A perpetuação da contribuição social instituída pela Lei Complementar nº 110/01

Diferentes planos econômicos editados pelo governo fizeram com que se suprimissem os índices de atualização monetária aplicáveis às cadernetas de poupança e às contas vinculadas dos empregados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Essas ações prosperaram e os poupadores tiveram ressarcidas as supressões levadas a efeito pelas instituições bancárias. Pende de decisão do Supremo Tribunal Federal a ADPF nº 165 ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – COSIF – que visando reverter as decisões dos tribunais locais e regionais.

Contudo, em relação aos recursos do FGTS, dado ao seu volume expressivo, a CEF não teve condições financeiras para proceder à aplicação dos índices sonegados no passado. Para que ela pudesse cumprir a decisão judicial condenatória o governo sancionou a Lei Complementar nº 110/01 que instituiu as contribuições sociais nos seguintes termos:

“Art. 1oFica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.

Art. 2oFica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata oart. 15 da Lei no8.036, de 11 de maio de 1990.

§ 2oA contribuição será devida pelo prazo de sessenta meses, a contar de sua exigibilidade.

“Art. 3oÀs contribuições sociais de que tratam os arts. 1oe 2oaplicam-se as disposições daLei no8.036, de 11 de maio de 1990, e daLei no8.844, de 20 de janeiro de 1994, inclusive quanto a sujeição passiva e equiparações, prazo de recolhimento, administração, fiscalização, lançamento, consulta, cobrança, garantias, processo administrativo de determinação e exigência de créditos tributários federais.

§ 1oAs contribuições sociais serão recolhidas na rede arrecadadora e transferidas à Caixa Econômica Federal, na forma doart. 11 da Lei no8.036, de 11 de maio de 1990, e as respectivas receitas serão incorporadas ao FGTS.”

A ambas as exações fiscais aplicam-se as disposições da Lei nº 8.036/90 que rege o FGTS, por força do disposto em seu art. 3º. Passaremos a examinar a natureza jurídica dessas exações compulsórias.

O art. 1º tem como fato gerador a despedida injusta do empregado e é devida à razão de 10% do montante dos depósitos feitos em nome do empregado que teve rompido o seu vínculo empregatício. Não se fixou prazo de vigência.

A exação do art. 2º corresponde ao acréscimo de meio por cento sobre os depósitos feitos mensalmente na conta vinculada de cada empregado. É, portanto, mero adicional da contribuição social de que trata o art. 15 da Lei nº 8.036/90 abaixo transcrito:

“Art. 15. Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam osarts. 457e458 da CLTe a gratificação de Natal a que se refere aLei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações daLei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965.

O prazo de vigência desse adicional é de 60 meses a contar da data de sua exigibilidade.

Quanto à exação do art. 1º aparentemente parece tratar-se de um adicional da multa a que alude o parágrafo único, do art. 18 da Lei nº 8.036/90, devido a razão de 40%, a ser depositado na conta do empregado despedido injustamente, in verbis:

“Art.18.Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais.(Redação dada pela Lei nº 9.491, de 1997).

§1ºNa hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros.”(Redação dada pela Lei nº 9.491, de 1997)

E esses 40% assim depositados são levantados pelo empregado despedido injustamente, nos termos do inciso I, do art. 20, porque o FGTS inicialmente instituído pela Lei nº 5.107, de 13-9-1966 veio à luz como sucedâneo do instituto da estabilidade que foi extinto.

Já a contribuição social do art. 1º, apesar da denominação dada, corresponde a uma sanção pecuniária por violação de norma da legislação trabalhista, fato que repele a caracterização de um tributo ao teor do art. 3º do CTN. Mas, também ela não beneficia diretamente o empregado injustamente despedido como acontece com os 40% depositados na forma do parágrafo 1º, do art. 15 da Lei nº 8.36/90.

Tanto essa multa de 10%, como o adicional de meio por cento definidos, respectivamente, nos arts. 1º e 2º da Lei Complementar sob comento, incorporam-se como receitas do FGTS nos precisos termos do § 1º, do art. 3º, porque foram criadas especificamente para propiciar recursos financeiros suficientes para cumprir os julgados, repondo os valores pertinentes às atualizações monetárias suprimidas no passado nas contas vinculadas de cada empregado.

Daí porque, o STF pronunciou-se pela constitucionalidade da exação prevista no art. 1º considerando-a como sendo uma contribuição social de natureza genérica, consoante restou decidido por maioria de votos na ADI nº 2.556-2. Quanto a contribuição social do art. 2º a Corte Suprema considerou prejudicada a arguição de sua inconstitucionalidade tendo em vista o exaurimento do prazo de sua vigência.

Na ADI referida o Min. Marco Aurélio asseverou que as contribuições criadas com o objetivo de reforçar o caixa, presente a responsabilidade do Tesouro Nacional não está contemplado na Carta Política. Por isso a decisão majoritária optou por enquadrar essa exação compulsória na categoria de contribuição social geral valendo-se da omissão constitucional que não exige, em relação a essa espécie tributária, a definição do respectivo fato gerador por lei complementar, como exige em relação a impostos. Sustentável, também, a tese da natureza jurídica de multa interpretando-se a contrario sensu o disposto no art. 3º do CTN. Há exemplos no nosso ordenamento jurídico de multa com destinação certa do produto de sua arrecadação. Trata-se do art. 320 do Código de Trânsito Brasileiro que prescreve a aplicação do produto da arrecadação das multas na melhoria de obras e serviços relativos ao trânsito.

Como a contribuição social do art. 1º não veio com o prazo de vigência expressamente previsto, a exemplo do que ocorreu com relação à contribuição social do art. 2º, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 200/2012 extinguindo-a a partir de 1º de junho de 2013, por ter ela já cumprido a finalidade para a qual foi instituída.

Entretanto, o Executivo, equivocada e espertamente vetou o projeto legislativo aprovado a pretexto de ofender a Lei de Responsabilidade Fiscal, por ausência da estimativa do impacto orçamentário-financeiro e da falta de indicação de medidas compensatórias de que cuida o art. 14 da Lei Complementar nº 101/00.

Ora, esses requisitos da LRF só se aplicam nas hipóteses de isenção ou supressão de tributos regularmente instituídos para cumprimento de suas finalidades normais e regulares. Não se aplicam em relação a tributos de natureza temporária, para atender a uma finalidade específica em função de um acontecimento anormal, no caso, a superveniência de condenação judicial da CEF para corrigir as contas vinculadas dos empregados pelos índices que foram sonegados pelo advento de planos econômicos nos períodos de 1º-12-1988 a 28-2-1989 (15,64%) e durante o mês de abril de 1990 (44,8%), de conformidade com o disposto no art. 4º da LC nº 110/01.

Ora, se a contribuição social já cumpriu a finalidade para a qual foi instituída, a continuidade de sua exigência implica desvio de finalidade a caracterizar ato de improbidade administrativa, bem como implica alteração da natureza jurídica dessa exação compulsória, que passa revestir a condição de um imposto inominado, sem observância dos requisitos do art. 154, I da CF.

Com o veto aposto ao projeto legislativo aprovado, o Chefe do Poder Executivo, na verdade, reafirmou o propósito de continuar cometendo ato de improbidade administrativa, na modalidade prevista no inciso I, do art. 11 da Lei nº 8.429/92, que pune o infrator com a perda da função pública e suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos.

Por isso, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar válida a contribuição social do art. 1º, deixou “ressalvado o exame oportuno da inconstitucionalidade superveniente da contribuição pelo suposto atendimento da finalidade à qual o tributo fora criado.”

Assim, esse assunto continua em aberto na Suprema Corte que poderá vir a decretar no futuro a inconstitucionalidade da contribuição social referida no art. 1º da LC nº 110/01, com modulação de efeitos, o que pacificará a questão de forma definitiva.

SP, 12-10-14.

SP, 22-9-14.

* Jurista, com 28 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Site: www.haradaadvogados.com.br

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