Base de cálculo do ITCMD*

Kiyoshi Harada

O tema a ser analisado é um dos mais controvertidos na doutrina e na jurisprudência.

O tributo é um dos raros conceitos determinado em Direito. O ente político tributante deve informar o valor exato do tributo a ser cobrado, e o contribuinte tem o direito de saber quanto deve pagar.

Daí o aspecto quantitativo do fato gerador da obrigação tributária: a base de cálculo que é uma ordem de grandeza sobre o qual se aplica a alíquota.

Examinemos, agora, o tratamento dispensado à base de cálculo pelo CTN, aplicável nacionalmente, por força do art. 146, inciso III, letra a da Constituição Federal.

Dispõe o art. 38 do CTN:

Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

Esclareça-se que à época do advento do CTN, o ITBI e o ITCM estavam unificados sob a denominação de imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos, de competência impositiva dos Estados-membros.

Com o advento da Constituição de 1988 o aludido imposto foi repartido ficando o Município com o imposto sobre transmissão inter vivos e a título oneroso incidente sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos reais sobre os imóveis e sua cessão, conhecido pela sigla ITBI, e o Estado ficou com o imposto sobre a transmissão causa mortis, acrescido da doação, sob a sigla ITCMD.

O art. 9º da Lei nº 10.705/2000 que rege o ITCMD no Estado de São Paulo dispõe:

Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

§ 1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.

§ 2º […]

Dispõe a norma sob exame que a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).

A definição da base de cálculo compete à lei complementar nos termos da alínea a, do inciso III, do art. 146 da CF. E o art. 38 do CTN prescreveu que “a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos”.

Talvez por essa razão o STJ tenha se posicionado pela competência estadual na fixação da base de cálculo do ITCMD:

“EMENTA. IMPOSTO SOBRE HERANÇA E DOAÇÕES. BASE DE CÁLCULO. SUPOSTA VIOLAÇÃO ART. 38 DO CTN. COMPETÊNCIA DE LEI ESTADUAL.

1. A Constituição Federal atribui aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quais quer bens ou direitos art. 155, I, imposto sem função eminentemente fiscal.

2. A base de cálculo do imposto há, pois, de ser fixada por lei da entidade competente para instituir o tributo.

3. Agravo improvido.” (AgInt no REsp 1576169 / DF.AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL nº 2015/0324932-1, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 24-10-2016).

Dispõe esse § 1º que considera valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data a abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.

Dizer que a base de cálculo do ITCMD é o valor de mercado do bem ou do direito transmitido nada contribui para o esclarecimento da questão, porque na transmissão causa mortis não cabe falar em preço da transmissão por não ser onerosa essa transmissão.

Tanto na transmissão causa mortis, como na transmissão inter vivos a título gratuito (doação) não há preço de mercado para ser tomado como referência na fixação do valor venal, base de cálculo do ITCMD.

Então é preciso que os bens ou direitos transmitidos sejam valorados ou avaliados, conforme a hipótese.

A valoração dos bens, ato de valorar, difere da avaliação, ato de avaliar.

A valoração não requer conhecimento técnico especializado. Ela é feita normalmente por consenso das partes interessadas, baseada no conhecimento empírico. As partes estimam o valor do bem ou direito com base no valor anteriormente utilizado, ou com fundamento em diversas fontes de referências.

A avaliação, a seu turno, é sempre de natureza judicial, isto é, feito em juízo por um perito técnico nomeado pelo juiz. Requer conhecimento técnico especializado (perito contador, perito engenheiro/arquiteto). É utilizado quando há controvérsia acerca do valor a ser atribuído ao bem ou direito.

O CPC em seu art. 871 dispensa a avaliação judicial quando for possível a valoração dos bens ou direitos:

Art. 871. Não se procederá à avaliação quando:

I – uma das partes aceitar a estimativa feita pela outra;

II – se tratar de títulos ou de mercadorias que tenham cotação em bolsa, comprovada por certidão ou publicação no órgão oficial;

III – se tratar de títulos da dívida pública, de ações de sociedades e de títulos de crédito negociáveis em bolsa, cujo valor será o da cotação oficial do dia, comprovada por certidão ou publicação no órgão oficial;

IV – se tratar de veículos automotores ou de outros bens cujo preço médio de mercado possa ser conhecido por meio de pesquisas realizadas por órgãos oficiais ou de anúncios de venda divulgados em meios de comunicação, caso em que caberá a quem fizer a nomeação o encargo de comprovar a cotação de mercado.

Parágrafo único. Ocorrendo a hipótese do inciso I deste artigo, a avaliação poderá ser realizada quando houver fundada dúvida do juiz quanto ao real valor do bem.

Uma vez feita a avaliação judicial ela se torna definitiva, ressalvadas apenas hipóteses em que se constatar vício por erro ou dolo do perito, ou quando depois de avaliados os bens ou direitos verificar que os bens apresentam defeitos que lhes diminui o valor (REsp nº 15309/MS, Rel. Min. Cesar Asfor)

Resulta do exposto que a base de cálculo do ITCMD é o valor do bem ou direito transmitido encontrado por meio da valoração ou da avaliação judicial. Valoração é um procedimento que resulta de conhecimento empírico e a avaliação é um procedimento técnico especializado feito por determinação judicial, quando não for possível a valoração.

Importante notar que § 1º determina a apuração do valor venal na data da abertura da sucessão, ou da realização do ato de doação conforme a hipótese.

Dependendo do tempo decorrido entre a data do óbito do autor da herança e a abertura do processo de inventário há que se fazer uma avaliação retroativa. O perito, nesse caso, deve valer-se de elementos de pesquisas contemporâneas à época da abertura da sucessão, o que nem sempre é possível, pois, as referências de mercado sempre traduzem a realidade do momento atual.

Outra alternativa de encontrar o valor que serve de base de cálculo do imposto é a de proceder à avaliação do bem ou direito mediante utilização de parâmetros ou elementos de pesquisas atuais, e em seguida, proceder à aplicação dos índices de correção monetária de forma regressiva, como se fazia antigamente para a apuração da justa indenização na chamada desapropriação indireta. Apurado por esse método regressivo o justo preço da indenização à época em que se deu o apossamento administrativo do bem, a partir de então se computava os juros compensatórios sobre o valor encontrado até o trânsito em julgado da decisão fixadora da justa indenização.

Diferentemente do que está na lei, a Súmula 113 do STF manda adotar o valor contemporâneo à avaliação, nos seguintes termos:

“O imposto de transmissão causa mortis é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação”.

É que na época de sua edição não havia o instituto da correção monetária criado apenas no ano de 1964. Por isso, naquela época não interessava ao contribuinte pagar prontamente o imposto devido, provocando distorções prejudiciais à Fazenda. Daí a edição da Súmula.

Por questão de praticidade o fisco estadual de São Paulo tem adotado o valor venal do IPTU em se tratando de imóvel urbano, e o valor venal do ITR em relação ao imóvel rural.

Depois que a PMSP passou a adotar o Valor de Referência –VR – para o cálculo do ITBI, o fisco estadual passou a utilizar desse Valor de Referência que é estabelecido unilateralmente pelo fisco com base na pesquisa de mercado disponibilizando esse VR para cada imóvel cadastrado na Prefeitura, sendo obrigatória a sua utilização. Esse VR que não e submete ao princípio da legalidade tributária foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do TJSP (AI nº 005663-19.214.8.26.000, j. 25-3-2015).

E aqui é oportuno distinguir o conceito doutrinário de valor venal do imóvel que espelha o valor de mercado, do conceito legal de valor venal que resulta da aplicação da lei de regência da matéria, que no caso do Município de São Paulo é a Lei de no 10.235, de 16-12-86, que contém critérios objetivos para a apuração de valor unitário do metro quadrado do terreno e da construção. Nessa lei estão anexadas Tabelas de I a VI contendo a listagem de valores (PGVs) que permitirão o cálculo do valor unitário do metro quadrado do terreno segundo os fatores de profundidade, de esquina, de condomínio, de encravamento etc., bem como o cálculo do metro quadrado da construção segundo os seus diferentes tipos (residencial horizontal, comercial, geminado, sobrado etc.) e diferentes padrões (luxo, médio, popular etc.). A fixação da base de cálculo é matéria reservada à lei.

O conceito doutrinário orienta a ação do legislador que jamais poderá preconizar um critério de apuração do valor venal que ultrapasse o valor de mercado. Daí a prudência legislativa que visa ao aumento do IPTU, normalmente, pela elevação de alíquota incidente sobre o valor venal que habitualmente se situa aquém do valor de mercado.

Inconfundível conceito de valor venal legal, que resulta de critérios objetivos para sua apuração, constantes das PGVs legalmente aprovadas, com o conceito doutrinário de valor venal, que depende de pesquisas de mercado, caso a caso.

A atividade do agente fiscal ou da administração não é a de pesquisar o mercado imobiliário, mas a de confrontar a situação fática de cada caso com os valores constantes das PGVs aprovadas por lei. Esse equívoco está tão consagrado na doutrina e na jurisprudência que se torna bem difícil o seu desfazimento.

SP, 25-11-2024.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.986, de 26-11-2024.

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