A Medida Provisória nº 703/2015, um instrumento normativo que já deveria ter sido expurgado do nosso sistema jurídico por incompatível com o sistema presidencialista, veio provocar nova desordem na ordem jurídica vigente ao introduzir modificações na recente Lei de nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que veio à luz para combater a corrupção como decorrência das pressões exercidas por organismos internacionais.
Essa lei que já era ruim no original, por procurar apenas atacar os efeitos de atos corruptivos, sem menor preocupação com a causa ensejadora da corrupção que se alastrou no setor de empreitadas públicas, com o ato baixado pelo legislador palaciano veio a piorar bastante.
De fato, estimula a manutenção grandes empreiteiras com estruturas viciadas, todas elas do grupo familiar, que passam de pai para o filho, e que podem purgar o vício da inidoneidade mediante simples acordo de leniência para poder continuar participando de certames licitatórios, mandando para o espaço sideral as disposições dos arts. 86 e 87 do estatuto licitatório.
Contém vícios formais e materiais ao versar sobre questões processuais e neutralizar mecanismos legais de preservação da moralidade da administração pública, que é um dos princípios fundamentais da administração pública.
Quando o § 1º do art. 62 da CF veda o emprego da medida provisória sobre matéria relativa a processo civil há que se entender em seu sentido amplo, para abarcar as normas administrativas de natureza processual, isto é, aquelas que regem o processo administrativo submetido aos mesmos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, nos termos expressos no inciso LV, do art. 5º da CF.
Assim, as normas que versam sobre forma de celebração do acordo administrativo de leniência extravasam os limites de competência outorgada ao Chefe do Executivo para baixar medidas provisórias em casos de urgência e relevância, requisitos esses, por sinal, não presentes no instrumento normativo sob análise.
Outrossim, o § 11, do art. 16 da Lei nº 12.846/13, com redação dada pela medida provisória sob comento, ao obstar o ajuizamento de ação ou determinar a sua suspensão nas hipóteses de infração por atentado à probidade administrativa ou na hipótese de prática de infrações previstas no art. 5º – atentados ao patrimônio público nacional ou estrangeiro, atentado contra princípios da administração pública e atentados contra compromissos internacionais assumidos pelo Brasil – contém vício formal por razões retro examinados e padece, também, do vício de fundo por neutralizar mecanismos legais que visam tutelar a moralidade pública, um dos mais importantes princípios que regem a administração pública (art. 37 da CF).
Daí a inconstitucionalidade formal e material dessa medida provisória que persistirá mesmo após a sua convolação em lei, porque tem origem não legitimada pela ordem constitucional vigente.
SP, 18-1-16.
* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.