Alcance e conteúdo da denúncia espontânea

Essa matéria suscitou diversas manifestações de doutrinadores e dos tribunais, envolvendo diferentes aspectos ao longo do tempo. Neste artigo examinaremos tão somente, quando é possível a aplicação do instituto da denúncia espontânea nos chamados dos tributos de lançamento por homologação. Verifiquei, com surpresa, que está surgindo uma estranha doutrina afirmando que a jurisprudência do STJ orientou-se no sentido de vedar o uso o instituto da denúncia espontânea nos tributos de lançamento por homologação. Ora, isso é o mesmo que revogar por via indireta o art. 138 do CTN, pois quase todos os tributos estão sobre o regime de lançamento por homologação, sendo que o lançamento por declaração resume-se, na prática, ao ITR. Na modalidade de lançamento de ofício, por óbvio, descabe a cogitação de denúncia espontânea. Não há como denunciar voluntariamente um ato praticado pelo fisco.

Antes de examinar o conteúdo e alcance do art. 138 do CTN é preciso conceituar o que seja lançamento por homologação que está previsto no art. 150 do CTN:

 

“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

  • 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.
  • 2º Não influi sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores a homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.
  • 3º Os atos a que se refere ao parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo por ventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.
  • 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação”.

 

Como se verifica do texto transcrito, dentre as atividades do sujeito passivo, objetos de homologação pelo fisco inclui-se o pagamento antecipado do montante do tributo por ele apurado. Incorre em equívoco os que afirmam que o fisco homologa o pagamento. Estando correta a atividade exercida pelo contribuinte (emissão e escrituração de notas-fiscais ou outros meios equivalentes, apuração do montante do tributo devido, comunicação ao fisco por meio de GIA/DCTF, comunicação do pagamento antecipado do valor declarado na GIA/DCTF) o fisco a homologa operando-se simultaneamente a constituição do crédito tributário [1] e sua extinção (§ 1º). Se corretas estiverem as atividades exercidas e informadas pelo contribuinte, mas não for promovido o pagamento antecipado do tributo apurado, cabe ao fisco promover a inscrição na dívida ativa do débito confessado para fins de cobrança judicial. E se não homologado esse pagamento antecipado porque incorretos ou omissos os demais dados declarados pelo sujeito passivo abre-se a oportunidade para lançamento direto, dentro do prazo decadencial referido no § 4º (§ 2º). Porém, na apuração do saldo eventualmente devido será levado em conta o montante do tributo antecipadamente recolhido, inclusive para aplicação de penalidade ou sua graduação (§3º). Na omissão do fisco durante cinco anos [2], a contar da data da ocorrência do fato gerador, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação (§ 4º).

Examinemos agora o instituto da denúncia espontânea prescrito no art. 138 [3] do CTN:

 

“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.”

 

Como se verifica do texto legal, a denúncia espontânea deve ser acompanhada quando for o caso do pagamento do tributo apurado pelo contribuinte, assim como dos juros de mora ou depósito da importância no valor arbitrado pela autoridade administrativa, sempre que o montante do produto dependa de apuração. Embora a lei não o diga, a correção monetária está incluída no valor do depósito ou do pagamento de tributo devido. Tudo isso deve ser feito antes de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionados com a infração.

Denúncia espontânea “significa ato do contribuinte de levar ao conhecimento do fisco a ocorrência de determinado fato gerador, sem cuja informação o tributo não seria exigido, isto é, consiste em uma declaração espontânea de uma situação tipificada, omitida involuntariamente. Às vezes, ela pode resultar de arrependimento do sujeito passivo. Por isso, costuma-se dizer que o benefício da denúncia espontânea funciona como técnica indutora do cumprimento da legislação tributária.” [4]

A regra geral é a de possibilitar o suprimento de uma situação tipificada que deixou de constar involuntariamente na declaração de atividades exercidas pelo sujeito passivo. Mas, excepcionalmente, a denúncia espontânea pode resultar de arrependimento do sujeito passivo. É o caso, por exemplo, de um contribuinte que resolve refazer a escrita fiscal com a inclusão dos valores de notas fiscais intencionalmente omitidos na escrita anterior, resultando na apuração de um novo débito seguido de re-ratificação da GIA anteriormente apresentada, acompanhada da prova de pagamento da diferença apontada.

Não tem aplicação a nosso ver, o instituto da denúncia espontânea relativamente a pagamentos feitos fora do prazo legal nos chamados tributos de lançamento por homologação como reclama alguns estudiosos da matéria, dentre os quais, Pedro Henrique Alves Santana. [5]

Nesse sentido, acertadamente, o STJ editou a Súmula de nº 360 nos seguintes termos:

 

“O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo.”

 

De fato, como assinalamos a denúncia espontânea, de regra, é um ato de manifestação espontânea do contribuinte para suprir a omissão involuntária de uma situação tipificada, ou para correção de erros aritméticos.  São os casos, por exemplo, omissão involuntária do valor de uma nota fiscal, de erro aritmético na soma de valores resultando em diferença a maior ou a menor ao fisco ou ao contribuinte.

A denúncia espontânea não pode servir de instrumento de dilatação do prazo legal de pagamento antecipado de tributo apurado e informado pelo sujeito passivo, valendo-se da demora do fisco em promover a inscrição do débito informado na dívida ativa para fins de execução fiscal. Afinal, o pagamento antecipado, como antes esclarecido, integra as atividades exercidas pelo contribuinte. E são essas atividades que são objetos de lançamento por homologação.  Após decorrido o prazo legal de pagamento antecipado não pode haver incidência do caput do art. 138, porque essa infração – pagamento a destempo – não configura infração de norma de direito material referida no citado dispositivo, mas de uma infração de natureza processual que decorre do descumprimento do prazo legal de pagamento que não é dado a ninguém ignorar. O prazo de pagamento antecipado no lançamento por homologação consta da legislação tributária da entidade política competente e não é suscetível de discussões ou de interpretações divergentes ao contrário do que pode ocorrer em relação às normas jurídicas definidoras de fatos geradores da obrigação tributária. No caso, pergunta-se, que tipo de infração estaria sendo voluntariamente denunciada? A mora no pagamento antecipado? Não faz menor sentido falar-se em denúncia espontânea para levar ao conhecimento do fisco aquilo que já é do conhecimento dele pelo simples implemento do prazo legal de pagamento antecipado. Como esse prazo de pagamento consta da legislação tributária aplica-se o brocardo dies interpellat pro homine.  No dia seguinte ao do vencimento do prazo o fisco já pode promover a inscrição do débito declarado na dívida ativa para fins de execução fiscal. Não há, no caso, denúncia espontânea de infração sem cuja informação o tributo não seria exigido. Não há nessa pseuda denúncia espontânea nada que contribua para o fisco poder exigir o recolhimento do tributo no montante declarado pelo contribuinte.

Logo, o recolhimento do tributo a destempo no exato valor antes declarado caracteriza ação consciente e calculada do sujeito passivo para resolver o seu problema de fluxo de caixa, ou o desvio de recurso financeiro destinado ao fisco, para sua utilização como capital de giro. A aplicação do art. 138 do CTN nessas condições implicaria quebra do princípio da legalidade e, também, do princípio da isonomia tributária à medida que favorece o contribuinte astuto que arcaria apenas com os juros moratórios, cujo custo, sem dúvida, é bem menor do que os encargos financeiros decorrentes de uma operação de mútuo bancário.

Por isso prescreve a Súmula 436 do STJ com lapidar clareza:

 

“A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo o débito fiscal, constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providencia por parte do fisco.”

 

Ao promover a entrega da declaração (GIA/DCTF) ao fisco o contribuinte já sabe de antemão o termo final para a entrega da prova de pagamento do tributo no valor declarado.

Assim como a Súmula 360 do Superior Tribunal de Justiça, lida no contexto do CTN, harmoniza-se perfeitamente com o disposto no parágrafo único do art. 138 do CTN, igualmente, a Súmula nº 436 do STJ não deve ser interpretada literalmente, sob pena de implicar supressão do benefício legal da denúncia espontânea.

Essa súmula deve ser interpretada no sentido da possibilidade de denúncia espontânea antes do vencimento do prazo de pagamento antecipado, mediante entrega da re-ratificação da GIA ou da DCTF. Por exemplo, se na soma de valores para apuração do débito tributário constar um zero a mais ou um zero a menos, o que não é impossível de correr na prática, poderá o contribuinte promover a denúncia espontânea para sanar o erro aritmético. Decorrido o prazo legal de pagamento antecipado[6] não mais caberá essa denúncia espontânea, valendo o despacho da autoridade administrativa competente encaminhando o processo para inscrição na dívida ativa, como uma homologação expressa do lançamento. Transcrevamos a ementa do Acórdão proferido no REsp nº 1120295/SP que ensejou a edição da citada Súmula de nº 436:

 

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE O FISCO COBRAR JUDICIALMENTE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO.

TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO POR ATO DE FORMALIZAÇÃO PRATICADO PELO CONTRIBUINTE (IN CASU, DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS). PAGAMENTO DO TRIBUTO DECLARADO.

INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DECLARADA. PECULIARIDADE: DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS QUE NÃO PREVÊ DATA POSTERIOR DE VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL, UMA VEZ JÁ DECORRIDO O PRAZO PARA PAGAMENTO. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO.

  1. O prazo prescricional quinquenal para o Fisco exercer a pretensão de cobrança judicial do crédito tributário conta-se da data estipulada como vencimento para o pagamento da obrigação tributária declarada (mediante DCTF, GIA, entre outros), nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação, em que, não obstante cumprido o dever instrumental de declaração da exação devida, não restou adimplida a obrigação principal (pagamento antecipado), nem sobreveio quaisquer das causas suspensivas da exigibilidade do crédito ou interruptivas do prazo prescricional (Precedentes da Primeira Seção: EREsp 658.138/PR, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministra Eliana Calmon, julgado em 14.10.2009, DJe 09.11.2009; REsp 850.423/SP, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 28.11.2007, DJ 07.02.2008; e AgRg nos EREsp 638.069/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 25.05.2005, DJ 13.06.2005).

[…]

  1. A entrega de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza prevista em lei (dever instrumental adstrito aos tributos sujeitos a lançamento por homologação), é modo de constituição do crédito tributário, dispensando a Fazenda Pública de qualquer outra providência conducente à formalização do valor declarado (Precedente da Primeira Seção submetido ao rito do artigo 543-C, do CPC: REsp 962.379/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 22.10.2008, DJe 28.10.2008).
  2. O aludido entendimento jurisprudencial culminou na edição da Súmula 436/STJ, verbis: “A entrega de declaração pelo contribuinte, reconhecendo o débito fiscal, constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do Fisco.”
  3. Consequentemente, o dies a quo do prazo prescricional para o Fisco exercer a pretensão de cobrança judicial do crédito tributário declarado, mas não pago, é a data do vencimento da obrigação tributária expressamente reconhecida.

[…]

  1. Consequentemente, tendo em vista que o exercício do direito de ação deu-se em 05.03.2002, antes de escoado o lapso quinquenal (30.04.2002), iniciado com a entrega da declaração de rendimentos (30.04.1997), não se revela prescrita a pretensão executiva fiscal, ainda que o despacho inicial e a citação do devedor tenham sobrevindo em junho de 2002.
  2. Recurso especial provido, determinando-se o prosseguimento da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (REsp 1120295/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, julgado em 12/05/2010, DJe 21/05/2010)

 

Concluindo, a atual jurisprudência do STJ harmoniza-se perfeitamente com os preceitos do Código Tributário Nacional, ao contrário do pronunciamento de alguns dos estudiosos da matéria.

 

 

* Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.

 

[1] A constituição do crédito tributário é ato privativo do agente fiscal, conforme prescrição do art. 142 do CTN.

[2] É facultada a fixação de prazo menor pela legislação ordinária de cada ente político tributante.

[3] Importante assinalar que esse artigo cuida apenas da exclusão de responsabilidade tributária. A exclusão de responsabilidade penal ou a extinção da punibilidade é matéria reservada às normas de natureza penal. O § 2º, do art. 9º da Lei nº 10.684/03, por exemplo, extingue a punibilidade mediante pagamento, a qualquer tempo,  dos tributos  devidos e dos acessórios.

[4] Conf. nosso CTN Comentado, coautoria com Marcelo Kiyoshi Harada. 3ª edição. São Paulo: Editora Rideel, 2017, p. 220.

 

[5] Denúncia espontânea: evolução ou involução da interpretação do art. 138 do código tributário nacional?, in Tributario.com. Acesso em 10-7-2017.

[6] A fixação desse prazo depende da legislação tributária de cada ente político componente da Federação Brasileira.

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