicção do valor atribuído ao imóvel. Tais documentos devem comprovar o VTN na data de 1º de janeiro de 2011, a preço de mercado.
A ausência de comprovação da área efetivamente utilizada para plantação com produtos vegetais declarada implicará alteração do Documento de Informação e Apuração do ITR (DIAT), conforme Demonstrativo de Apuração do Imposto Devido anexo ao Termo de Constatação e Intimação Fiscal.
A falta de comprovação do VTN declarado ensejará o arbitramento do valor da terra nua, com base nas informações do Sistema de Preços de Terra – SIPT da RFB, nos termos do artigo 14 da Lei nº 9.393/96, pelo VTN/ha do município de localização do imóvel para 1º de janeiro de 2011, conforme Demonstrativo de Apuração do Imposto Devido anexo ao Termo de Constatação e Intimação Fiscal.
Conforme se verifica do Demonstrativo de Apuração do Imposto devido, anexo ao Termo de Constatação e Intimação Fiscal nº 6189/0007/2014, relativo ao ITR do exercício de 2011, a Municipalidade de Avaré não está reconhecendo a utilização da área de 2.499,5 ha pela Atividade Rural (área de produtos vegetais) e, por conseguinte, reduzindo a zero o grau de utilização do solo, declarado como 91%, bem como o valor das culturas, pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas declaradas como sendo de R$ 4.300.000,00.
O valor total do imóvel também sofreu aumento de R$ 12.500.000,00 para R$ 27.702.615,06
Devido a isso, o valor da terra nua passou de R$ 5.700.000,00 para R$ 25.202.615,06, ao qual foi aplicada uma alíquota de 8,60%, ao invés da alíquota de 0,30% aplicada anteriormente, resultando em um imposto a pagar de R$ 2.167.424,89, o qual descontando-se o valor pago de R$17.100,00 resulta em uma diferença a pagar de R$ 2.150.324,89.
Por fim, o Termo de Constatação e Intimação Fiscal dispõe que o não atendimento no prazo fixado ensejará o lançamento de ofício, nos termos dos arts. 50, 51 e 52 do Decreto nº 4.382, de 19 de setembro de 2002, Regulamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (RITR/2002), nos valores apresentados no demonstrativo de apuração do imposto devido.
A Consulente esclarece que em face da complexidade dos documentos solicitados e considerando que muitos documentos estão em poder de terceiros requereu a concessão de prorrogação do prazo fixado por mais 60 dias em 26/11/2014, bem como que em 26/01/2015 protocolizou petição requerendo a juntada de notas fiscais relativas à cana de açúcar colhida em 2009, requerendo, ainda, a prorrogação de prazo de até 45 dias para apresentação de documentação complementar para melhor comprovação da área ocupada pela cultura de cana de açúcar.
Relata que a área fiscalizada foi arrendada para a Companhia …, conforme instrumento particular de contrato de arrendamento de terras firmado em 30/09/2005 no qual a Consulente arrendou uma área aproximada de 1.100 alqueires paulistas, ou seja, 2.662 hectares da Fazenda à arrendatária, pelo período de 09 safras de cana de açúcar, iniciando-se na safra de 2005/2006 e terminando na safra de 2013/2014.
Para exploração de parte da área arrendada a Consulente informa que a arrendatária firmou em 10/04/2006 contrato de parceria agrícola com os senhores …. pelo período compreendido entre 11/04/2006 a 31/12/2017, no qual cedeu a posse 944,78 hectares da Fazenda aos parceiros outorgados que se obrigaram a utilizar a terra objeto do contrato de parceria agrícola exclusivamente no plantio e cultivo de cana de açúcar. Esse contrato foi aditado em 02/04/2007 e em 10/03/2013, mantendo, porém, parceria agrícola na exploração dos 944,78 hectares do imóvel denominado Fazenda … de propriedade da Consulente.
A Consulente ainda destaca que outra parte da área arrendada foi objeto de contrato de parceria agrícola entre a arrendatária e os senhores … pelo prazo de 10 anos, 1 mês e dezessete dias, com início em 14/11/2008 e término em 31/12/2018, no qual cedeu a posse de 1.540,03 hectares da Fazenda aos parceiros outorgados que se obrigaram a utilizar a terra objeto do contrato de parceria agrícola exclusivamente no plantio e cultivo de cana de açúcar;
A Consulente ainda apresenta o aditamento contratual nº 1 ao instrumento particular de contrato de parceria agrícola firmado entre Companhia … e senhores … datado de 10/03/2010, em que a parceria agrícola para exploração da área arrendada pela Consulente foi mantida.
Por fim, informa que em 30/09/2010 houve a rescisão do contrato de arrendamento mercantil de terras firmado entre a Companhia … e a Consulente, conforme instrumento particular de rescisão de contrato de arrendamento de terras e outras avenças que nos foi apresentado.
Esclarece que em 1º/10/2010 foi firmado novo instrumento particular de arrendamento de terras entre a Consulente e a Companhia … para arrendamento de 1.100 alqueires paulistas, ou seja, 2.662 hectares da Fazenda … de propriedade da Consulente, pelo prazo de 14 safras de cana de açúcar, iniciando-se na safra de 2010/2011 e terminando na safra de 2025/2026. Apresenta-nos, ainda, o Aditamento Contratual nº 01 ao Instrumento Particular de Contrato de Arrendamento de Terras firmado entre a Consulente e a Companhia… no qual restou retificado o contrato para que passe a constar que o arrendamento se dará pelo prazo de 16 safras de cana de açúcar e não 14 safras como constou originariamente.
Ressalta que parceiros agrícolas da arrendatária de suas terras venderam a cana de açúcar produzida para a Usina …, conforme notas fiscais de compra que nos foram apresentadas.
Para nosso exame a Consulente apresenta-nos os documentos antes referidos formulando os quesitos pertinentes que estão reproduzidos ao final e respondidos.
- PARECER
2.1 Considerações genéricas sobre o imposto territorial rural – ITR
Antes de responder aos requisitos formulados pela Consulente impõe-se um breve estudo acerca do ITR começando pela sua natureza extrafiscal.
2.1.1 Característica extrafiscal do ITR
A Constituição de 1988 manteve a característica extrafiscal do Imposto Territorial Rural – ITR – deixando claro que esse imposto não tem finalidade arrecadatória para abastecer a receita pública. As pequenas alterações trazidas pela nova ordem constitucional mantêm a essência do ITR, não afetando a aplicação das normas do Código Tributário Nacional.
Entretanto, os artigos 48 a 50 da Lei nº 4.504/64 que preconizavam a tributação regressiva e progressiva, permitindo-se a dedução de até 90% do imposto incidente sobre a propriedade rural, acham-se tacitamente revogados pela Lei nº 9.393 de 19-12-1996, sancionada antes da Lei Complementar nº 95/98 que regula o processo de elaboração legislativa que exige a revogação expressa dos dispositivos legais contrariados pela nova lei, a fim de preservar o princípio da segurança do Direito.
Vejamos como a Constituição vigente trata o ITR. Prescreve o § 4º do art. 153 da CF:
“§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput (ITR):
I – será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
II – não incidira sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando a explore o proprietário que não possua outro imóvel; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
III – será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução dos impostos ou qualquer outra forma de renúncia fiscal (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (Regulamento)
O inciso I preserva a função extrafiscal do ITR como instrumento de políticas agrária e agrícola, prescrevendo a tributação progressiva (punitiva) de imóveis improdutivos.
O inciso II imuniza do ITR as pequenas propriedades exploradas por proprietário que não possua outras, demonstrando preocupação do legislador constituinte de incentivar os pequenos proprietários e promover a sua inclusão social. Os arts. 3º e 3ºA regulamentam pormenorizadamente esse dispositivo constitucional ampliando o leque de benefícios fiscais a várias outras situações.
O inciso III permite ao Município fiscalizar e cobrar o ITR desde que opte nesse sentido, na forma da lei, hipótese em que lhe caberá 100% do produto da arrecadação (art. 158, II da CF). Em não fazendo essa opção caberá a ele 50% do produto da arrecadação do ITR feita pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (art. 158, II da CF).
A natureza ordinatória do ITR que resulta do exame do § 4º do art. 153 da CF é reafirmada pelo exame conjugado dos arts. 186 e 225 da Constituição que prescrevem:
“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Exatamente porque a função social da propriedade rural envolve o aproveitamento racional e adequado que preserve o meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual se constitui em um direito comum do povo brasileiro, é que a lei de regência do ITR, Lei nº 9.393/96, em seu inciso II, art. 10 exclui da área tributável aquelas áreas de preservação permanente e de reserva legal; as de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas; as áreas sob regime de servidão ambiental; as áreas cobertas por florestas nativas; e as áreas alagadas para fins de constituição de reservatórios de usinas hidrelétricas, além das áreas comprovadamente imprestáveis para qualquer tipo de exploração econômica (serras, montanhas, pântanos etc), por razões óbvias.
Diante desses textos constitucionais, a pretensão manifestada pela Prefeitura de Avaré revela total desprezo à função regulatória das políticas agrária e agrícola, aliás, cabente à União por meio de seus órgãos competentes ligados ao Ministério da Agricultura, além de ignorar a função ecológica da propriedade rural expressa na Constituição. O que se vê é apenas o apego exasperado do Município de Avaré de impor uma tributação tão inusitada quanto absurda, convolando, do dia para a noite uma tributação legal e razoável em uma tributação ilegal, irrazoável e ilegítima, descaracterizando o ITR como um imposto ordinatório. Só para citar, ao ITR regularmente pago pela Consulente no exercício de 2011, no valor de R$17.100,00, a Prefeitura de Avaré pretende fazer um lançamento retroativo cobrando o valor de R$2.167.424,89, isto é, um aumento da ordem de 12.674,99%. O absurdo salta aos olhos. Isso é querer acabar com o setor agrícola do País. Por falta de diligência ou outra razão qualquer, foi desconsiderada a área arrendada de 2.662 hectares, como mais adiante se verá, reduzindo a ZERO o Grau de Utilização da terra – GU – e, por conseguinte, ZERANDO, também, os valores das culturas agrícolas. Isso resultou na aplicação de uma alíquota progressiva de 8,60% sobre a base de cálculo de R$ 25.202.615,06, isto é, atribuindo-se à propriedade da Consulente um tratamento idêntico a de um latifúndio sujeito à desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.
A exacerbação tributária já era esperada quando o órgão vocacionado para lidar com esse tipo de imposto, o INCRA, deixou de ser o órgão fiscalizador e arrecadador, transferindo essa competência para a Secretaria da Receita Federal do Brasil, por força da Lei n٥ 8.022, de 12-4-90. A Receita Federal logo orientou o recadastramento das propriedades rurais no intuito de considerar como Valor da Terra Nua – base de cálculo do ITR – o valor de mercado, confundindo o preço que integra um dos elementos constitutivos da compra e venda com o valor fundiário de que trata o Estatuto da Terra – Lei nº 4.504/64. Na época escrevemos:
“Enxergamos nessa inovação um claro sinal de aumento de carga tributária, que poderá arruinar o setor agrícola, que vem apresentando bons resultados nos últimos anos”.[1]
De fato, com a mudança do órgão fiscalizador e arrecadador do tributo, do INCRA para a SRF, criou-se uma burocracia que envolve o manuseio de complicados formulários e leitura de inúmeras normas de menor hierarquia, exigindo-se até a intervenção de um engenheiro florestal ou agrônomo para o cumprimento de obrigações acessórias que só uma Lei Complementar poderia exigir, de conformidade com o art. 146, III, b da CF em respeito ao princípio federativo.
Essas obrigações impostas por normas subalternas são absolutamente incompatíveis com a cultura média dos que labutam no setor agrícola, em sua maioria, humildes proprietários rurais.
Com a delegação da competência fiscalizatória e arrecadatória para os Municípios, nos termos dos convênios a serem firmados com base na Lei nº 11.250/05 a questão da exacerbação tributária do ITR agravou-se ainda mais. Descaracterizou-se por completo e ao arrepio da ordem constitucional vigente a função ordinatória do ITR que, aliás, não cabe ao Município implementar por ser de competência da União. O Município, carente de recursos financeiros porque não foi contemplado adequadamente pelo legislador constituinte na divisão do bolo tributário, viu na faculdade conferida pela EC nº 42/2003 de optar pela fiscalização e arrecadação do ITR, uma oportunidade ímpar para abastecer o erário municipal a qualquer custo, longe das preocupações de natureza macroeconômica cabentes a outras esferas políticas.
Somente uma Reforma Tributária com a previsão de um novo pacto federativo descentralizando a receita tributária, hoje concentrada na União que arrecada 65% dos tributos em vigor, poderá restabelecer a normalidade tributária no sentido de que cada entidade política contemplada fiscalize e arrecade os tributos de sua competência. Delegar competência fiscalizatória e arrecadatória de um imposto destinado a regular a função social da propriedade rural para um ente político que não detém essa competência, como o ITR, jamais poderia cumprir a finalidade prevista na Constituição, qual seja, regular a função social da propriedade rural. Seria o mesmo que delegar para a União a competência para fiscalizar e arrecadar o IPTU progressivo no tempo, de natureza extrafiscal, previsto no inciso II, do § 4º, do art. 182 da CF para regular as funções sociais da cidade.
2.1.2 Da ilegitimidade ativa do Município de Avaré para fiscalizar e cobrar o ITR dos exercícios de 2010 e 2011.
Nos procedimentos fiscais de Avaré objetos de consulta a fiscalização e arrecadação do ITR referem-se aos exercícios de 2010 e 2011, nos quais pretende o lançamento suplementar retroativo para cobrar os valores de R$ 1.956. 803,25 e R$ 2.150.324,89, respectivamente.
A sua ilegitimidade ativa é patente. Não basta a previsão constitucional, nem a previsão da Lei Federal de nº 11.250, de 27 de dezembro de 2005, estampada nos documentos fiscais da Prefeitura do Município de Avaré, para legitimar a sua ação fiscalizadora e arrecadadora.
Para tanto é preciso que o Município, com base na Lei nº 11.250/05 e Decreto nº 6.433/2008 e alterações posteriores, celebre Convênio com a União por intermédio da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Ora, no caso sob exame, pelo que consta do Site da Receita Federal do Brasil, o Convênio com o Município de Avaré só foi firmado em 29 de dezembro de 2011, ou seja, no apagar das luzes de 2011. O Extrato da celebração do Convênio com o Município de Avaré foi publicado no Diário Oficial da União do dia 10 de janeiro de 2012, quando entrou em vigor o citado Convênio na forma da lei vigente, não bastasse o fato de que o próprio Extrato desse Convênio fixou a sua vigência “por prazo indeterminado a partir de sua publicação no Diário Oficial da União”.
Resulta claro, portanto, a absoluta falta de legitimidade do Município de Avaré para fiscalizar com efeito retroativo o ITR dos exercícios de 2010 e 2011 abrangidos pela competência originária da Secretaria da Receita Federal do Brasil, nos termos da Lei nº 8.022/90, à qual foram entregues os DITRs de 2010 e 2011 em 29-9-2010 e 30-9-2011, respectivamente.
- Do exame do caso consultado
O mérito da questão consultada resume-se no exame dos documentos ofertados pela Consulente e do laudo firmado pelo Engenheiro Florestal para saber se o imóvel rural de 2.904,3 hectares de propriedade da Consulente, de conformidade com a lei de regência de matéria, Lei nº 9.393/96, deve ou não ser onerado com o ITR no valor de R$1.956.803,25 e de R$ 2.150.324,89 a título de lançamentos suplementares dos exercícios de 2010 e 2011, respectivamente.
Para tanto é preciso preliminarmente examinar em rápidas pinceladas o fato gerador do ITR em seus aspectos mais relevantes para o caso sob consulta.
2.2.1 O fato gerador do ITR em seus aspectos relevantes para o caso sob exame
2.2.1.1 Aspecto subjetivo ativo
O sujeito ativo do ITR é a União por meio da Secretaria da Receita Federal do Brasil. A delegação de competência para o Município fiscalizar e arrecadar o ITR depende de Convênio. Já vimos que o Município de Avaré não detinha competência para fiscalizar e arrecadar o ITR dos exercícios anteriores ao Convênio firmado em 29-12-2011 e publicado no DOU do dia 10 de janeiro de 2012 para vigorar a partir de então. Não foi previsto, e nem poderia ser, o efeito retroativo.
2.2.1.2 Aspecto material e aspecto subjetivo passivo
O fato gerador do ITR é a propriedade, o domínio útil ou a posse do imóvel rural (art. 1º da Lei nº 9.393/96 e art. 29 do CTN). E o seu contribuinte, na forma do art. 31 do CTN e art. 4º da Lei nº 9.393/96 “é o proprietário de imóvel rural, o titular de seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título”.
Esses dois aspectos do fato gerador do ITR, o aspecto objetivo, nuclear ou material e o aspecto subjetivo passivo (contribuinte ou responsável) devem ser interpretados conjugadamente, sob pena de incorrermos em inconstitucionalidade na tributação do domínio útil ou da posse a qualquer título, visto que a Constituição Federal outorgou a competência impositiva à União para tributar a “propriedade territorial rural” (art. 153, VI).
A interpretação conjugada desses dois aspectos conduz ao entendimento de que o fato gerador desse imposto reside na disponibilidade econômica da propriedade rural para fins rurais. Imposto é um tributo do tipo captação de riqueza. Por isso, ficam fora do alcance do ITR os imóveis rurais abrangidos pelas zonas de proteção ambiental que estão despidos de seu conteúdo econômico.
Logo, o contribuinte do ITR é aquele que detém a disponibilidade econômica do imóvel podendo ser o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor a qualquer título que no caso sob consulta é o arrendatário e seus parceiros, contra quem os lançamentos do ITR devem ser feitos.
Não se trata de responsabilidade solidária, mas daquela pessoa que detém a disponibilidade econômica da propriedade rural para fins rurais. Na categoria de possuidor a qualquer título enquadra-se o arrendatário que extrai diretamente a fruição econômica do imóvel arrendado. O proprietário só obtém ganhos de capital representado pelo preço do arrendamento.
Aquele que explora o imóvel rural, proprietário, titular do domínio útil ou o promissor a qualquer título (arrendatário) é o contribuinte do ITR estando obrigado a entregar anualmente a DIAT correspondente a cada imóvel, na forma do art. 8º da lei de regência da matéria.
Não é dado ao sujeito ativo lançar o ITR sobre qualquer um dos três sujeitos passivos a seu critério, como se tratasse de responsabilidade tributária solidária.
A solidariedade é regulada no art. 124 do CTN nos seguintes termos:
“art. 124. São solidariamente obrigadas:
I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II – as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.”
Não se caracteriza a situação o inciso I porque a Consulente não é coproprietária do imóvel, nem promove exploração conjunta da atividade rural com seu arrendatário.
Esclareça-se que o “interesse comum” a que se refere o inciso I, do art. 124 do CTN consiste no interesse comum na situação jurídica que constitua o fato gerador da obrigação principal, não se confundido com o interesse econômico comum na exploração de determinada atividade econômica que existe, por exemplo, entre as empresas coligadas, mas que praticam cada uma delas de forma independente os atos configuradores de situações tipificadas na lei tributária . Daí porque, como dissemos, o lançamento do ITR deve ser feito contra aquele que detém a disponibilidade econômica do imóvel, único capaz de praticar atos que configuram o fato gerador do ITR.
Não se aplica, também, o inciso II porque não há lei, por ora, definindo a solidariedade da obrigação tributária do ITR entre o proprietário, o titular de domínio útil e o seu possuidor a qualquer título. E essa solidariedade só poderia ser definida entre as pessoas que tenham relação com a situação configuradora do fato gerador. Por isso, o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei nº 8.620/93 que prescrevia que “o titular de firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social”.[2] De fato, o ordenamento jurídico pátrio reserva a chamada responsabilidade objetiva apenas ao Estado e às concessionárias de serviço público (art. 37, § 6º da CF). Não se pode exigir tributo de quem não está relacionado com a situação ensejadora do respectivo fato gerador.
A Consulente tampouco é a responsável tributário à luz do que prescreve o art. 5º da Lei nº 9.393/96 in verbis:
“Art. 5º É responsável pelo crédito tributário o sucessor, a qualquer título, nos termos dos arts. 128 a 133 da Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966 (Sistema Tributário Nacional)”.
A Consulente não é sucessora de contribuinte anterior. A única sucessora no caso sob exame é a Companhia Agrícola Quatá relativamente à arrendatária originária da área de 2.662 hectares (Companhia Agrícola Luiz Zillo e Sobrinhos), como será visto mais adiante.
Outrossim, o art. 128 do CTN não tem aplicação ao caso vertente porque a Consulente não está vinculada à situação que configura fato gerador do ITR. Ela não pratica atos conjuntos com a arrendatária e seus parceiros que exploram a atividade canavieira, retirando da área arrendada diretamente o respectivo proveito econômico.
Concluindo, a Consulente não é contribuinte do ITR em relação à área arrendada de 2.662 hectares. Assim, tem pleno apoio legal a convenção feita no contrato de arrendamento, segundo a qual o imposto incidente fica por conta da arrendatária.
2.2.1.3 Aspecto quantitativo
O aspecto quantitativo é composto de base de cálculo e de alíquota. Examinemos a base de cálculo do ITR.
Segundo art. 30 do CTN a base de cálculo do imposto é o valor fundiário. E de conformidade com o art. 11 da Lei nº 9.393/96 a base de cálculo é o valor da terra nua sobre o qual recai a alíquota prevista na Tabela Anexa, levando-se em conta a área total do imóvel e o Grau de Utilização – GU.
Pergunta-se, há distinção entre “valor fundiário” de que cuida o CTN, e o “valor da terra nua” a que se refere a Lei nº 9.396/96? Se houver distinção, deve prevalecer o disposto no CTN, porque a definição de base de cálculo de imposto está sob reserva de lei complementar, art. 146, III, a da CF.
Valor fundiário do imóvel não é outra coisa senão o valor da terra nua, isto é, o valor do imóvel, com exclusão dos valores relativos a construções, instalações, benfeitorias, culturas permanentes e temporárias, pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas, como prescreve o inciso I do art. 10 da Lei nº 9.393/96.
Para o efeito de tributação pelo ITR o inciso II, do art. 10 da lei sob comento define a área tributável como sendo a área total do imóvel, menos as áreas de preservação permanente e de reserva legal; de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas; aquelas comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, agrícola ou florestal; as áreas sob regime ambiental, as áreas cobertas por florestas nativas, primárias ou secundárias em estágio medido ou avançado de regeneração; e as áreas alagadas para fins de constituição de reservatório de usinas hidroelétricas autorizadas pelo poder público.
É preciso sublinhar, desde logo, que o conceito de base de cálculo do ITR – valor fundiário ou valor da terra nua – que se extrai do art. 10 da Lei nº 9.393/96 não se confunde com o preço do imóvel que integra um dos elementos constitutivos da compra e venda. Por isso, o disposto no § 2º, do art. 8º da Lei nº 9.393/96 que dispõe no sentido de que o valor da terra nua deve “refletir o preço de mercado das terras” deve ser interpretado não literalmente, mas de forma sistemática, tendo em vista o sistema jurídico global que confere ao ITR natureza regulatória das políticas agrária e agrícola, não se prestando como imposto de finalidade arrecadatória. Convém lembrar que refletir não é sinônimo de coincidir. Aliás, é até intuitivo que no preço de compra e venda de um imóvel rural não se deduz os valores das benfeitorias, das instalações, das culturas existentes etc.
2.2.2 Da ilegitimidade passiva da Consulente à luz do Direito e da documentação por ela fornecida
Já foi demonstrada de forma exaustiva no tópico anterior (3.2.1.2) que a Consulente não é contribuinte do ITR por não deter a disponibilidade física do imóvel para exploração rural (art. 31 do CTN), não é devedora solidária por não caracterizar nenhuma das hipóteses do art. 124 do CTN, e nem é responsável tributária por não estar presentes os requisitos do art. 128 do CTN.
De fato, os documentos que nos foram encaminhados comprovam que dos 2.904,3 hectares, a Consulente, proprietária do imóvel rural, arrendou para a Companhia Agrícola Luiz Filho e Sobrinhos 2.662 hectares, conforme contrato firmado e m 30-09-2005, por um período de 9 safras de cana de açúcar, tendo início na safra de 2005/2006 e terminando na safra de 2013/2014. Esse arrendatário, por sua vez, em 10-4-2006, firmou contrato de parceria agrícola com Adilson José Rossetto e sua mulher Maria Augusta Dalbin Rossetto e outros compreendendo o período de 11-4-2006 a 31-12-2017, relativamente a 944,78 hectares. Esse contrato sofreu aditamento em 2/4/2007 e em 10/3/2013 mantendo, porém, a parceria agrícola sobre a área de 944,78 hectares. Esclarece-se houve rescisão do contrato de arrendamento original, e em 1/10/2010 foi firmado novo contrato de arrendamento entre a Consulente e a Companhia Agrícola Quatá, sucessora da primeira arrendatária, objetivando a mesma área de 2.662 hectares por um período de 16 safras, iniciando em 2010/2011 e terminando na safra de 2025/2026.
Outrossim, a arrendatária firmou um outro contrato de parceria agrícola com Fernando José Zillo, José Aparecido Portes Vieira e outros objetivando uma área de 1.540,03 hectares pelo prazo de 10 anos, de 14-11-2008 a 31-12-2018.
Logo, dos 2.662 hectares arrendados da Consulente a arrendatária firmou parceria agrícola com terceiros nominados abrangendo uma área total de 2.484,81 hectares. Presume-se que a diferença de área de 144,19 hectares (2.662 hectares menos 2.484,81 hectares) ficou na disponibilidade exclusiva da arrendatária para exploração direta da atividade rural, respeitada a legislação ambiental que impõe restrições ao uso do solo rural (reserva florestal, represas etc.).
Indubitável, pois que a Consulente não é o contribuinte do ITR, nem devedora solidária do imposto, e muito menos responsável tributário.
Os contribuintes do ITR são o arrendatário original, a sua sucessora e os parceiros citados, todos eles devedores solidários do ITR na forma dos arts. 31 e 124 do CTN e dos arts. 4º e 5º da Lei nº 9. 393/96.
Logo, em relação à área arrendada de 2.662 hectares, a Prefeitura de Avaré deve lançar o ITR sobre a Companhia Agrícola Luiz Zillo Sobrinho e sucessora Companhia Agrícola Quatá e seus parceiros Fernando José Zillo e outros, sendo que a Consulente é parte ilegítima para figurar no polo passivo.
É certo que a Instrução Normativa da Receita Federal de nº 256/2002 prescreve em seu art. 4º, § 4º que “não se considera contribuinte do ITR o arrendatário, comodatário ou parceiro de imóvel rural explorado por contrato de arrendamento, comodato ou parceria”. Mas, essa disposição do instrumento normativo subalterno, por contrariar o art. 31 do CTN, não vingou perante a jurisprudência de nossos tribunais, conforme ementas abaixo transcritas:
“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – ITR – CONTRIBUINTE – ÁREA DO IMÓVEL.
- O art. 31 do CTN indica, dentre os contribuintes do ITR, o possuidor.
- O arrendatário é possuidor direto, sendo, pois, contribuinte do ITR.
- Área constante do cadastro que não foi impugnada adequadamente.
- Recurso improvido” (Apel. Cível nº 1997.01.00.060226-0/MG, TRF da 1ª Região, Rel. Des. Federal Eliana Calmon, em 18-2-1998).
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO ITR. ARRENDATÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECONHECIMENTO.
- À luz do que preceitua o art. 31 do Código Tributário Nacional, o qual considera o possuidor a qualquer título de imóvel contribuinte do imposto territorial rural, resta manifesta a legitimidade passiva do embargante, visto que ostentava, na época do fato gerador da obrigação tributária, a condição de arrendatário do bem.
- É vedado ao apelante inovar no pedido em sede de recurso, sob pena de ferir o disposto no art. 514, II, do CPC.
- Apelação improvida” (AC nº 457998-PE (2007.83.00.018428-2), TRF da 5ֺ Região, Rel. Des. Federal Frederico Azevedo, em 05-05-2011).
2.2.3 Do exame do mérito
Ainda que se fizesse total abstração do fato de a área de 2.662 hectares do imóvel da Consulente ter sido arrendada desde 2005 para vigorar até o ano de 2.025, de forma ininterrupta, para exploração da atividade canavieira, ainda assim, o procedimento do fisco municipal contra a Consulente é totalmente improcedente.
Como é sabido e ressabido, doutrina e jurisprudência classificam o ITR como um protótipo do imposto de natureza real, porque tem como objeto de tributação um bem imóvel, aquele situado fora da zona definida como zona urbana do município, nos termos do § 1º, do art. 32 do CTN.
Assim, não é relevante saber para fins de tributação quem está explorando o imóvel. O que é relevante para mensuração do imposto a pagar é o fato de o imóvel rural estar cumprindo a sua função social e sendo efetivamente utilizado para o fim a que se destina, mediante ocupação racional e integral de toda a área aproveitável que a lei de regência da matéria denomina de TERRA NUA TRIBUTÁVEL. O nome do contribuinte só é relevante para o fim de encaminhamento do lançamento tributário efetuado, não tendo relevância na apuração do imposto, por não se tratar de imposto de natureza pessoal, como o IRPF.
Logo, independentemente de saber de quem é a responsabilidade pelo pagamento do ITR, se é do proprietário ou da arrendatária e seus parceiros, a verdade é que não se pode desconsiderar a área arrendada de 2.662 hectares para a apuração do Valor da Terra Nua Tributável – VTNt.
Tampouco, pode-se excluir para fins do cálculo do Grau de Utilização – GU – a área arrendada para exploração da atividade canavieira desde 2005 para terminar na safra de 2025/2026, a menos que se parta da absurda premissa de que a arrendatária arrendou 2.662 hectares arcando com as despesas de arrendamento, sem promover qualquer atividade lucrativa, ignorando a vasta documentação fiscal representada por notas fiscais de produtor em nome da arrendatária ou seus parceiros agrícolas.
O laudo técnico apresentado pelo engenheiro florestal, Dr. Plinio Ruschi, demonstra por meio de imagens de satélite que na propriedade rural da Consulente foram encontradas as áreas de eucalipto, de pastagens, de vegetação nativa, de rio e de cultivo de cana de açúcar, conforme ilustrações anexas no laudo.
Essas imagens de satélites datadas de 2009 e 2010 foram atualizadas para 5 de julho de 2015 para “verificação de eventuais alterações no uso do solo”. Feita a varredura de campo nos dias 26, 27 e 28 de agosto de 2015 por meio de receptor GPS de precisão métrica (Trimbles ® Juno SC), específico para fins de mapeamento, resultou nas fotos V.2.1 a V.2.6 onde é possível visualizar quatro (4) polígonos de cultivo de cana de açúcar; vista de fragmento de vegetação nativa; visão global da fazenda; e vista do reservatório de água com pastos nas suas margens.
Outrossim, a entrevista do perito com o gerente da fazenda que mora no local há 27 anos, confirmou o arrendamento das terras para o cultivo de cana de açúcar desde 2005.
No item V.4 do laudo (Mapeamento das Áreas Efetivamente Aproveitadas dos anos de 2010/2011) confirmou-se que a área aproveitável do imóvel rural em questão é de 2.223,92 hectares que corresponde à área total do imóvel de 2.904,3 hectares com a exclusão das áreas de Preservação Permanente (24,30 hectares) e de Reserva Legal (634,88 hectares) e de áreas ocupadas por benfeitorias úteis e necessárias à exploração rural (21,20 hectares).
A área efetivamente aproveitada nos exercícios de 2010 e 2011 corresponde a 2.142,10 hectares localizada dentro das áreas arrendadas para o cultivo da cana de açúcar.
Essa exploração da atividade canavieira resultou na venda de 209,05 toneladas e 18,94 toneladas de cana de açúcar nos anos de 2010 e 2011, respectivamente.
No item V.5 do laudo técnico temos o demonstrativo do Grau de Utilização – GU -, a apuração da alíquota aplicável sobre o Valor da Terra Nua Tributável (VTNt) e o ITR dos anos de 2010 e 2011.
Apurou-se por meio de dados obtidos pelo mapeamento do uso do solo o Grau de Utilização – GU – de 96,32% que corresponde à área efetivamente utilizada, dividida pela área aproveitável, conforme prescrição do art. 10, § 1º, VI da Lei nº 9.393/96.
Para cálculo do Valor da Terra Nua (VTN) levou-se em conta o valor total do imóvel com as exclusões correspondentes aos valores das benfeitorias úteis e necessárias, das culturas, pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas, chegando-se ao valor final de R$6.000.000,00, um pouco além do declarado pela Consulente que foi no valor de R$5.700.000,00.
Para cálculo do Valor da Terra Nua Tributável (VTNt) partiu-se da área efetivamente utilizada para a atividade rural (2.242,34 hectares) dividido pela área total do imóvel (2.904,03 hectares) multiplicado pelo Valor da Terra Nua (R$6.000.000,00) o que resultou no Valor da Terra Nua Tributável (VTNt) de R$ 4.638.204,68, conforme demonstrativo da Tabela Vl-1 do laudo anexo.
Aplicando-se a Tabela de incidência do ITR a que se refere o art. 11 da Lei nº 9.393/96 sobre a base de cálculo (VTNt) ao valor de R$4.638.204,68 foi aplicada a alíquota de 0,30%, perfazendo o valor do ITR de R$13.914,61 para os exercícios de 2010 e 2011, isto é, R$ 3.185,40 a menos do que o valor pago pela Consulente que foi de R$17.100,00. Portanto, a Consulente faz jus à restituição de R$ 6.370,80 acrescidos de juros e correção monetária.
- Respostas aos quesitos
- A Municipalidade de Avaré tem legitimidade para fiscalizar e cobrar o ITR dos exercícios de 2010 e 2011 como consta do procedimento fiscal? Por quê?
R: A Municipalidade de Avaré não tem legitimidade para promover fiscalização e cobrança do ITR de 2010 e 2011. Como demonstrado no corpo deste Parecer a Prefeitura de Avaré firmou o Convênio com a União por intermédio da Secretaria da Receita Federal do Brasil para fiscalizar e arrecadar o ITR com base na Lei nº 11.250/05 e Decreto nº 6.433/2008 e alterações posteriores, no dia 29 de dezembro de 2011, sendo que o Extrato desse Convênio foi publicado no Diário Oficial da União do dia 10 de janeiro de 2012, quando entrou em vigor o citado Convênio na forma da lei vigente, não bastasse o fato de que o próprio Extrato desse Convênio fixou a sua vigência “por prazo indeterminado a partir de sua publicação no Diário Oficial da União”. E mais, nos termos da cláusula 4 da minuta padrão de Convênios “o conveniado fará jus a 100% (cem por cento) do produto da arrecadação do ITR, referente aos imóveis rurais situados em seu território, a partir do 1º (primeiro) dia útil do 2º (segundo) mês subsequente à data de celebração do convênio”.
Logo, o Município de Avaré só poderia fiscalizar e arrecadar o ITR a partir do dia 1º de março de 2012. Como pretender cobrar o ITR de 2010 e 2011quando a Prefeitura de Avaré tinha apenas a perspectiva de receber 50% do imposto fiscalizado e arrecadado pela Secretaria de Receita Federal do Brasil?
- A Consulente é responsável pelo pagamento do ITR incidente sobre a área arrendada de 2.662 hectares? Em caso contrário, de quem é a responsabilidade nos termos da lei vigente?
R: Como se depreende da exposição feita no corpo deste Parecer a Consulente não é responsável pelo pagamento do ITR incidente sobre a área arrendada de 2.662 hectares. Não há entre o proprietário rural e o arrendatário a responsabilidade solidária que está limitada aos casos elencados no art. 124 do CTN. Nem há, outrossim, a figura do responsável tributário porque a Consulente não se enquadra na previsão do art. 128 do CTN por não participar da situação configuradora do fato gerador do ITR. Em relação à área arrendada a Consulente perdeu a disponibilidade econômica da propriedade rural para fins de exploração de atividade rural. Apenas aufere ganhos de capital com o arrendamento.
A responsabilidade pelo pagamento do ITR relativamente à área de 2.662 hectares é da arrendatária Companhia … bem como da sucessora Companhia … e seus parceiros agrícolas … e outros que efetivamente vêm promovendo a atividade canavieira no imóvel arrendado. Assim, a convenção das partes no contrato de arrendamento segundo a qual a responsabilidade pelo pagamento do imposto é da arrendatária encontra pleno apoio legal.
- No cálculo da área do imóvel efetivamente utilizada pode-se excluir a área arrendada?
R: Não. O ITR é imposto de natureza extrafiscal para regular as políticas agrárias e agrícolas com vistas ao cumprimento da função social da propriedade rural definida no art. 186 da CF. E é um imposto de natureza real que tem por objeto o imóvel rural. Não importa quem está cultivando, mas, importa que a terra na parte aproveitável esteja ocupada com explorações agrícolas ou agro-pastoris.
O que a Lei não quer é a propriedade ociosa que pode até vir a ser desapropriado para preservar a sua função social.
- No cálculo do Valor da Terra Nua tributável pode-se deixar de excluir o valor das culturas de cana de açúcar decorrentes da exploração pelo arrendatário e seus parceiros?
R: Não. O valor das culturas de cana de açúcar decorrentes da exploração pelo arrendatário e seus parceiros, desde que comprovada por meio de contratos escritos revestidos de formalidades legais, como no caso sob exame, além das notas de produtor, equivale à exploração direta da área pelo seu proprietário.
- Está correta a alteração do Valor da Terra Nua declarado pela Consulente no importe de R$5.700.000,00 que foi retificado para R$25.202.615,06 pela Prefeitura de Avaré? Em caso negativo a que se deve essa diferença de R$19.502.615,00?
R: Não. A alteração pela Prefeitura de Avaré do Valor da Terra Nua declarado pela Consulente não tem fundamento legal. A diferença de R$ 19.502.615,00 encontrada pelo fisco municipal deve-se à total desconsideração da área arrendada na apuração do Valor da Terra Nua e consequentemente desconsideração dos valores da produção auferida pelo arrendatário e seus parceiros. O valor correto da Terra Nua (VTN) apurado de conformidade com a lei de regência da matéria é de R$ 6.000.000,00.
- Está correta a aplicação da alíquota progressiva de 8,60% sobre a base de cálculo de R$25.202.615,06? Qual a alíquota aplicável ao caso vertente? E qual o valor do ITR para os exercícios de 2010 e 2011?
R: A aplicação da alíquota de 8,60% sobre a base de cálculo de R$ 25.202.615,00 está incorreta e decorre do equívoco mencionado na resposta dada ao quesito anterior.
A alíquota aplicável de acordo com a Tabela Anexa referida no art. 11 da Lei nº 9.393/96 é de 0,30% incidindo sobre o Valor de Terra Nua Tributável (VTNt) de R$ 4.638.204,68, conforme demonstrativo da Tabela Vl-1 do laudo em anexo. O valor correto do ITR é de R$ 13.914,61 tanto para o exercício de 2010, como para o exercício de 2011, pelo que a Consulente faz jus à restituição do valor de R$ 6.370,80 acrescido de juros e correção monetária.
- É legal a pretensão da Prefeitura de Avaré de proceder ao lançamento suplementar retroativo ao exercício de 2010 no valor de R$ 1.956.803,25?
- É legal a pretensão da Prefeitura de Avaré de proceder ao lançamento suplementar retroativo ao exercício de 2011 no valor de R$2.150.324,89?
RR 7/8: De conformidade com as respostas dadas aos quesitos anteriores não procede a pretensão da Prefeitura de Avaré de proceder lançamentos suplementares retroativos aos exercícios de 2010 e 2011 cujos ITRs foram pagos até em excesso, como se verifica da resposta dada ao quesito de nº 6.
- Se ilegais os lançamentos suplementares retroativos pretendidos pela Prefeitura de Avaré, qual ou quais as medidas cabíveis para a preservação dos direitos da Consulente?
R: São cabíveis as seguintes medidas para estancar ab initio a pretensão fiscal da Prefeitura de Avaré:
- Requerer junto ao fisco municipal de Avaré, mediante exibição deste Parecer, o encerramento e arquivamento definitivo do procedimento administrativo fiscal deflagrado, tendo em vista falecer legitimidade ao Município de Avaré para fiscalizar e cobrar o ITR dos exercícios de 2010 e 2011, haja vista que o Convênio de que trata a Lei nº 250/05 somente foi firmado com a União, em 29 de dezembro de 2011, com o respectivo Extrato publicado no Diário Oficial da União do dia 10 de janeiro de 2012, quando entrou efetivamente em vigor o Convênio celebrado.
- Superada a medida preliminar, requerer junto a Prefeitura de Avaré a revisão da pretensão fiscal manifestada com base neste Parecer e com fundamento no laudo do engenheiro florestal, Dr. Plinio Ruschi que demonstra a veracidade das informações prestadas pela Consulente por meio das DITRs, aliás, comprova até pagamento do ITR em excesso.
- c) Sobrevindo o lançamento suplementar pretendido apresentar junto à Prefeitura de Avaré a competente impugnação administrativa no prazo legal. Depois de instruído, o processo seguirá à Delegacia de Julgamento da Secretaria da Receita Federal do Brasil para julgamento. Da decisão desfavorável ao contribuinte caberá recurso ao CARF.
Esgotada a instância administrativa, em persistindo a decisão contrária à Consulente, poderá a referida decisão e os lançamentos suplementares serem anulados pelo Judiciário por meio da competente ação declaratória de inexigibilidade do crédito tributário.
Entretanto, independentemente de qualquer impugnação administrativa poderá a Consulente, se quiser, lançar mão de ação judicial desde logo para invalidar os lançamentos suplementares que vierem a ser feitos, quer por vícios formais, quer por vícios materiais apontados neste Parecer.
É o nosso entendimento smj.
[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 447.
[2] RE nº 562276/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 12-11-2010.