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As leis refletem o formalismo em prejuízo de sua efetividade

Direito é uma ciência humana que lida com os fatos sociais que recebem uma qualificação jurídica por entender o legislador que são relevantes para a consecução de sua finalidade, qual seja, a de alcançar uma sociedade harmônica e justa para uma convivência ordenada.

Nenhuma sociedade poderia substituir sem o mínimo de ordem e de direção.

Das três dimensões do Direito – fato, valor e norma – a mais importante delas é a sua dimensão axiológica, ou seja, o juízo de valor, no sentido de que o Direito, que regula a atividade humana, é direcionado às finalidades escolhidas pelas pessoas, orientado por valores.

Toda norma sempre é representada por um enunciado do dever-ser que tem fundamento em alguns valores, objetivando impor à sociedade comportamentos que sejam reputados adequados a certo conjunto de valores. E os costumes de um povo são expressões de valores, de tal forma que normas contrárias a esses costumes constituem normas de rejeição social caracterizadas por vício de ilegitimidade que precede a legalidade.

Ética é uma ciência que estuda comportamento humano voltada para a prática do bem, relaciona-se com a Moral que não é uma ciência, mas representa hábitos e costumes de um povo. Daí os preceitos normativos de cunho moralista que fazem com que a Moral passe a revestir-se de certo conteúdo jurídico. É a interface da Ética e da Moral.

A ética está presente ou deveria estar presente em todas as atividades humanas: ética no ato de legislar; ética no ato de executar as leis; e ética no ato de julgar, isto é, aplicar a lei em caráter definitivo.

Ora, isso não está presente nas três esferas de Poder, porque em uma sociedade onde está arraigado o individualismo, o egoísmo em prejuízo do coletivismo, não é possível agir com ética no dia a dia de cada um.

O individualismo abre abismo que separa os poucos ricos da imensa maioria de pobres, muitos deles, vivendo abaixo da linha da miséria. Mas, os detectores do poder político nada fazem, ou quase nada fazem para unificar o andar de cima e o andar de baixo da heterogênea sociedade brasileira, porque na sua visão isso seria um fenômeno natural e necessário, assim como, a escravidão, no passado, era um mal necessário.

As leis em seu sentido amplo refletem a cultura do brasileiro pouco afeita ao coletivismo, à igualdade, à fraternidade e à solidariedade, que tanto pregam em discussões vibrantes, da mesma forma que “combatem” a corrupção reinante, desde que a corrupção seja de outrem e não a sua.

Há falta de ética em tudo que leva à solução legislativa para “resolver” os problemas que vão surgindo na sociedade. Alguns exemplos ajudarão a entender melhor o que estamos falando.

  1. O serviço público é moroso e de má qualidade. Solução: inserir no art. 37 da CF o princípio da eficiência no serviço público;
  2. O processo judicial é muito moroso. Solução: Inserir no texto constitucional o princípio da duração razoável do processo;
  3. O Sistema Tributário Nacional é complexo. Solução: Elaboração de propostas de reformas radicais que acabam com o federalismo fiscal, substituindo-o por um modelo próprio de um país unitário;
  4. Complexidade de duas legislações para regular contribuições sociais com o mesmo fato gerador (PIS/COFINS). Solução: Unificar as legislações mediante um projeto legislativo, que ao invés de sete artigos contém 130 artigos, isto é, mais do que a soma das duas legislações.

Enfim, é um país dominado por epidemias de normas burocráticas, formalísticas, sem o conteúdo de sua efetividade.

O Código de Processo Civil em vigor é um exemplo vivo do que estamos falando. Ao invés de atuar como um meio para aplicação do direito material pelo Judiciário transformou-se em um fim em si mesmo.

O autor vai à Justiça e fica litigando por quase uma década e recebe uma decisão burocrática que não examinou o mérito de sua postulação. O processo é encenado por determinado vício processual, e o autor da ação jamais saberá se ele tinha ou não o direito que invocou. Temos uma infinidade de recursos como corolário do princípio do contraditório e ampla defesa, só que na maioria dos casos as decisões tangenciam o mérito da causa.

Precisamos de menos leis formalísticas e mais leis que possibilitem conferir efetividade ao direito. É claro que isso dará muito trabalho ao operador do direito, mas é uma imposição que decorre da ética no ato de legislar.

Por Kiyoshi Harada

SP, 21-6-2021

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