Há exatamente 15 anos escrevi um artigo intitulado “O mito da Reforma Tributária” divulgado em diversos sites jurídicos, procurando demonstrar que a apregoada reforma pretendida não era panacéia para todos os males apontados, além de inviável em função do antagonismo contido entre o discurso e o real conteúdo da proposta legislativa. Reforma Tributária, sem a diminuição do tamanho do Estado que cresce a olhos vistos, sem corrigir os costumeiros desvios orçamentários e sem implementar o princípio da transparência tributária para afastar as normas nebulosas que aumentam sub-repticiamente a receita tributária, de nada adiantará. O cenário de lá para cá nada alterou.
O discurso sempre o foi pela simplificação e diminuição da carga tributária, reclamadas pelos contribuintes, porém, o conteúdo das normas projetadas invariavelmente sempre foi pela elevação do peso da imposição, camuflado por preceitos dúbios, confusos e nebulosos resultando em um sistema tributário caro e complexo de difícil operacionalização. É que a diminuição da receita tributária requer enxugamento do aparelhamento estatal e o governo condutor da reforma vem agindo em sentido oposto, aumentando ano a ano as despesas públicas, notadamente, as despesas correntes, em prejuízo das despesas de capital voltadas para o investimento público capaz de melhorar ou manter a qualidade de vida das gerações futuras.
Por isso, nenhuma das pretendidas Reformas das últimas décadas não saíram do papel. Muito barulho, muito blá, blá, blá e nada de resultado que se preste, a não ser pequenos remendos para piorar o que já estava ruim, como a carta branca conferida ao legislador ordinário para substituir a contribuição sobre a folha pela contribuição sobre a receita bruta, o que resultou na elaboração de uma legislação contendo normas epidêmicas elaboradas com inusitado requinte de sadismo burocrático nunca dantes visto. Veste um santo e desveste outros, resultando em presumível elevação da carga tributária. Fala-se, agora, em unificação do PIS/COFINS com idêntico objetivo, usando a costumeira linguagem persuasiva da simplificação burocrática. Simplificação do aumento, eu diria.
A última grande tentativa de Reforma foi a PEC nº 233/08 em que se buscava a redução de tributos federais substituídos pelo IVA-F. No plano estadual o ICMS era substituído pelo IVA-E unificando a legislação dos 27 Estados com a definição de alíquotas pelo Senado mediante acolhimento ou rejeição das propostas de enquadramento apresentadas pelo legislador do Confaz. Eram 127 modificações propostas de forma dúbia a atentar contra o princípio da segurança jurídica, incluindo o regime de transição do ICMS para o IVA em um período que ultrapasse mais de dois lustros.
O Relator da Reforma Tributária, cedendo a pressões políticas que vinham de todos os lados, apresentou um substitutivo incorporando 485 emendas que agravaram as nebulosidades existentes, inviabilizando a sua discussão e aprovação pelo Plenário da Câmara. Foi a salvação!
Desde então, a Reforma Tributária passou a ter o significado de combate à Guerra Fiscal entre os Estados em relação ao ICMS, um imposto de vocação nacional, mas que em nome do princípio federativo da autonomia e independência dos entes políticos regionais e locais foi conferido aos Estados, com a participação parcial dos Municípios no produto de sua arrecadação.
Daí os incentivos fiscais unilateralmente concedidos pelos governantes de cada Estado na formulação de sua política econômica, com a ferramenta tributária que, em princípio, é legitima, mas que, na prática, cria problemas de desequilíbrio econômico entre os Estados componentes da Federação. E os incentivos fiscais existem exatamente para promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País (art. 151 da CF), o que só pode ser feito pelo governo central.[1]
A Lei complementar nº 24/75 foi apenas parcialmente recepcionada pela Constituição de 1988 (art. 155, XII, g), sendo inconstitucional o seu art. 8º que impõe a pena de nulidade do ato e ineficiência do crédito fiscal atribuído fora das hipóteses enumeradas no parágrafo único do seu art.1º, dentre as quais, a redução da base de cálculo, a concessão de créditos presumidos e qualquer incentivo que resulte direta e indiretamente na redução do ônus tributário.
Ora, prescreve a Carta Magna com lapidar clareza que apenas a isenção e a não incidência não ensejará crédito para compensação com o montante devido nas operações anteriores impondo-se à sua anulação (art. 155, § 2º, II, a e b da CF). Como regra proibitiva que é, de natureza excepcional, aquela disposição constitucional não poderá sofrer interpretação ampla e analógica para equiparar outros incentivos fiscais, baseados, tão só, na equivalência dos resultados propiciados pela isenção e não incidência.
Contudo, o fisco estadual de São Paulo baixou os comunicados CAT 36/04 e CAT nº 14/09 para não reconhecer os créditos gerados por meio de incentivos que não obedeçam literalmente o disposto na LC nº 24/75, como que regulando as disposições inconstitucionais da lei nacional na contramão das decisões da Corte Suprema que sempre preservou o princípio da não cumulatividade do ICMS dentro dos limites constitucionais (RE nº 161.031, RE nº 240.395, RE nº 367.504, RE nº 355.422 e RE nº 298.941. No RE nº 628.075, Rel. Min. Joaquim Barbosa, foi reconhecida a existência de repercussão geral, DJe de 14-10-2011.
Depois, sobreveio a Guerra Fiscal por meio de operações triangulares nas importações de mercadorias. A jurisprudência pacificou a tese segundo a qual o imposto pertence ao Estado em que se localiza o estabelecimento destinatário das mercadorias.
Finalmente, surgiu a chamada Guerra dos Portos até no âmbito do Estado que não dispõe de mar, como é o caso de Goiás, que mantém um porto seco no Município de Anápolis.
Para tentar resolver o novo problema criado surgiu a Resolução nº 13/12, do Senado Federal que fixou a alíquota do imposto nas operações interestaduais com mercadorias importadas em 4%, nas condições aí especificadas. A Resolução em tela, além de invadir matéria sob reserva de lei, cometeu outra inconstitucionalidade ao afrontar o princípio da uniformidade geográfica (art. 152 da CF) fora dos limites das exceções constitucionalmente estabelecidas.
Agora, o governo central se propõe a terminar com a Guerra Fiscal mediante unificação da alíquota interestadual em 4%, em qualquer hipótese[2], a ser aplicado em um prazo de oito anos. É cópia da versão da PEC anterior que não deu certo e que alterava a tributação na origem para a tributação no destino, mas com a redução gradual do imposto no Estado de origem até chegar ao piso de 2% ao longo do tempo. Na verdade não era uma coisa, nem outra.
Nenhuma Reforma Tributária justa para todos, governo e sociedade, poderá prescindir de um novo pacto federativo e ela deve vir acoplada à Reforma do Estado para diminuir o seu tamanho, em aprovação simultânea por meio de Assembléia Nacional Constituinte.
[1] Daí porque foi cometida ao Senado Federal mediante Resolução de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores a tarefa de fixar as alíquotas interestaduais e de exportação do ICMS (art. 155, § 2º, IV da CF).
[2] Hoje, varia de 7% a 12% conforme o Estado de destino para promover o desenvolvimento integrado do País.