Não basta continuar promovendo o aumento da carga tributária para tentar equilibrar o orçamento público sem antes detectar as suas causas.
A principal causa do desequilíbrio orçamentário está na implantação em 1994 do chamado Fundo Social de Emergência – FSE –, por meio da Emenda Revisional de nº 1/94, procedendo a uma desmontagem parcial e temporária do Orçamento Anual da União. Como adiante veremos, essa temporaridade tornou-se definitiva.
Esse fundo era composto do IRRF, do ITR, do IOF e de 20% de todos os impostos e contribuições federais para vigorar nos exercícios de 1994 e 1995, com a finalidade de promover o saneamento financeiro na Fazenda Pública Federal e a estabilização econômica, nos termos do art. 71 a 73 do ADCT acrescidos pela citada emenda.
À época de sua instituição o País estava sem orçamento anual aprovado, mergulhado em profunda crise sem precedentes que culminou com o impeachment do Presidente da República. Era, portanto, justificável a instituição desse fundo sem as exigências contidas na parte final do inciso II, do § 9º, do art. 165 da CF que exige prévia regulamentação, por lei complementar, das condições de instituição e controle dos fundos.
Contudo, a Emenda Constitucional nº 10/96 alterou o prazo de vigência desse fundo para vigorar de 1º de janeiro de 1996 até 30 de junho de 1997, bem como a sua denominação que passou a ser conhecido como Fundo para Fundo de Estabilização Fiscal. Desde então esse fundo vem sendo periodicamente prorrogados por meio de emendas constitucionais acrescentando novas disposições transitórias à Constituição de 1988, até que a Emenda Constitucional nº 27 de 21-3-2000 prorrogou esse fundo até o final do exercício de 2003 com o nome de DRU – Desvinculação de Receitas da União. A DRU, por sua vez, vem sofrendo prorrogações periódicas sendo que a última delas se deu por meio da Emenda Constitucional nº 93, de 8 e setembro de 2016, para vigorar até 31 de dezembro de 2023, prevendo a desvinculação de 30% da arrecadação tributária da União poupando, no entanto, pela vez primeira a parcela da contribuição social da Seguridade Social destinada à Previdência Social. Em contrapartida, estendeu esse mecanismo de desmontagem parcial do orçamento anual aos Estados e ao Distrito Federal, desvinculando de órgão, fundo e despesa 30% das receitas relativas a impostos, taxas e multas já instituídas ou que vierem a ser criados até 31 de dezembro de 2023.
Some-se a esse mecanismo destruidor do orçamento anual às práticas de inscrições em Restos a Pagar acima do limite legal; a delegação legislativa para o Executivo abrir créditos suplementares por Decreto mediante a anulação parcial das dotações previstas na LOA provocando dança das verbas de um lugar para outro; a expansão das despesas de pessoal além do limite legal e teremos um quadro completo de mecanismos destinados ao descontrole total das finanças públicas.
Em meio a esse cipoal de normas jurídicas, legais e constitucionais, de nada adianta continuar investindo na infraestrutura material e pessoal dos órgãos de controle e de fiscalização da execução orçamentária. Da mesma forma é inútil a política de aumento tributário a cada exercício que só contribui para retirar mais oxigênio do setor produtivo a implicar queda do PIB.
É preciso uma ação conjunta dos órgãos de controle e fiscalização de despesas públicas, do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário para a responsabilização política, administrativa e penal dos infratores da LRF e das leis orçamentárias, sem prejuízo do expurgo de instrumentos normativos de natureza legal ou constitucional que contrariam os princípios orçamentários previstos na Constituição.
Do exposto, pode-se concluir que o orçamento anual não mais representa um instrumento de exercício da cidadania no sentido de aprovação do direcionamento dos gastos públicos por meio de seus representantes no Congresso Nacional. A LOA existe, tão somente, para cumprir mera formalidade constitucional não passando de uma figura de ficção jurídica que consome milhões para fiscalizar e controlar o que é incontrolável ou de difícil controle, aumentando a burocracia ineficiente no setor público.
O desinteresse do principal órgão de controle externo – Congresso Nacional – é revelado pela recente aprovação simultânea das contas dos Presidentes Collor, Fernando Henrique, Sarney, Itamar e Lula pelo seu órgão fracionário (Câmara dos Deputados), quando a Constituição exige atuação conjunta das duas Casas Legislativas. Com isso, esvazia-se a legislação eleitoral que proíbe a candidatura de quem tiver as contas rejeitadas. Os pareceres do TCU ficaram dormitando nos escaninhos do Congresso Nacional por mais de duas décadas.
Por isso alguns Tribunais de Contas já partiram para atuar em outras áreas como, por exemplo, examinar o mérito dos projetos de implementação de políticas públicas promovendo sustação de licitações em curso, inspeções de creches para verificação de atendimento de normas de segurança e de higiene etc. Enfim, estão se tornando parceiros do chefe do Poder Executivo na condução de políticas públicas.
SP, 29-10-18.