Já se tornou uma praxe as pessoas fazerem aposta em torno do time que irá vencer o campeonato de futebol, quem será o vencedor da Fórmula 1 etc.
Outros tipos de apostas existem, como se vai ou não chover no dia do Natal, se o fulano de tal irá ou não vencer as eleições etc.
Esses tipos de apostas podem não configurar contravenção penal, a exemplo dos jogos de azar para os quais o Decreto-lei nº 3.688/41 comina pena de multa.
O jogo de azar mais comum, praticado na clandestinidade, é o jogo do bicho.
Há décadas vem se discutindo acerca de sua legalização com marchas e contramarchas na propositura legislativa.
Os jogos de azar podem ser legalizados.
Alguns deles como a loteria federal, a loteria estadual, a raspadinha, a mega sena etc., estão legalizados e regulamentados.
As apostas antes mencionadas não configuram jogos de azar. As dívidas delas oriundas são lícitas.
Porém, não é passível de cobrança judicial.
Contudo, uma vez paga voluntariamente não comporta repetição. É o que dispõe o art. 814 do Código Civil:
“Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.”
Dívidas oriundas de jogos de azar legalizadas podem ser cobradas judicialmente.Quanto a isso não há dúvida alguma.
Todavia, paira dúvida quanto à dívida de jogo originária de um país onde o jogo de azar é legalizado e regulamentado.
Pode ser cobrada por credor residente no Brasil?
Essa intrigante questão foi julgada pela 3ª Turma do STJ.
Trata-se de uma dívida superior a U$ 1 milhão feita em um torneio de pôquer no cassino Wynn Las Vegas, no Estado de Nevada, Estados Unidos, onde a exploração do pôquer é legal.
O relator do processo, Ministro Villas Bôas Cueva, considerando que no Brasil também existem alguns jogos legalizados e regulamentados, decidiu que a sua cobrança no Brasil era possível, porque a dívida constitui-se lícita e validamente no Estado da Nevada, onde o jogo de pôquer é legal.
Contudo, apesar de reconhecer a possibilidade de cobrança de dívida de jogo no Brasil, a 3ª Turma deu parcial provimento ao recurso para reabrir a instrução probatória e permitir que o jogador produza prova para se defender das alegações (REsp nº 162.8974).
O que nos chama a atenção é o conhecimento do recurso para reabrir a dilação probatória.
Normalmente o STJ, quando o fato alegado não está devidamente comprovado, aplica a Súmula 7 que impede a rediscussão de matéria fática controvertida para negar seguimento ao recurso.
Talvez a colenda 3ª Turma do STJ queira firmar jurisprudência nesse caso peculiar que envolve o exame da questão de ordem pública, por implicar aplicação de norma estrangeira (jogo de pôquer) que não tem correspondência no Brasil quanto a sua legalidade.
SP, 26-9-2022.
Por Kiyoshi Harada