Jurista e professor
Presidente do IBEDAFT
A MP nº 899, de 16 de outubro de 2019, dispôs sobre a transação tributária. Ela contém 21 artigos.
Comentamos essa medida provisória sob o título “Transação tributária. Exame crítico da MP nº 899/12” que foi publicado no site tributário.com.br, na edição do dia 22 de outubro de 2019.
Ao final dos comentários concluímos que de transação tributária não se tratava, mas de um regime peculiar de parcelamento de débitos fiscais, mediante equivocada invocação do art. 171 do CTN que dispõe sobre a regulamentação da transação tributária.
Pois bem, essa medida provisória sofreu acréscimos de vários dispositivos por meio de Projeto de Lei de Conversão.
Já se tornou uma praxe a introdução de normas estranhas ao objeto da medida provisória através de conhecidos jabotis. Temos para nós que essa maneira de legislar fere frontalmente o disposto no art. 62 da CF, porque a avaliação dos requisitos de relevância e urgência cabe exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo, titular único do poder cautelar, para edição de normas jurídicas de natureza urgente e relevante.
Não faz sentido, por exemplo, o Legislativo dispor sobre alteração de denominação de determinado órgão público em um projeto de conversão de medida provisória que dispõe sobre parcelamento de débito tributário, como já aconteceu no passado.
Examinaremos neste artigo, de forma sucinta, a inovação introduzida pelo artigo 24 e seu parágrafo único que, além de dispor sobre matéria que nada tem de relevância e urgência, peca pela errônea redação conferida aos textos legislativos em preparação.
O caput desse artigo 24 delega ao Ministro de Estado da Economia a regulamentação do processo administrativo tributário envolvendo valor de pequena monta (até sessenta salários mínimos), bem como, a adoção de medidas alternativas de solução do litígio por meio de transação.
Mas, a “pérola” legislativa, que espelha raro desconhecimento da realidade tributária do País, está corporificada no parágrafo único desse art. 24 que assim prescreve:
“No contencioso administrativo de pequeno valor, observado o contraditório, a ampla defesa e a vinculação aos entendimentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o julgamento será realizado em última instância por órgão colegiado da Delegacia da Receita Federal do Brasil de julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, aplicando-se o disposto no Decreto nº 70.235 de 6 de março de 1977, apenas subsidiariamente.”
O legislador partiu do princípio de que contraditório e ampla defesa inscrito no inciso LV, do art. 5º da CF é satisfeito com a observância do duplo grau de jurisdição (“administrativa”), o que em tese está correto.
Contudo, à medida que a lei de regência da matéria, Decreto nº 70.235/72, prevê, sem limitação de valor, o recurso ao CARF, órgão colegiado composto de representantes do fisco e dos contribuintes, impedir os micros e pequenos empresários de recorrer significa uma afronta ao princípio da isonomia. Por isso, a inserção da expressão “observado o contraditório e a ampla defesa” encerra uma contradição.
Outrossim, a outra ressalva consistente na vinculação aos entendimentos consolidados do CARF, também, em nada atenua o cerceamento de defesa dos excluídos, porque naquele órgão colegiado administrativo vigora o voto de minerva a ser proferido pelo representante da Fazenda, em caso de empate, isto é, o representante do fisco vota duas vezes. Assim é difícil, senão impossível, o contribuinte obter vitória em caso de empate nas votações regulares.
Aparentemente, o legislador buscou destravar os processos administrativos pendentes de julgamento no CARF, cerca de 120 mil, envolvendo cifras da ordem de R$ 600 bilhões. Só que isso representa uma visão imediatista que não resolve o problema da cobrança do crédito tributário. Ao contrário, só irá provocar o aumento acelerado do crescimento da dívida ativa que hoje chega a R$ 3,2 trilhões, com perspectivas de crescimento anual de 15%.
Não é preciso ser inteligente para concluir que não há máquina judiciária capaz de promover a cobrança executiva dessa dívida ativa. Basta lembrar que o prazo médio de cada processo de execução fiscal, desde seu ajuizamento até final do processo, é de 14 anos. O cerceamento da ampla defesa dos micro e pequenos empresários não irá resolver o problema da dívida ativa acumulada.
Logo, os legisladores devem buscar outras alternativas, como a compensação do crédito tributário com os precatórios, que vêm sendo empurrados com a barriga desde o advento do art. 33 do ADCT da Constituição Cidadã de 1988, por meio de sucessivos calotes constitucionais representados por Emendas espúrias.
Esses insensíveis legisladores, que protelam indefinidamente o pagamento de precatórios para atender aos interesses escusos de governantes e de outras autoridades favorecidas pela morosidade, são responsáveis pela morte de milhares de precatoristas, sem terem auferido o resultado material das demandas vitoriosas.
A missão do Legislativo deve estar voltada para o futuro e não para o presente, campo de atuação do Executivo.