Breves comentários sobre a nova Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS*

Essa Contribuição Social incidente sobre Bens e Serviços – CBS – veio à luz no bojo da reforma tributária aprovada pela Emenda Constitucional nº 132/2023.

Transcrevemos os textos constitucionais a ela relativos para melhor exame.

“Art. 195…

[…]

V – sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar.

[…]

§ 15. A contribuição prevista no inciso V do caput poderá ter sua alíquota fixada em lei ordinária.

§ 16. Aplica-se à contribuição prevista no inciso V do caput o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI e IX, e §§ 6º a 11 e 13.

§ 17. A contribuição prevista no inciso V do caput não integrará sua própria base de cálculo nem a dos tributos previstos nos arts. 153, VIII, 156-A e 195, I, “b”, e IV, e da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239.

§ 18. Lei estabelecerá as hipóteses de devolução da contribuição prevista no inciso V do caput a pessoas físicas, inclusive em relação a limites e beneficiários, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda.

§ 19. A devolução de que trata o § 18 não será computada na receita corrente líquida da União para os fins do disposto nos arts. 100, § 15, 166, §§ 9º, 12 e 17, e 198, § 2º.” (NR)

Como se depreende do inciso V, o conceito de bens e serviços é muito amplo e ao mesmo tempo vago demais. De certa forma, “serviços” estão contidos no conceito de bens, expressando um bem imaterial. Teria feito melhor se o Senado Federal tivesse acatado a nossa sugestão de alterar a sua denominação para “Contribuição relativa à circulação de bens e serviços”, para expressar a natureza mercantil do tributo, a fim de exigir uma circulação jurídica de bens e serviços, a exemplo do que acontece com o ICMS vigente. Como se sabe, o STF levou mais de duas décadas para assentar definitivamente a tese da circulação jurídica, que pressupõe operação de compra e venda implicando mudança de propriedade ou de posse. Não havia razão para desprezar a doutrina e a jurisprudência que se formou em torno do ICMS ao longo das décadas, pois a CBS tem natureza de imposto, identificando-se com o IBS compartilhado entre estados, Distrito e municípios. Ambos os tributos têm o mesmo fato gerador, a mesma base de cálculo, o mesmo contribuinte e o mesmo objeto de tributação – Bens e Serviços. Segundo o art. 4º do CTN a natureza específica do tributo é dada pelo fato gerador da obrigação tributária. Seria o caso de instituir o IBS federal, o IBS estadual e o IBS municipal, com o que resguardaria o princípio federativo, assegurando autonomia aos estados e municípios, de um lado, e de outro lado prescindiria da problemática figura do Comitê Gestor, órgão polivante que acumula a função normativa, a função fiscalizatória/arrecadatória, e a função de julgar os processos administrativos tributários pertinentes ao IBS. Mas, isso seria simplificar demais, contrariando a tradição da Casa Legislativa. Os parlamentares não abrem mão da prolixidade, assim como os profissionais da área de direito não conseguem se desvencilhar do juridiquês.

Qualquer que venha ser o conceito dado pela lei complementar, as discussões não cessarão, pois caberá ao STF, como guardiã da Constituição, dela extrair o exato significado da expressão “contribuição sobre bens e serviços”, providência que poderá levar décadas de discussões.

O § 15 dispõe que a alíquota da CBS poderá ser fixada em lei ordinária, que é uma atribuição regular do ente político contemplado na Constituição para instituir tributos, salvo expressa previsão constitucional em sentido contrário, como acontece com o Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF – referido no art. 153, VIII da CF. É que o § 16, adiante comentado, prevê para a CBS a aplicação de dispositivos pertinentes ao IBS a ser instituído por lei complementar. Atente-se que a CBS federal e o IBS dual serão instituídos pela mesma lei complementar, o que reforça a nossa afirmativa anterior de que se tratam de impostos tendo o mesmo objeto de tributação – Bens e Serviços.

Essa EC nº 132/2023 inaugurou uma nova doutrina do direito tributário, separando a lei que institui o fato gerador em seus múltiplos aspectos por lei complementar, de um lado, e, por outro lado a lei que institui um dos aspectos quantitativos do fato gerador – a alíquota – por intermédio de lei ordinária para CBS federal e leis ordinárias estaduais e municipais em relação ao IBS dual.

O § 16 determina a aplicação em relação à CBS dos mesmos requisitos previstos para o IBS, porém excepciona a aplicação do disposto no inciso IX, do § 1º, do art. 156-A que cuida da exclusão da base de cálculo de tributos aí mencionados. Essas exclusões foram estabelecidas no parágrafo seguinte adiante comentado.

Nos termos do § 17, a CBS é tributada por fora; o valor da contribuição não integra a sua própria base de cálculo. Exclui-se, igualmente, da sua base de cálculo os valores do Imposto Seletivo, do IBS, da Contribuição Social sobre faturamento ou receita, da contribuição incidente sobre importação de bens e serviços e da contribuição para o PIS/PASEP.

O § 18 comete à lei complementar a tarefa de definir as hipóteses de devolução da CBS paga para as pessoas físicas vulneráveis, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda. Esse parágrafo conflita abertamente com o regime de tributação por fora estabelecido para o CBS. O valor dessa contribuição, bem como os dos tributos mencionados no § 17 deixam de integrar a base de cálculo da CBS; em outras palavras, os valores de desses tributos, bem como o valor da própria CBS deixarão de integrar o preço da mercadoria e dos serviços paga pelo consumidor final. Não haverá mais a repercussão econômica do tributo que faz com que o consumidor final seja o contribuinte de fato dos tributos indiretos, como o ICMS, o ISS, o IPI e as contribuições sociais em vigor. Não faz sentido cogitar de devolver o valor da contribuição a quem não pagou nem a suportou. Esse CASHBACK, na verdade, assume feição de um novo Bolsa Família que nada tem a ver com a reforma tributária.

Por fim, o § 19 restou prejudicado em função dos comentários que fizemos ao parágrafo anterior. Não há possibilidade de efetuar a devolução a quem não pagou nem suportou o ônus da imposição. Nem há como calcular o valor a ser devolvido! Mas, comentando no nível hipotético, esse parágrafo 19 prescreve que o valor do CASHBACK não será computado na receita corrente líquida da União para os fins de apuração de verbas para pagamento de precatórios sob regime especial (art. 100, § 15 – moratórias); o art. 166, §§ 9º, 12 e 17 refere-se, respectivamente, às verbas de emendas individuais, de bancada e de restos a pagar; e, por fim, o art. 198, § 2º refere-se a recursos mínimos vinculados às ações e serviços públicos de saúde. Para cálculo de verbas a serem destinadas a essas despesas, o valor do CASHBACK não seria computada na receita corrente líquida da União. O conceito da receita corrente líquida da União está expresso no inciso IV, do art. 2º da LRF (Lei Complementar nº 101/2000). É o somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos os valores transferidos aos estados e municípios por determinação constitucional ou legal, e as contribuições mencionadas na alínea a, do inciso I e no inciso II, do art. 195 da CF (contribuição previdenciária patronal e dos trabalhadores) e no art. 239 da CF (PIS/PASEP).

SP, 22-1-2023.

* Texto publicado no Portal Migalhas do dia 23-1-2024.

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