O pacote anticrime representado pelo Projeto Legislativo nº 6.341/2019 aprovado pelo Congresso Nacional sofreu 24 vetos pelo Executivo.
Depois de demoradas discussões o Parlamento Nacional rejeitou dezesseis desses votos.
Assim, o projeto legislativo aprovado será sancionado com parte das redações originais vetadas.
Examinemos, em rápidas pinceladas, os vetos rejeitados e suas consequências:
a) Uso de arma privativa ou proibida
O Executivo havia vetado o dispositivo que apenava o autor do crime com pena de 12 a 30 anos de prisão em casos de homicídio cometido com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, sob o fundamento de que viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena respectiva, gerando insegurança jurídica entre os agentes da segurança pública no exercício de suas atribuições diárias, para defesa pessoal e de terceiros.
b) Internet
O dispositivo vetado triplicava a pena para crimes cometidos ou divulgados em redes sociais ou na rede mundial de computadores. Para o Executivo a medida, além de violar o princípio da proporcionalidade, a legislação vigente já permite o agravamento da pena em um terço “na hipótese de qualquer crime contra a honra ser cometido por meio que facilite a sua divulgação”.
E mais, a elevação da pena obrigaria a instauração de inquérito policial ensejando a superlotação das delegacias e redução do tempo e da força de trabalho para se dedicar ao combate de crimes mais graves, como homicídio e latrocínio.
c) Juiz de garantia
A norma legal vetada determinava a apresentação do preso em flagrante ou em cumprimento do mandado de prisão provisória ao juiz de garantia, no prazo de 24 horas, devendo a audiência ser realizada com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o uso de videoconferência.
O chefe do Executivo invocou como razões do veto a insegurança jurídica com a proibição de videoconferência, bem como o aumento de despesas nos casos de comarcas com vara única implicando necessidades de criação de outra vara ou locomoção de magistrados de comarcas circunvizinhas.
d) Advogados para policiais
Os policiais federais, rodoviários, ferroviários, civis e militares, inclusive, os integrantes do Corpo de Bombeiros Militares teriam direito a defensor público em casos de serem investigados por “uso da força letal praticados no exercício profissional”. Em não havendo defensor público na localidade poderia ser indicado um advogado particular custeado pela instituição a que pertence o investigado.
O Presidente havia vetado sob o fundamento de que a “Constituição já prevê a competência da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal para representar judicialmente seus agentes públicos”. A representação judicial difere, obviamente, da assistência jurídica na fase de inquérito policial.
Outrossim, o dispositivo vetado permitia aos presos que cometem faltas graves na cadeia o direito à progressão do regime se apresentassem bom comportamento durante um ano após o fato. O veto nesse caso fundou-se na contrariedade ao interesse público por gerar “a percepção de impunidade”.
e) Extração de DNA
O texto original previa a extração compulsória de DNA de condenados por crime doloso praticado com violência grave. Essa regra era estendida para os condenados por crimes contra a vida, contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra vulneráveis.
O Executivo havia vetado o dispositivo por contrariedade ao interesse público por excluir “alguns crimes hediondos considerados de alto potencial ofensivo”, como o genocídio, o porte ilegal de arma de fogo de uso privativo.
Outrossim, o texto original previa regras para uso e descarte de amostra biológica para a identificação de perfis genéticos. Neste particular, o dispositivo foi vetado sob o fundamento de que a utilização de amostra para fenotipagem e busca familiar poderá “auxiliar no desenvolvimento de crimes reputados graves”, como o estupro. A rejeição do veto, neste caso, não guarda coerência com o conteúdo do projeto anticrime.
f) Captação ambiental
O texto vetado permitia a instalação do dispositivo de captação ambiental por meio de operação policial disfarçado, ou no período noturno, exceto no caso do investigado.
O veto foi aposto porque ao retirar o alcance “a casa” o dispositivo restaria esvaziado.
O artigo vetado permitia, ainda, a utilização de gravação feita por um dos interlocutores, sem prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público, desde que demonstrada a integridade da gravação. O veto foi aposto sob o fundamento de que a medida limitaria o uso da prova apenas pela defesa, contrariando o interesse público à medida que uma prova não deve ser considerada licita ou ilícita unicamente em razão da parte que beneficiará, sob pena de violar os princípios da lealdade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais, além de representar um retrocesso legislativo no combate ao crime.
g) Acordo em ação de improbidade
Nesta área o Congresso Nacional respeitou os oitos vetos apostos pelo Executivo. Dentre as normas vetadas figuravam aquelas que permitiam o Ministério Público celebrar acordo de não persecução civil nas ações de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992) observadas algumas condições como o ressarcimento integral do dano; a reversão da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de ajustes privados; e o pagamento de multa de até 20% do valor do dano ou da vantagem auferida. O Executivo havia vetado por “contrariedade ao interesse público, geração de insegurança jurídica e retrocesso da matéria”.
Os vetos foram mantidos pelo Congresso Nacional para essa matéria que não tem semelhança com o acordo de leniência prevista na legislação específica de combate à corrupção.
No nosso entender a rejeição desses dezesseis vetos gerou impacto negativo na perseguição criminal representando um retrocesso legislativo.
O descarte de amostra biológica para identificação de perfis genéticos, por exemplo, conspira contra a descoberta de autoria de crimes graves, como o estupro.
E a captação ambiental, embora as razões do veto não mencionem estava de acordo com a jurisprudência dos tribunais que não permitem uso de artimanhas legislativas para flagrar os infratores como, por exemplo, a utilização de radares móveis nas rodovias camufladas debaixo de pontes e viadutos ou nos matagais.
SP, 26-4-2021
Por Kiyoshi Harada