Em poucas palavras
MP nº 871/19 – Combate a fraudes na Previdência
Kiyoshi Harada – jurista e professor
O Presidente Bolsonaro editou a 2ª medida provisória do ano, a de nº 871, de 18-1-2019, com o elevado propósito de tentar por fim às fraudes sistemáticas no âmbito da combalida Previdência Social, instituindo, dentre outros mecanismos, o Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade e o Programa de Revisão de Benefícios por Incapacidade [1]
Talvez seja esta a única medida provisória dentre as milhares já editadas que preenche cumulativamente os dois requisitos constitucionais previstos no art. 62 da CF: a relevância e a urgência no combate a fraudes.
De fato, até hoje, nenhuma autoridade pública havia se dado ao trabalho de combater sistematicamente a fraude previdenciária, apesar de públicas e notórias as falcatruas, limitando-se a queixar do déficit da Previdência Social. Pela vez primeira, ao lado da sempre pretendida reforma da previdência, tomou-se medidas concretas, tendentes a fazer cessar a sangria nos cofres da instituição previdenciária.
O Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade, bem como, o Programa de Revisão dos Benefícios por Incapacidade têm a duração até 31/12/2020 com a faculdade de sua prorrogação até 31/12/2022, por ato fundamentado ao Presidente do INSS e do Ministro do Estado da Economia, respectivamente.
O Programa de Revisão terá acompanhamento por médico perito de processos judiciais, por benefícios por incapacidade.
Para conferir efetividade a ambos os programas instituídos foram criados, para vigorar até 31/12/20, o Bônus de Desempenho Institucional por Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de Benefícios – BMOB –, e o Bônus de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade – BPMBI –
no valor de R$ 57,50 (cinquenta e sete reais e cinquenta centavos) por processo concluído. Esse valor será revisto com periodicidade não inferior a doze meses até o limite da variação do IPCA.
O art. 8º da Medida Provisória sob comento elenca as hipóteses em que são considerados processos com indícios de irregularidade integrantes do programa especial como sendo aquele com potencial de risco de gastos indevidos.
Ainda mediante as alterações na Lei nº 8.212/91 foi criado no âmbito do INSS um Programa Permanente de Revisão da Concessão e da Manutenção dos Benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais.
Outrossim, no âmbito do Ministério da Economia ficou instituído o Sistema de Cadastro dos Segurados Especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS – que poderá firmar acordo de cooperação com demais Ministérios e órgãos da Administração Pública Federal, Estadual, Distrital e Municipal para a manutenção e a gestão de sistema de cadastro.
Por fim, ficou instituída a Gratificação de Desempenho de Atividade de Perícia Médica Previdenciária – GDAPMP –, devida aos titulares dos cargos de provimento efetivo da Carreira de Perito Médico Previdenciário e da Carreira de Supervisor Médico-Pericial, quando em efetivo exercício nas atividades inerentes às atribuições do respectivo cargo no órgão de lotação ou no INSS, em função do desempenho individual do servidor e do alcance de metas de desempenho institucional [2].
Enfim, trata-se de instrumento normativo salutar e oportuno que possibilitará conhecer a médio prazo o montante de recursos da Previdência Social desviado por diferentes formas de fraude. Até agora a verificação da regularidade da fruição de benefícios previdenciários limitava-se à declaração anual de vida dos aposentados e pensionistas, uma mera formalidade sem maiores exames.
SP, 4-1-19.
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[1] A perda de um único dedo, por exemplo, não poderia ser enquadrada como caso de incapacidade laboral, tanto é que existem legislações nas três esferas políticas obrigando a contratação de deficientes físicos em quantidade mínima, além de um discutível decreto baixado pela Presidente do STF no exercício da Presidência da República que eleva o custo da contratação do deficiente.
[2] Esses tipos de gratificações são comuns nas três esferas políticas para outras carreiras, como a de auditores ou agentes fiscais e de procuradores sob as mais diferentes denominações. Trata-se de um estímulo legítimo.
Em poucas palavras
Decreto nº 9.685/19 – arma de fogo
Kiyoshi Harada – jurista e professor
Cumprindo a promessa de campanha o Presidente Bolsonaro editou o Decreto nº 9.685, de 15-1-2019, alterando o Decreto nº 5.123/04 que regulamenta a Lei nº 10.826/03 a qual dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição.
A Lei nº 10.826/03, conhecida como estatuto do desarmamento, segundo uma das correntes de opiniões, implicou aumento da criminalidade. Um bandido, assaltante, raptor etc. não iria se preocupar com a legalidade ou ilegalidade da posse de armas; somente o cidadão pacato foi atingido por essa legislação, ensejando a facilidade de invasão de seus domicílios. A outra corrente sustenta que maior quantidade armas de fogo em poder da população em geral potencializa a prática de delitos.
Entretanto, o Decreto sob exame foi muito tímido, mesmo porque alterações profundas dependem de aprovação legislativa, sob pena de usurpação de competência legislativa.
Ao contrário do que se apregoava no período de campanha eleitoral e o que verifica dos comentaristas de hoje, não há, e nem pode haver, sem modificação legislativa, a possibilidade de acesso à arma de fogo, seu registro e porte para o cidadão comum, sem que o interessado comprove a capacidade e a necessidade da posse de armas perante os órgãos competentes.
Na verdade, o Decreto sob comento criou mais um requisito para aquisição da arma de fogo para casos específicos, mediante inserção do inciso VIII ao art. 12 do Decreto nº 5.123/04 exigindo-se “na hipótese de residência habitada também por criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, apresentar a declaração de que a sua residência possua cofre ou local seguro com tranca para armazenamento”.
E o § 10 acrescido ao art. 12 do Decreto 5.123/04 prescreve que “a inobservância do disposto no inciso VIII do caput sujeitará o interessado à pena do art. 13 da Lei nº 10.826, de 2003” [1].
Questão polêmica é a de saber se a conduta descrita no art. 13 da Lei nº 10.826/03 [1] subsume-se à hipótese prevista no inciso VIII do mesmo art. 12. Parece-me que apresentar declaração de que sua residência possui cofre ou local seguro para armazenamento de arma de fogo é bem diferente de não “observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade”.
Trata-se, ao que tudo indica, de uma equiparação atípica que nem por lei em sentido estrito poderia fazer.
Outrossim, importante atentar para o disposto no art. 2º que prescreve a renovação automática pelo prazo de dez anos dos registros de arma de fogo expedidos antes da publicação do Decreto sob exame. Vale dizer, registros vencidos readquirem validade pelo prazo estabelecido.
Enfim, esse Decreto é mais um meio para dar cumprimento formal à promessa de campanha eleitoral. O mais importante do que a discussão em torno do rearmamento ou do desarmamento é o combate planejado e sistemático da criminalidade por órgãos de segurança pública, em âmbito nacional, com o apoio da Força Nacional de Segurança Pública.
SP 4-1-19
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[1] “Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa”.