Algumas decisões do STF que não são das mais felizes*

As decisões do Supremo Tribunal Federal são sempre da maior importância para a classe jurídica em geral, principalmente aquelas proferidas no exercício do controle concentrado, assim como no Recurso Extraordinário sob a sistemática de Repercussão Geral, porque servem de um guia seguro na interpretação de preceitos constitucionais e por propiciar estabilidade nas relações jurídicas que se estabelecem entre as pessoas entre si e entre as pessoas e instituições jurídicas do País.

Essas decisões, portanto, exercem um importantíssimo papel de assegurar a segurança do direito, graças à previsibilidade da efetiva aplicação de preceitos normativos alicerçada na ordem constitucional vigente.

Dessa forma, o Pretório Excelso Nacional tem prestado, ao longo de sua existência, relevantíssimos serviços na área jurídica em geral, por meio de votos proferidos pelos seus insignes integrantes, todos eles dotados de sabedoria jurídica indiscutível.

Entretanto, algumas de suas decisões, tomadas por maioria de votos, nem sempre nos trazem a almejada segurança jurídica, ao contrário, ensejam dúvidas e inseguranças por conta da brusca alteração jurisprudencial, decidindo em sentido contrário ao que vinha decidindo, ou deixando de utilizar o mesmo critério interpretativo adotado em outras decisões da mesma espécie.

Citemos, a título ilustrativo, algumas dessas decisões que preocupam a classe jurídica:

a) Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS decidido em sede de repercussão geral no RE nº 574.706

O fundamento adotado foi o de que o ICMS não sendo mercadoria não é passível de faturamento, pelo que não pode integrar a base de cálculo de contribuição social que tem como fato gerador o faturamento.

Só que esse entendimento não é aplicado em relação à Contribuição Previdenciária Sobre a Receita Bruta – CPRB – sob o fundamento de que não há previsão legal para exclusão do ICMS, como se no primeiro caso tivesse essa previsão legal. Assim aconteceu, também, em relação ao ISS que foi excluído da base de cálculo do PIS/COFINS, mas incluído na base de cálculo da CPRB.

Segundo o mesmo raciocínio utilizado para excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS deveria excluir a CSLL da base de cálculo do IRPJ, porque a CSLL não é renda, mas uma despesa. É, portanto, estranho que uma despesa integre a base de cálculo de um imposto que tem por fato gerador uma renda.

Essa jurisprudência do STF desencadeou uma sucessão de exclusões. Hoje, Juízos e Tribunais Regionais vêm excluindo o valor das contribuições do PIS/COFINS da sua própria base de cálculo. O TJSP, outrossim, determinou a exclusão dos valores de todos os tributos federais da base de cálculo do ISS. Só que não se sabe como proceder, e nem se descobre.

Essa confusão toda vem acontecendo porque se alterou, por via de interpretação casuística, o regime tributário de tributos indiretos que incidem sobre si próprios, e também os valores desses tributos integram a base de cálculo de outros tributos.

b) Mais recentemente o STF decidiu, por maioria de votos, e sob sistemática de repercussão geral, que incide o PIS/COFINS sobre as receitas brutas operacionais decorrentes de atividade empresarial típica de instituições financeiras (RE nº 609.096/RS-RG).

Nessa decisão ficou assentada a tese de que faturamento equivale à receita bruta pelo que se aplica a Lei nº 9.718/98 “mesmo em sua redação original”.

Ora, a Corte Suprema havia decidido que faturamento não se confunde com a receita bruta e que, portanto, a tributação de receita bruta antes do advento da EC nº 20/98 que introduziu a receita bruta, é inconstitucional (RE nº 357.950)

Na época, foi enfatizado que não existe a figura da constitucionalização superveniente; o que era inconstitucional não pode ser recepcionado pela nova ordem constitucional. Evidente a guinada de 180º no entendimento operada no recente julgamento do RE nº 609.096.

c) A impactação automática da coisa julgada

Nos RREE nºs 949.297 (Tema 881) 955.227 (Tema 885) o STF reverteu automaticamente a coisa julgada que assegurava a seus titulares o direito de não pagar a CSLL, conforme decisões proferidas nos idos de 1990.

Só que em 2007 o mesmo STF no julgamento da ADI nº 15 reputou constitucional a CSLL prevista na Lei nº 7.698/88. Porém, nada adiantou acerca das decisões em contrário proferidas no controle difuso de constitucionalidade.

Todavia, nos julgamentos dos RREE mencionados pronunciando-se acerca do marco temporal da coisa julgada, por maioria de votos, ficou decidido que aquela decisão pela constitucionalidade da CSLL proferida na ADI nº 15 deveria ter sido cumprida desde 2007, descabendo a cogitação de modulação de efeitos. Ficou assentada a tese de que decisões proferidas em ações de controle concentrado e no RE com repercussão geral impactam automaticamente as decisões em sentido contrário proferidas nas ações de controle difuso.

Os detentores da coisa julgada a seu favor foram surpreendidos com o novo entendimento do STF após decorridas mais de 16 anos.

Assim foi decidido em nome da igualdade de tratamento tributário entre todas as empresas, evitando-se a situação de concorrência desleal por parte daquelas desoneradas do pagamento da CSLL. Deu tratamento igual a situações desiguais.

d) Tributação pelo IPI na revenda de produto industrializado

Após vacilações jurisprudenciais pela tributação e intributação na revenda de produto industrializado importado tanto no STJ, como no STF a Corte Suprema, no RE nº 946.648, após conceder a medida cautelar para conceder efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário impetrado, no julgamento virtual, foi reputada constitucional a tributação na revenda, em respeito ao princípio da isonomia em relação ao similar nacional.

Ora, o produto industrializado sofre a tributação no desembaraço aduaneiro como de4corrência do princípio da territorialidade e o produto industrializado nacional, por ocasião de saída do estabelecimento industrial. Onde a quebra da isonomia?

Tributar o produto importado na revenda, além de vulnerar o princípio da igualdade em relação ao similar nacional, implica alteração do fato gerador do IPI que é a industrialização do produto.

Implica confundir o fato gerador do IPI com o fato gerador do ICMS. Somente nova industrialização do produto pelo importador poderia acarretar a sua tributação pelo IPI.

Essas são algumas das decisões, como dito de início, que não são das mais felizes proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

SP, 11-9-2023.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.685, de 13-9-2023.

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