A visão das mulheres, na literatura nikkei

Erika Yamauti1

Sumário

1. Introdução

2. Um encontro literário

3. A literatura escrita por mulheres no Japão

4.Nikkeis na literatura brasileira

5. Conclusão

6. Referências bibliográficas

Trocando a pilha do relógio
que dizem durar dois anos
penso na minha vida
que não tem garantia.
(KiyokoYamaoka)2

1 Introdução

As palavras fluem, movimentam-se livremente em nossas memórias. Nesses momentos de solitude, como é reconfortante ter por perto um confidente fiel, em quem podemos confiar nossos medos, nossas lutas, nossos sonhos. Seja na forma de papel, na máquina de escrever, no teclado do notebook ou na tela do celular. Somos, afinal, contadores de histórias. E temos muitas histórias para contar.

A saga da imigração japonesa no Brasil, com seus percalços, lutas e conquistas, suscita inúmeros capítulos de uma grande obra coletiva, que continua sendo escrita até hoje. Desde a chegada dos primeiros imigrantes japoneses ao Brasil, em 1908, passando pelas dificuldades de adaptação ao país, o período da Segunda Guerra Mundial e do pós-guerra, o reinício da imigração japonesa em 1953 e o retorno dos brasileiros ao Japão na década de 1980, uma imensidade de temas inspirou grandes obras literárias.

A arte e a poesia sempre se mantiveram presentes no caminho dos pioneiros, mesmo enfrentando tantos obstáculos. Uma vez no Brasil, os imigrantes japoneses aproveitavam os poucos momentos de descanso na lavoura para manter contato com a poesia, cultivando pequenos poemas “tanka”, “haiku” e “senryu”, repletos de reflexões sobre a rotina, as decepções na colônia, e muita saudade.

Consta que Shuhei Uetsuka (1876-1935), pioneiro da imigração que acompanhou os 781 imigrantes do navio Kasato Maru, era um conhecido autor de “haiku” com o nome literário “Hyokotsu”, e que TeijiroSukuki, que chegou ao Brasil previamente para preparar o desembarque dos patrícios, tinha predileção pelo gênero “tanka” e liderava grupos literários com seu pseudônimo, Nanju (CEHOAIJB, 1992).3

O “haiku” é um poema curto de 17 sílabas, divididos em três versos, que não tem rima nem título, e é inspirado na natureza. O mestre Masuda Goga ensinava que o “haiku” busca “capturar” um evento qualquer, um momento: diferente da poesia tradicional, não abrange o passado nem elucubra o futuro. Ele é um “flash” instantâneo, que extrai significado de momentos aparentemente simples do cotidiano, como uma abelha pousando numa flor, por exemplo (Oi, 2004).4

E os imigrantes expressavam esses sentimentos cotidianos na poesia. Na segunda metade do século 20, começam a surgir agremiações e publicações no idioma japonês, destacando os mestres Keiseki Kimura (1867-1938) e Nempuku Sato (1898-1979) no gênero “haiku”. O mestre Haijin Nempuku, cujo nome verdadeiro era Kenjiro, chegou a ter mais de seis mil discípulos no Brasil, e criou em 1948 a revista “Kokage”, que foi publicada até seu falecimento, em 1979, chegando à 372ª edição. A revista foi sucedida pela “Asakage”, com a mesma orientação (HAIKU et al., [s.d.]).5

Em 1925, Kikuji Iwanami passa a coordenar a seção de “tanka” do Nippak Shimbun, e orienta grupos de interessados. “Tanka” significa literalmente “poema curto” e é formado por versos de 5-7-5-7-7 sílabas, tendo origem no “waka”, a poesia aristocrática do Japão. A mais antiga coletânea de tankas é o “Manyôshû”, compilada no século 8º, reunindo 20 volumes e 4.516 poemas escritos por mais de 400 praticantes, que vão do simples camponês ao imperador do Japão (Oi, 2004).

Em 1938, Iwanami e Tsuyoshi Abe criam o grupo Yashiju, e lançam uma revista com o mesmo nome. Em maio de 2008, a agremiação comemorou 70 anos de fundação e continuava ativa, reunindo cerca de 200 imigrantes japoneses e chegando à sua 335ª edição publicada, com um especial sobre as lembranças dos associados sobre a viagem de navio que fizeram rumo ao Brasil.

O pesquisador Mario Yasuo Kikuchi, em sua tese “Tanka, o Poetar enquanto atividade Prático-Sensível dos Velhos Imigrantes Japoneses” apresentada em 1991 no Departamento de Sociologia da FFLCH-USP, explica que as atividades proporcionadas pelo Yashiju possibilitam a convivência e os laços de solidariedade e amizade entre os imigrantes pioneiros (Oi, 2004).6

Já o gênero de romance, ou prosa, não foi amplamente cultivado pelos imigrantes japoneses pioneiros, nem mesmo na segunda geração. Apenas nos últimos anos temos visto o surgimento de autores nipo-brasileiros trabalhando temas de não ficção. Pesquisar essa história nos fez questionar: quem são os nikkeis que estão escrevendo as nossas histórias?

2 Um encontro literário
Histórico da Associação Nikkei Bungaku
7


O ano era 1966, e o objetivo de Teeti Suzuki, Yoshio Takemoto e demais colaboradores era o de incentivar uma evolução da literatura japonesa dentro da colônia nipo-brasileira. Os imigrantes fundaram a Associação Colônia Bungaku, que teve Takemoto como primeiro presidente, e a revista de mesmo nome.

A associação foi encerrada em 1977 devido a dificuldades financeiras, porém Takemoto não desistiu e fundou em 1979 a Associação dos Poetas e Escritores da Colônia Shibun-Kai, cujo quadro associativo ultrapassava mais de 700 associados, e chegou a ser considerada pelo governo japonês como uma das mais atuantes entidades literárias existentes no exterior.
Em 1983, Takemoto falece e Sumu Arata assume a presidência do grupo, que institui o Concurso Literário Yoshio Takemoto, cuja primeira premiação aconteceu em 1984. Em 1992, Arata é sucedido por Yoshiaki Umezaki, e em 1999, a associação passa a ser chamada “Brasil Nikkei Bungaku”.

Preocupados com a redução do número de associados devido aos escritores e poetas da língua japonesa estarem envelhecendo, e buscando incluir jovens nikkeis e descendentes, a direção do Shibun-Kai altera sua estrutura organizacional, constituindo, em 30 de março de 2004, a Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil.

Em 2005, Umezaki é sucedido por Atuo Takemoto na presidência, e em 2011, Kenji Takemoto assume como presidente da Nikkei Bungaku, até 2016.
Naquele ano, em comemoração aos 50 anos da Nikkei Bungaku, foi produzido um selo comemorativo e foram homenageados os redatores Sumu Arata, Ina Hiroshi, Endo Isamu, Hama Teruo e Hirokawa Kazuko. Foi homenageada também Tsuyako Urahata, com o título de “Sócia Vitalícia”, pois era ela a única sócia ativa desde a fundação da associação.

Um desejo apressado
sempre encontra uma regra
para detê-lo.
(TsuyakoUrahata)

Apenas em 2017, mais de 50 anos após o início das atividades da entidade, enfim uma mulher foi eleita para a presidência do grupo: Michiko Nakata assumiu o cargo pelo período de dois anos, sendo sucedida pela antropóloga e professora Célia Sakurai, que foi eleita como presidente em 2019, e reeleita para uma nova gestão até março de 2025, representando as mulheres nikkeis na literatura.

3 A literatura escrita por mulheres no Japão

O período Heian foi muito importante na história literária e artística do Japão, e durou cerca de 400 anos (794-1185). Nessa era, as mulheres tiveram papel fundamental na fixação do idioma japonês como uma linguagem poética, e também na divulgação do tanka, considerado nesse período como uma poesia mais feminina, que foi dando lugar ao haiku, inicialmente masculino (e por isso mais conhecido e divulgado no Ocidente).

O primeiro romance da literatura mundial, “A lenda de Genji” (Genjimonogatari), foi escrito no século 12 por uma mulher, Murasaki Shikibu, cortesã da era Heian. Em suas abordagens sobre a sociedade japonesa, o antropólogo Claude Lévi-Strauss ressalta o caráter original e precursor dessa obra, que antecede de forma singular todas as tendências da época, com um gênero literário inovador e revolucionário, que só se tornaria conhecido no mundo 700 anos depois, com a obra de Rousseau na França.

Escrito para entreter as damas da corte, que aguardavam ansiosamente por cada capítulo da obra, GenjiMonogatari relata a vida de Genji, que é filho de uma cortesã com o imperador. O enredo gira em torno de personagens que sofrem mudanças ao longo dos capítulos e vão evoluindo, com uma trama que simula o cotidiano na corte e traduz a sociedade da época, destrinchando os costumes, os preconceitos e as tradições nesse microuniverso. Analisando uma obra tão inovadora e essencial para a literatura mundial, de uma autora revolucionária para sua época, é necessário refletir: porque Murasaki Shikibu não é reconhecida nem admirada nos círculos literários atuais?

Nesse mesmo período, Ono Komachi e Izumi Shikibu foram as grandes representantes da poesia da corte e tornaram-se lendas, ultrapassando sua época, pelo menos no Japão, com uma poesia extremamente subjetiva, apaixonada e complexa, que sobressai até hoje. Os belos poemas, além de atrair pela sutileza, emoção e subjetividade, refletem todo o ambiente e hábitos sociais da época. Ambas as autoras também foram esquecidas no tempo.8

O mundo corre depressa

E a Primavera acabou.

Parece que ainda ontem

Estava, tudo o que via,

Em plena floração

Shikibu


Um fator interessante para analisar na literatura japonesa é que os homens compunham em chinês, idioma adotado nos séculos IV e V como forma de comunicação oficial do governo japonês. Às mulheres, não era permitido a educação no idioma chinês, e por esse motivo, elas escreviam e produziam suas obras em puro japonês, ocupando-se dos temas que estavam ao seu alcance no dia-a-dia, registrando as singularidades e pequenas emoções do cotidiano.

Neste momento, no Japão feudal, todos os aristocratas praticavam a poesia, não apenas os escritores. Traduzir as emoções de um dia em um poema fazia parte da rotina dos membros da corte. A primeira flor da primavera, o nascimento de uma criança, um festival, a lua, o sol, tudo era motivo para uma pequena celebração poética. Esse gosto generalizado pela poesia, com forte adesão popular, foi se mantendo ao longo dos séculos no Japão, e chegou até o Brasil com os imigrantes pioneiros.

Após o período Heian, com grande florescimento da literatura escrita por mulheres, o Japão enfrenta séculos e séculos de isolamento e silenciamento feminino, com o predomínio masculino em todas as formas de literatura e arte.

Apenas nos anos 1920 as mulheres conseguem se destacar novamente na literatura japonesa, com escritoras como NogamiYaeko, Miyamoto Yuriko, Hirabayashi Taiko, Hayashi Fumiko e muitas outras, se destacando como folhas singulares, em meio a uma floresta de homens. Essas mudanças acontecem pelo momento histórico, com a mudança dos paradigmas, ascensão social, e as revoluções que estavam acontecendo no Japão e no mundo.
Durante sua passagem pelo Brasil, em uma entrevista para a Japan House São Paulo e para a revista Quatro Cinco Um, a autora Sayaka Murata, de 43 anos, premiada autora de “Querida konbini” e “Terráqueos”, observa que nas livrarias japonesas as estantes são separadas por gênero: de um lado autores homens; de outro, mulheres. 9

Essa é a marca de um passado fortemente patriarcal que nos surpreende, mesmo que atualmente as mulheres sejam tão reconhecidas no Japão quanto os homens, pois nas últimas décadas, entre os ganhadores do prestigioso prêmio literário Akutagawa, importante indicador de sucesso no mercado japonês, foram selecionados treze mulheres e dez homens. Mesmo assim, até hoje as autoras japonesas não são conhecidas pelos leitores fora do Japão, pois as obras selecionadas pelas editoras para lançamentos internacionais seguem priorizando os autores homens. Será que isso poderá mudar algum dia?

4 Nikkeis na literatura brasileira


O primeiro registro de um personagem japonês na literatura brasileira está na obra ‘Amar, verbo intransitivo” de Mario de Andrade, escrito de 1923 a 1926, representante da fase modernista e experimental do autor. O criado Tanaka é descrito como um “tigre japonês”, servil, calado, zangado, ardiloso e com uma “carantonha” chata. Aparece na obra como um personagem coadjuvante, sem história e sem raízes, praticamente sem falas.

Historicamente, foram raríssimos os registros sobre a mulher nos estudos sobre a imigração japonesa no Brasil. Somente a partir da década de 1980, surgem os primeiros textos literários que possuem imigrantes japoneses e seus descendentes como protagonistas, com romances como “O jardim japonês” (1986) e “Flor de vidro” (1987), ambos da escritora Ana Suzuki, e “Sonhos Bloqueados” (1991), de Laura Honda-Hasegawa.

De acordo com Michelle Perrot10, por muito tempo o feminino foi destinado ao silenciamento e a invisibilidade, deixando as mulheres fora dos relatos e dos acontecimentos históricos, com sua representação e atuação diminuída ou estereotipada. Apenas nos últimos anos, temos acompanhado com alegria o surgimento de autoras nikkeis, que falam sobre questões de identidade e pertencimento, indo contra a onda de invisibilidade e a exclusão.


“Desde pequena, a questão da identidade sempre esteve presente no meu dia-a-dia: você é brasileira ou japonesa?…percebi que ter sangue japonês funciona como uma espécie de garantia de qualidades humanas como honestidade e eficiência. Reconheço nisto um presente que todos os descendentes ganharam de seus antepassados que para cá imigraram, e é grande a responsabilidade por não quebrar essa corrente.”, aponta Tania Nomura 11


No Japão, no século XX, as pesquisas sobre maternidade, infância e reforma social, de Kathleen Uno (1999), mostram que a base da sociedade e do Estado japonês dependem de um sistema hierárquico, no qual prevalece a figura do “ryōsaikenbo”, ou seja, o ideal de feminilidade que reivindica que as mulheres sejam “boas esposas, mães sábias”. Às mulheres, impõe-se o casamento e os filhos. Das mães, espera-se o papel de esposas obedientes e educadoras sábias, que formarão o futuro brilhante da nação.

Como afirma a escritora Sayaka Murata: “No Japão você tem que ser graciosa, tem que ser uma boa menina para ser uma boa esposa. Era uma pressão que eu sofria”. Murata diz que sempre se sentiu restringida por ser uma menina. A sua mãe queria que ela aprendesse piano, usasse vestidos bonitos, estudasse em uma universidade feminina tradicional e conseguisse que um homem adequado se apaixonasse por ela à primeira vista.12

Essa visão estereotipada da mulher japonesa no inconsciente coletivo, de uma criatura submissa, solicita, gentil e educada persiste até os dias de hoje. Será que esses estereótipos se aplicam no cotidiano das nikkeis no Brasil?

No caso da literatura nipo-brasileira escrita por mulheres, analisamos que as autoras nikkeis procuram falar mais sobre os papeis femininos, socialmente construídos, abordando suas experiências pessoais e vivências individuais. As obras literárias escritas por mulheres nikkeis expressam o ponto de vista feminino sobre suas próprias vidas, comum olhar para temas mais subjetivos, principalmente, por meio da autobiografia, das memórias e confissões

Por exemplo, na autobiografia “Sob dois horizontes” a imigrante japonesa MitsukoKawai narra a sua própria história de vida, desde sua infância no Japão, na cidade de Kiryu (província de Gunma) e a chegada ao Brasil em 1934, aos 13 anos de idade, aos sofrimentos vividos na fazenda, o casamento, os filhos e a virada em sua vida aos 54 anos, quando decide tornar-se jornalista. Kawai destaca como era a vida dura das mulheres: ajudavam na plantação e ainda cuidavam da casa, da comida e dos filhos.


[…] naquela época o casamento significava um braço a mais na família, por isso não era só o moço que procurava a moça mais robusta para esposa, a família dele também dava preferência a moça com saúde de ferro e que tivesse muita força. Se a moça era bonita ou inteligente, isso não tinha a mínima importância. O valor da moça era medido pelo peso que ela carregava e a extensão de terreno que capinava num dia. Saber costurar, fazer tricô ou bordado, isso estava em segundo plano”13


As imigrantes japonesas são retratadas como essenciais para o desenvolvimento tanto da família como da colônia, por serem responsáveis por facilitar a adaptação dos membros e por seus esforços na lavoura. Sakurai analisa que a mulher tem um papel considerável na vida das famílias: é a figura da mãe que sustenta a casa nas horas de dificuldade, é ela que ajuda na lavoura, realiza os trabalhos extras para contribuir na poupança familiar, nas atividades domésticas, na criação dos filhos, participam dos sucessos e fracassos, é quem apoia o marido e os filhos para alcançarem os objetivos de uma ascensão social e econômica, seja através do trabalho ou dos estudos. Um fardo muito pesado, mas que foi assumido com leveza e resignação.


5 Conclusão


No mundo atual, em que as mulheres conquistam mais expressão na sociedade e no cenário literário, destacamos o surgimento de uma geração de novos talentos, representados por jovens escritoras, que estão lançando suas obras de forma independente e organizando movimentos coletivos com atuação na Internet e nas redes sociais, para divulgar suas ideias e projetos.


amarela

o sol batia no meu rosto e refletia a cor amarela
meus olhos se fechavam
a claridade me cegava e eu era amarela.
nunca me deixavam esquecer.
gritavam: amarela!
e eu não entendia qual era o problema de ter a cor
das margaridas e das mangas.
doces e cheirosas
gritavam: amarela!

e eu e eu chorava,
porque minha pele tinha cor de doença
porque aqui não era e nunca seria a minha casa14


Liana Nakamura, nascida em Mogi das Cruzes (SP), é autora do livro “amarela-manga: uma antologia nipo-poética” (Corsália.estúdio, 2023).Vencedora do Prêmio Literário Nikkei (Mangá) da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Bunkyo (2021), do Concurso de Vídeo-Resenhas de Literatura Coreana da ARA Cultural (2022) e 37ª edição do Prêmio Yoshio Takemoto (Poesia) da Revista Literária Nikkei Bungaku (2023em 1994, atua como bibliotecária especialista em diversidade e inclusão.

Em seus poemas, Liana aborda temáticas sobre identidade, memórias afetivas, histórias familiares. A autora também se destaca com a organização de coletivos como o “Escritoras Asiáticas Brasileiras”, que tem reunido mulheres de origem asiática para conversar sobre literatura e divulgar o trabalho dessas autoras, pelas redes sociais e em eventos presenciais.

Já a jornalista e escritora Marina Yukawa nasceu em Tokorozawa, no Japão. É brasileira, vive desde a infância na cidade de São Paulo e em 2020, publicou o livro-reportagem “Sorrisos Amarelos”. Ela também faz parte da organização do Escritoras Asiáticas Brasileiras, que realiza encontros mensais para conversar sobre obras escritas por mulheres asiáticas e da diáspora.

A obra de Marina tem um estilo mais intimista e humano, e também atento aos fatos, mostrando histórias de violência, assédio e preconceito ligados aos estereótipos que nos são impostos e que influenciam a maneira como somos vistas pela sociedade. Seu livro fala justamente dos sorrisos amarelos, aqueles que são forçados, através da história de cinco mulheres asiáticas.

“Os pequenos eventos do dia-a-dia me mostraram que eu sou diferente. As pessoas me enxergam diferente e isso já doeu muito dentro de mim. Pensava no que eu poderia fazer para me tornar igual aos demais. Imaginei como seria se eu nascesse de novo com olhos grandes e redondos e nariz arrebitado. Será que eu enxergaria um mundo diferente? Será que eu pensaria de maneira diferente? Morrerei sem saber, mas se tivesse que apostar, apostaria que sim”.15

Apesar dos sorrisos forçados, não há nuvens que escondam o sofrimento e a aflição vividos pelas mulheres retratadas por Marina com sensibilidade e afeto. A obra nos demanda um olhar mais carinhoso, respeitoso e empático com as trajetórias e escolhas de cada uma das personagens, e suscita uma série de reflexões, pois como aponta a autora, a água rega a terra, e os nossos sentimentos nos tornam humanos.

Ainda tratando de sentimentos, a obra de estreia da autora Beatriz Misaki é uma ficção sobre uma jovem mulher amarela. Buruna é seu livro de estreia, uma obra destinada ao público youngadult. A personagem principal é a jovem Bruna, de 18 anos, descendente de japoneses que busca uma carreira na música, vivendo conflitos com seus pais, que querem que a filha opte por um caminho mais tradicional.

Em uma narrativa que segue o ritmo acelerado das redes sociais Bruna vai conhecendo mais sobre as pessoas e sobre a indústria musical. E nesse caminho para descobrir-se como artista Bruna se entende também como uma pessoa amarela. Buruna é a forma carinhosa como a avó de Bruna a chamava, pois no idioma japonês, não existe o encontro consonantal como “Bru”, e dessa maneira, a adaptação do nome Bruna para pessoas que tem o japonês como primeira língua seria justamente Buruna.

“No lançamento do meu livro, uma moça questionou se o título do livro não estava escrito errado. Eu havia acabado de escrever um livro inteiro e ela achava que talvez eu não soubesse português o suficiente para não errar o título. Aliás, aquele seria um erro típico de japoneses. O questionamento me gerou incômodo e me fez pensar na necessidade de produzirmos mais cultura com personagens amarelos não representados como estrangeiros. Decidi que escreveria sobre pessoas como eu, em experiências que trazem um pouco da cultura miscigenada dos descendentes de asiáticos no Brasil”, compartilha Misaki.16

De fato, autoras jovens representam uma literatura nipo-brasileira que está sendo escrita nesse momento. Temos a oportunidade de testemunhar esse período histórico, em que novos talentos estão se lançando ao mercado, conquistando admiradores e repercutindo novas ideias, ampliando discussões e favorecendo um diálogo entre as gerações.

Atualmente, o caminho requer que as pessoas prestem atenção a essas novas vozes, valorizem e reconheçam esses talentos, para que possamos contar mais histórias e descobrir novos tesouros, que permanecem escondidos.

6 Referências bibliográficas


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1Erika Yamauti – Jornalista e coordenadora de eventos, formada em Comunicação Social – Jornalismo, com pós-graduação em Marketing e Mídias Digitais pela FundaçãoGetúlio Vargas. Participa das atividades da comunidade nipo-brasileira desde 1998.

2BURAJIRU NIKKEI BUNGAKUKAI (comp.). Encontro com poemas nipo-brasileiros: Exposição bilíngue. São Paulo – SP: Assoc. Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil, 2014.

3COMISSÃO DE ELABORAÇÃO DA HISTÓRIA DOS 80 ANOS DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL – CEHOAIJB. Uma epopeia moderna: 80 anos da imigração japonesa no Brasil. São Paulo: Hucitec: Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, 1992.‌ (p. 549)

4OI, Célia Abe. Guia da cultura japonesa. São Paulo: Editora JBC, 2004. (p. 233)

5HAIKU, N. et al. Legado dos 110 Anos da Imigração Japonesa para o Brasil. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.eca.usp.br/acervo/producao-academica/003048096.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2024. (p.6)

6OI, Célia Abe. Guia da cultura japonesa. São Paulo: Editora JBC, 2004. (p. 242)

7 Histórico. ‌Nikkei Bungaku. Disponível em: <https://nikkeibungaku.com.br/histoacuterico.html>. Acesso em: 17 ago. 2024.

8FREIRE, Luisa. Haiku – Séculos. XVII a XX: O Japão no Feminino II. Porto: Assírio & Alvim, 2007. 144 p.

9Um feminismo deslocado – Quatro cinco um. Disponível em: <https://quatrocincoum.com.br/artigos/literatura/literatura-japonesa/um-feminismo-deslocado/>. Acesso em: 17 ago. 2024.

10PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

11NOMURA, Tânia. Universo em Segredo: A mulher Nikkei no Brasil. São Paulo: The fact, 1990.

12Um feminismo deslocado – Quatro cinco um. Disponível em: <https://quatrocincoum.com.br/artigos/literatura/literatura-japonesa/um-feminismo-deslocado/>. Acesso em: 17 ago. 2024.

13RIBEIRO PINTO, F. L. Escritoras nipo-brasileiras e os valores estéticos japoneses na literatura brasileira contemporânea. Pontos de Interrogação – Revista de Crítica Cultural, Alagoinhas-BA: Laboratório de Edição Fábrica de Letras – UNEB, v. 13, n. 1, p. 169–184, 2023. DOI: 10.30620/pdi.v13n1.p169. Disponível em: https://revistas.uneb.br/index.php/pontosdeint/article/view/v13n1p169. Acesso em: 15 set. 2024.

14NAKAMURA, Liana. Amarela Manga. São Paulo: Corsália.Estúdio, 2023.

15YUKAWA, Marina. Sorrisos Amarelos: histórias de jovens mulheres orientais no brasil. Maringá: Viseu, 2019.

16PUBLISHNEWS. Por um canto amarelo | PublishNews. Disponível em: <https://www.publishnews.com.br/materias/2024/05/29/por-um-canto-amarelo>. Acesso em: 16 set. 2024.

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