Assunto: Prorrogação do Termo de Contrato nº … celebrado com a Prefeitura do Município de São Paulo em face da ocorrência de caso fortuito ou força maior.
Kiyoshi Harada
Marcelo Kiyoshi Harada
1 Consulta e quesitos formulados
A Consulente consulta-nos sobre a possibilidade de prorrogação do Termo de Contrato nº … firmado com a Prefeitura do Município de São Paulo, por intermédio da Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico, no dia 10/11/2016, para a prestação de serviços técnicos especializados de Mapeamento Digital, por meio de recobrimento aerofotogramétrico digital colorido (RGB) e infravermelho (Infrared – IR), perfilamento por Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation (LASER) tipo Light Detection And Ranging (LIDAR), apoio de campo, aerotriangulação, geração de modelos digitais tridimensionais, geração de ortofotos, mapeamento digital da cobertura vegetal, e georreferenciamento das cartas SCM do Mapeamento da Vegetação Significativa do Município de São Paulo e das folhas do livro Vegetação Significativa do Município de São Paulo (SMA & SEMPLA, 1988).
Relata que conforme cláusula sexta do Termo de Contrato nº …, o prazo de vigência do contrato era de 20 meses a contar de sua assinatura, esgotando-se, portanto, em 09/07/2018.
Informa que em 12/03/2018, devido a severas restrições impostas pelos órgãos controladores, as condições climáticas desfavoráveis e a grande complexibiliidade de execução do projeto, solicitou à Prefeitura do Município de São Paulo aditivo de prazo contratual para a prorrogação do prazo constante do Termo de Contrato nº 53/2016 por mais 6 meses.
Assinala que a Prefeitura Municipal de São Paulo, em 19/07/2018, enviou-lhe e-mail encaminhando o Ofício COADM-G16/2018 que negou o seu pedido de prorrogação do contrato nº 53/2016, conforme abaixo transcrito:
“Em resposta a “Solicitação de Aditivo de Prazo Contratual – Ref: 0073_2018_Green”, do contrato 53/2016 – Contratação de empresa especializada para prestação de serviços técnicos especializados de Mapeamento Digital, firmado entre o Consórcio Green e a Secretaria Municipal da Fazenda, informamos que a referida solicitação não foi aceita conforme anexos.
Portanto, seu término ocorreu em 09/07/2018.
Atenciosamente.
Eliane Ostrowsli
Coordenadora – COADM-G
Secretaria Municipal da Fazenda”
Apresenta-nos, ainda, o Parecer SF/COJUR Nº 9267105 que com base na manifestação do Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal da Fazenda que entendeu que os argumentos apresentados pela empresa não eram suficientes para ensejar a alteração do prazo contratual e nem para imputá-los a conduta da Administração, não se vislumbrando necessidade de prorrogação, devendo o prazo fatal do contrato ser observado, opinou pelo indeferimento da solicitação de prorrogação de prazo contratual porque além de não haver direito subjetivo do contratado à prorrogação contratual, o prazo de execução e todas as suas condições foram devidamente descritas no edital da licitação ensejadora da presente contratação, sendo de total conhecimento da Consulente, não podendo a Administração ser responsabilizada pelo risco do negócio contratado.
Para melhor compreensão dos fatos apresenta os seguintes documentos:
- a) Termo de Contrato nº …;
- b) Termo Aditivo nº 01 ao Contrato SF Nº …;
- c) Solicitação de Aditivo de prazo contratual;
- d) Ofício SF/COADM-G nº 16/2018;
- e) Parecer SF/COJUR Nº 9267105.
Diante do exposto a Consulente apresenta os quesitos ao final transcritos e respondidos.
Parecer
2 Exame do conteúdo do despacho de indeferimento da prorrogação do prazo contratual pleiteada pela Consulente
Houve indiscutivelmente um involuntário equívoco no douto parecer SF/COJUR nº 9267105 no qual foi ancorado o despacho da autoridade administrativa competente, indeferindo o pedido de prorrogação do prazo contratual devidamente fundamentado na doutrina e na lei de regência da matéria, como veremos mais adiante.
Esse equívoco decorreu do excesso contido na narrativa dos fatos pela Consulente que fez referência a fatos irrelevantes juridicamente, como as alterações e ajustes em relação à proposta técnica e comercial originariamente submetida pelo consórcio Green, após a assinatura do contrato. Essas alterações decorreram da firmatura pelas partes do “Termo Aditivo nº 01 ao contrato SF …”, datado de 14-8-2017, portanto, de pleno conhecimento e concordância da Consulente.
As alterações de cláusulas contratuais não foram invocadas como fundamento do pedido, mas assim entendeu a autoridade administrativa competente, cujo despacho de indeferimento do pleito da Consulente está inteiramente lastreado no parecer jurídico da COJUR que se refere à alegação de que “o atraso na execução do objeto contratado se deu em razão da ocorrência de comportamento omissivo da administração”. E conclui:
“Diante da manifestação do chefe de gabinete desta pasta, que entendeu que a administração não é responsável pelos fatos narrados pelo contratado, além de não haver um direito subjetivo do contratado à prorrogação contratual, cumpre a esse órgão de assessoramento jurídico opinar pelo indeferimento do pleito em questão, pois o prazo de execução contratual e todas as suas condições foram devidamente descritas no edital da licitação ensejadora da presente contratação, portanto, de total conhecimento dos participantes do procedimento licitatório, salientando que a Administração não pode ser responsabilizada pelo risco do negócio contratado”.
Verifica-se que o órgão técnico de assessoria jurídica limitou-se a encapar a opinião leiga do Sr. Chefe de gabinete da secretaria que não “vislumbrou necessidade de prorrogação” e negou qualquer omissão da Prefeitura.
Só que o indeferimento só veio a acontecer 10 dias após o vencimento do prazo do contrato.
A verdadeira razão que levou a Consulente a requerer a dilação do prazo contratual foi o advento de caso fortuito ou força maior, como se passará a demonstrar.
3 Ocorrência de caso fortuito ou força maior
Caso fortuito ou força maior são hipóteses de exoneração de responsabilidade contratual. Há uma interminável discussão quanto a natureza de um e de outra, mas tendo em comum a imprevisibilidade do evento. Para Whashington de Barros Monteiro a força maior resulta de eventos físicos ou naturais como granizo, raio, inundação etc., ao passo que, caso fortuito decorre de fato alheio, gerador de obstáculo que o devedor não logra superar, como a greve, motim, guerra etc.[1] Outros autores invertem a conceituação considerando como caso fortuito os impedimentos imprevisíveis decorrentes do fenômeno da natureza, como tufão, terremoto etc., e como força maior, a ocorrência de situação imprevisível decorrente da ação do homem, como greve no setor de transportes implicando paralisação parcial ou total das atividades comerciais, industriais e de serviços; a retirada de mercadoria por determinação do Poder Público etc. Entretanto, essa distinção doutrinária não tem relevância jurídica, tendo em vista que o Código Civil em seu art. 393 emprestou idêntico efeito n’uma e n’outra hipóteses:
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizados.
Parágrafo único – O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeitos não era possível evitar ou impedir”.
Resulta do exame desse dispositivo legal a necessidade da presença simultânea de três requisitos para a configuração da força maior ou caso fortuito:
- a) ser o evento imprevisível necessário, isto é, não decorrente de culpa do devedor; assim não pode invocar força maior ou caso fortuito se o incêndio decorreu, por exemplo, da negligência do devedor, ou se este firmou o contrato durante uma guerra;
- b) o fato imprevisível deve ser superveniente e inevitável;
- c) o fato superveniente deve ser irresistível, isto é, que não pode ser removido pela vontade do devedor, como no caso de ordem emanada de autoridade pública competente que impede a execução do contrato, ou a inviabiliza no todo ou em parte.
Passemos ao exame dos fatos que caracterizam o caso fortuito ou força maior.
A Consulente estava habituada a executar serviços da espécie como o que foi firmado com a Prefeitura de São Paulo. Antes e após a assinatura do contrato nº 53/2016 a Consulente vinha executando serviços da espécie com o emprego de duas aeronaves voando a uma altitude superior a 4.200 pés. Acontece que constantes interrupções de voos na execução do objeto contrato levou a Consulente a buscar junto ao órgão competente da Aeronáutica uma alternativa para evitar contratempos nos serviços de mapeamento digital por meio de recobrimento aerofotogramétrico, resultando na expedição de autorização, datada de 13-2-2017, pela qual houve a limitação do uso de espaço aéreo por instruções emanadas do Serviço Regional de Proteção ao Voo de São Paulo (SRPV-SP), através do Departamento de Controle do Espaço Aéreo do Comando da Aeronáutica (DECEA) e Ministério da Defesa (MD), conforme documento de pleno conhecimento da contratante. Isso aconteceu decorridos cerca de três meses a contar da assinatura do contrato com prazo de vigência de 20 meses.
As restrições impostas pela Aeronáutica na execução do serviço de mapeamento digital mediante a utilização de aeronaves consistiram no seguinte:
- a) Alteração da altitude de voo para acima de 11.000 pés, ao invés da altitude de 200 pés, como vinha sendo feito até então;
- b) interrupção efetiva da atividade a critério do APP-SP quando as condições de tráfego aéreo ou meteorológicas assim exigirem, uma vez que tal voo não deverá impactar a circulação aérea dos aeroportos de Guarulhos e Congonhas.
- c) o APP-SP somente autorizará o voo nos horários de 11:00 H local até o pôr-do-sol aos sábados, e do nascer do sol até as 15:00 H aos domingos;
- d) Não será autorizado o voo de mais de uma aeronave em aerolevantamento dentro da TMA-SP, uma vez que já existem outros pedidos na mesma área.
Essas restrições impostas pela autoridade pública competente em plena execução do contrato prejudicaram sobremaneira a ultimação dos serviços. Senão vejamos.
Limitação referida na letra “a”
A pior das restrições é aquela apontada nessa letra. Ao proceder a alteração da altitude de voo para além de 11.000 pés, ao invés de 4.200 pés vigorante a época da contratação, forçou a Consulente a adotar medidas excepcionais que consumiram parte preciosa de seu tempo. Na falta de equipamento técnico adequado no Brasil foi preciso lançar mão de importação de uma nova câmera aerofotogramétrica para utilização de lentes com distância focal calibrada de 110 mm, visando a realização de voos com altitude superior a 11.000 pés, exigida pela nova autorização de voo emanada da Aeronáutica. O que é pior, no decorrer da execução do serviço aconteceu um novo evento imprevisível: o equipamento importado apresentou repentinamente um defeito técnico após pouco tempo de uso, acarretando a paralisação dos serviços da Consulente. Por se tratar de equipamento importado específico para execução dos serviços contratados não foi possível o seu conserto no Brasil. Também, não foi encontrando outro equipamento igual no Japão, porque o aludido equipamento não foi produzido em escala industrial. Após intensas negociações com a fabricante no Japão ficou acertado o exame do equipamento e seu conserto. A Consulente, por via de um portador, levou-o até a fabricante no Japão para diagnosticar o defeito e promover a substituição do componente danificado. Após teste e final liberação para uso foi o equipamento em tela trazido de volta para o Brasil pelo mesmo portador que lá permaneceu do dia 5 até 30 de junho de 2017. Esse evento que era imprevisível acarretou a paralisação de serviços por mais de um mês, tudo conforme minuciosamente relatado no Ofício 0024.2017_Green protocolado em 29-6-2017.
Mas não é só. A alteração da altitude de voo inviabilizou a execução do recobrimento aerofotogramétrico e laser de forma simultânea e implicou a execução do voo laser mediante utilização de helicóptero, voando a baixa altitude para evitar impacto sobre trafego aéreo na Área Terminal da Cidade de São Paulo.
Tudo isso causou um impacto severo no orçamento do projeto, tendo em vista que foi necessário o uso de duas aeronaves de características distintas para o recobrimento aéreo com os sensores aerofotogramétricos e laser, contrapondo o voo simultâneo inicialmente previsto. Isso sem contar as despesas extraordinárias com a importação de um novo equipamento do Japão e ulterior transporte dele ao Japão para conserto. Esses fatos, por si só, justificariam a recomposição do preço para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Mas, disso não cogita a Consulente que pleiteia somente a justa prorrogação do prazo contratual pela superveniência de caso fortuito ou força maior.
Restrições apontadas na letra “b”
Essa restrição implicou inúmeras interrupções a fim de não impactar a circulação aérea nos entornos dos aeroportos de Guarulhos e Congonhas ao menor sinal de condições meteorológicas desfavoráveis.
Restrições apontadas na letra “c”
A redução do horário de trabalho, exatamente nos dias da semana em que há maior facilidade nas execuções nos trabalhos aerofotogramétricos, restringindo-o aos sábados e domingos, prejudicou intensamente o cronograma de trabalho da Consulente.
Restrição contida na letra “d”
A pretexto de que “já existem outros pedidos na mesma área” o SRPV-SP reduziu pela metade o potencial do trabalho da Consulente que se viu obrigada a utilizar apenas uma aeronave para execução dos trabalhos que vinham sendo feito com emprego de duas aeronaves.
Outrossim, documentos encaminhados pela Consulente à contratada comprovam que nos primeiros meses do ano, principalmente no período de fevereiro a maio, as condições meteorológicas desfavoráveis verificadas no Município de São Paulo não permitiram a obtenção de imagens aéreas devido a ocorrência de chuvas e nuvens na maior parte do período, agravadas pela limitação de horário de voo imposto pelo órgão da aeronáutica. Dir-se-á que chuvas e trovoadas nesse período era previsível. É verdade! A imprevisibilidade está no fato da impossibilidade de precisar onde, quando e com que intensidade acontecerá a chuva. Dependendo do local da chuva e sua intensidade a execução do serviço poderá ficar impossibilitada, não bastasse a paralisação determinada pelo órgão competente da Aeronáutica, com fundamento na limitação prevista na letra “b”.
A partir de maio de 2017, quando houve melhora nas condições meteorológicas, aconteceu uma fatalidade que interrompeu a execução dos serviços. Houve defeito técnico na lente de 110 mm da câmera aerofotogramétrica importada do Japão, como narrada anteriormente, trazendo contratempos que conspiraram contra a execução total dos serviços contratados.
Efetivamente, essas ocorrências fizeram com que restassem 36 km² de trechos de faixas de voo para conclusão do recobrimento aerofotogramétrico de toda área do município, cujas imagens não foram ainda aprovadas por conta de pequenas diferenças nos ângulos solares permitidos e algumas névoas, na região sul da cidade, sempre sujeita à umidade proveniente da Serra do Mar e do oceano, dificultando a obtenção de imagens isentas de nuvens. Apesar da aeronave e da tripulação permanecerem à disposição para a conclusão desses voos, as más condições meteorológicas relativas a essas áreas não permitiram a conclusão do mapeamento da área do projeto licitado.
As situações fáticas narradas caracterizam, sem sombra de dúvida, caso fortuito ou força maior de que cuida o art. 393 do Código Civil, pelo que a prorrogação do prazo contratual tem expressa previsão no § 1º, do art. 57 da Lei nº 8.666, de 21-6-1993 que arrola os casos de prorrogação do contrato, como veremos.
“Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
….
- 1oOs prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo:
….
II – superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato”.
Comentando o § 1º do art. 57 da lei de regência da matéria de Maria Sylvia Zanella de Pietro pondera:
“Ainda com relação aos prazos contratuais, há de se observar que a prorrogação dos contratos pode ainda ser feita com inobservância das restrições contidas no artigo 57, caput, quando ocorrerem as circunstâncias excepcionais previstas no § 1º. Todas elas ocorrem para atender ao interesse da própria administração e não teria sentido que a prorrogação nesse caso, ficasse sujeita a restrição do caput. Só que, ocorrendo uma das hipóteses expressamente previstas no § 1º, a prorrogação deve ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato. A prorrogação prevista no caput do art. 57, inciso I a IV, só é possível se prevista no ato convocatório e no contrato; a do § 1º, precisamente por atender as circunstâncias excepcionais, independe de previsão.[2] (destacamos).
Também Celso Antonio Bandeira de Melo admite a prorrogação do contrato independentemente de previsão contratual:
“Os prazos de início, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, que de há de ser sempre justificada por escrito e autorizada pela autoridade competente, mantida a equação econômico-financeira, perante certas hipóteses nas quais é efetuável independentemente do edital ou do contrato haverem-na previsto. São elas: alteração do projeto ou especificações pela administração; superveniência de fato imprevisível que altere fundamente (sic) suas condições de execução; interrupção ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem da administração; aumentos dos quantitativos inicialmente previstos; impedimento da execução provocado por evento de terceiro; reconhecimento contemporaneamente pela administração e omissão ou atraso de providências a cargo desta (§ 1º do art. 57)” [3](o destaque é nosso).
Odete Medauar, igualmente leciona que mediante justificação por escrito e mediante autorização da autoridade competente impõe-se a prorrogação do contrato na “superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes”. [4]
No mesmo sentido a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho:
“O estatuto dispõe sobre a prorrogação prevendo apenas as hipóteses que pode ensejá-la (art. 157, § 1º), com a exigência de que sempre deverá ser justificada e previamente autorizada pela autoridade competente (…)
São causas que ensejam a prorrogação: 1) alteração do projeto; (…) 4) fatos imprevisíveis de caráter excepcional, estranhos a vontade das partes (…)
Deve-se assinalar, por fim, que a lei não exigiu que fosse prevista a cláusula de prorrogação nos contratos. Mesmo se houver previsão, todavia, as partes não podem negociar a prorrogação fora dos casos relacionados na lei. Somente se ocorrer um dos fatos geradores é que será legitimo prorrogar os prazos de início, de etapas de execução, de conclusão e de entrega do objeto ajustado.” [5] (o destaque é nosso).
Em face da doutrina vigorante e do expresso texto legal impunha-se o reconhecimento de caso fortuito ou força maior, acolhendo-se o pedido de prorrogação tempestivamente formulado pela Consulente, ao invés de indeferi-lo dez dias após o vencimento do prazo contratual, implicando violação dos princípios constitucionais, como se verá no tópico seguinte.
4 Violação dos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa
Marçal Justen Filho comentado os casos de prorrogação do contrato administrativo sustenta a natureza vinculativa das hipóteses arroladas no § 1º, do art. 57 da Lei de Licitação:
“Inexiste margem de discricionariedade para administração negar a prorrogação nos casos enfocados: Trata-se de atividade, cujos, pressupostos estão arrolados no texto legal. Não se remete à liberdade da administração escolher entre conceder ou não a prorrogação. A lei exige, isto sim, a rigorosa comprovação da presença de requisitos legais. Uma vez presentes, surge o direito do particular a obter a prorrogação.A ‘justificativa’ a que alude o § 2º consiste apenas na confirmação de que os pressupostos legais estavam presentes nos casos concretos.
Cabe à Administração promover a documentação das ocorrências, efetivando os levantamentos e produzindo as provas necessárias. Nesse procedimento deverá observar-se o princípio do contraditório. O particular deverá ser ouvido e poderá indicar as provas necessárias à demonstração de seu direito. Uma vez documentados os fatos, ouvir-se-á a autoridade competente, à qual caberá “autorizar” previamente a prorrogação’.[6]
Assevera esse autor que feita a prorrogação do contrato as demais cláusulas seriam mantidas inalteradas, mas assegurando o respeito do equilíbrio econômico-financeira da contratação, pelo que deverão ser promovidas tantas alterações quantas se façam necessárias para restaurar o equilíbrio eventualmente rompido.
No caso sob consulta a superveniência de fato imprevisível está documentalmente comprovada no Termo de autorização de voo expedido pelo chefe do SRPV-SP, do Comando da Aeronáutica, datado de 13-2-2017, prevendo restrições inexistentes antes da assinatura do contrato e nos primeiros três meses de execução do contrato. Se ainda assim a autoridade administrativa competente considerasse insuficiente a prova do fato imprevisível, fartamente documentado, deveria ter procedido à suspensão do prazo contratual enquanto processava o procedimento comprobatório com observância dos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, nos termos exigidos pela Constituição Federal:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Não foi o que aconteceu no caso sob exame, pois decorridos mais de 4 meses da data do pedido de prorrogação por 6 meses (12-3-2018) a Administração indeferiu o pedido em 19-7-2018, dez dias após o vencimento do contrato que se deu em 9-7-2018, sem a observância dos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, guindados pela Carta Magna à categoria de direitos fundamentais assegurados em nível de cláusula pétrea. Se alguma dúvida restasse na comprovação documental do caso fortuito ou força maior cabia à Administração instaurar processo administrativo para a cabal apuração dos fatos, inclusive, com a oitiva do Segundo Tenente da Aeronáutica, Anderson Luiz GUILHERME que supervisionava o SRPV-SP.
Dessa forma, o aludido despacho de indeferimento violou o direito líquido e certo da Consulente que resulta no simples exame ocular do documento de natureza pública, comprobatória da ocorrência de caso fortuito ou força maior que enseja, ipso facto, a prorrogação do prazo contratual.
E por oportuno, esclareça-se que tendo o despacho de indeferimento ou de deferimento da prorrogação do prazo contratual ante a ocorrência de um dos fatos elencados no § 1º, do art. 57 da Lei de Licitação natureza vinculante e meramente declaratória, aquele despacho pode e deve ser revisto a qualquer tempo, uma vez constatada a falha na apreciação da prova apresentada, ou reconhecida a inobservância dos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa.
5 Respostas aos quesitos formulados
1) A Consulente tem direito subjetivo à prorrogação do Termo de Contrato nº … por mais 6 meses?
R: A Consulente tem direito subjetivo a prorrogação do Termo Contrato nº … por mais 6 meses com fundamento no inciso II, do § 1º, do art. 57 da Lei nº 8.666/93 que tem caráter vinculante, não ficando à discrição da Administração conceder ou não a referida prorrogação, consoante explicitado no corpo desse parecer. Esse prazo conta-se a partir da data do deferimento do pleito da Consulente e assinatura do respectivo Termo Aditivo ao Contrato n٥ ….
2) Tendo em vista que a solicitação de prorrogação de prazo contratual por mais 6 meses do Termo de Contrato nº … formulada pela Consulente foi negada, bem como que o término do contrato ocorreu em 09/07/2018, a Prefeitura Municipal de São Paulo poderá pagar a Consulente caso essa continue executando os serviços objeto do Termo de Contrato nº ….?
R: Vencido o contrato não poderá a Prefeitura Municipal de São Paulo promover a continuidade do pagamento dos serviços objetos do contrato nº … executados após o vencimento do prazo contratual, porque a duração dos contratos administrativos está vinculada aos respectivos créditos orçamentários nos termos do art. 57 da Lei nº 8.666/93, com exceção dos casos previstos nos incisos I à IV, sem pertinência ao caso sob consulta. Por isso, o inciso V, do art. 55 da Lei nº 8.666/93 exige que conste do contrato administrativo “o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica”.
É o nosso parecer smj.
[1] Curso de direito civil, 4º vol. São Paulo: Sariva, 1962, p. 364.
[2] Direito Administrativo 17º ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 254.
[3] Curso de Direito Administrativo, 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.570.
[4] Direito Administrativo Moderno 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 259.
[5] Manual de direito administrativo, 24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 189.
[6] Comentários a lei de licitações e contratos administrativos, 10ª ed. São Paulo: Dialética, 2004, p.497.