Comentários ao Acórdão do STF que decidiu pela cobrança do ICMS na operação com energia elétrica destinada a outro estado, para fins de emprego no processo de industrialização

Na sessão virtual do dia 5-8-2020 o STF, por maioria de votos, deu provimento ao RE nº 784.543, Re. Min. Marco Aurélio, interposto pelo estado do Rio Grande do Sul, a fim de permitir que aquele estado promova a cobrança do ICMS sobre a entrada de energia elétrica procedente do estado do Paraná.

É a seguinte a ementa dessa decisão plenária:

  • 1. Segundo o artigo 155, § 2º, X, b, da CF/1988, cabe ao Estado de destino, em sua totalidade, o ICMS sobre a operação interestadual de fornecimento de energia elétrica a consumidor final, para emprego em processo de industrialização, não podendo o Estado de origem cobrar o referido imposto;
  • 2. São inconstitucionais os artigos 2º, §1º, III e 3º, III, da Lei Complementar 87/1996, na parte em que restringem a incidência do ICMS apenas aos casos em que a energia elétrica não se destinar à industrialização ou à comercialização.

Trata-se de uma ação anulatória de lançamento proposta pela empresa vendedora situada no estado do Paraná contra a Fazenda do estado do Rio Grande do Sul, com fundamento nos arts. 2º, § 1º, III e 3º, III da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir) que afastam a incidência do ICMS nas operações interestaduais de energia elétrica e demais produtos mencionados quando destinados à comercialização ou à industrialização.

Nas instâncias ordinárias a autora da ação não logrou êxito. Porém, o STJ procedeu à reforma do julgado do TJ/RS sob o fundamento de que a Lei Kandir somente determina a incidência do imposto nos casos em que a energia elétrica, objeto de operação interestadual não for utilizada no processo de comercialização ou de industrialização, ou seja, o imposto só incide quando destinada a energia elétrica a consumidor final.

Porém esse Acórdão, a nosso ver correto, foi reformado pelo STF, por maiorias de votos, decretando-se a inconstitucionalidade dos artigos 2º, §1º, III e 3º, III, da Lei Complementar 87/1996, como se vê da ementa retrotranscrita.

Acompanharam o voto do Relator, Ministro Alexandre de Moraes, os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Luís Barroso e Celso de Mello. O Ministro Edson Fachin, embora tenha acompanhado a conclusão da maioria, deixou de pronunciar as inconstitucionalidades apontadas. Finalmente, o Ministro Marcio Aurélio votou pela não incidência do ICMS na operação interestadual de energia elétrica quer na saída, quer na entrada. Manteve, pois, o seu posicionamento no sentido de que a não incidência prevista na letra b, do inciso X, do § 2º, do art. 155 da CF equivale a uma hipótese de imunidade objetiva da energia elétrica, petróleo e seus derivados.

COMENTÁRIOS

De há muito o STF firmou a tese de que a não incidência prevista letra b, do inciso X, do § 2º, do art. 155 da CF não configura hipóteses de imunidade, mas de não incidência propriamente dita.

Assim, a não incidência não alcança a energia elétrica, o petróleo e seus derivados, nem visa favorecer o consumidor. Essa não incidência visa tão somente favorecer o estado consumidor.

Dessa forma, o estado destinatário procede a cobrança do ICMS pelo valor total da operação, isto é, o estado de destino arrecada o imposto por inteiro descabendo a compensação do que foi pago na operação anterior. Nesse sentido os seguintes Acórdãos: RREE nºs 358.956, 198.088, 338.681, 201.703, AI nº 749.431, AI nº 801149.

É ponto pacífico, portanto, que o móvel da intributação do ICMS nas operações interestaduais com energia elétrica, petróleo e seus derivados é a de beneficiar o estado consumidor.

Por isso a não incidência não alcança a compra e venda de combustível para circulação, pois, aí, configurada estará a operação interna.

Assim sendo, não vejo como os dispositivos da Lei Kandir considerados inconstitucionais pelo Acórdão sob exame, estariam contrariando esse objetivo de favorecer o estado destinatário.

A norma do art. 2º, § 1º, III, bem como a do art. 3º, III da Lei Complementar nº 87/96 ao dispor sobre a não incidência do ICMS nas operações interestaduais com energia elétrica e petróleo e seus derivados quando destinados à comercialização ou à industrialização estão, a toda evidência, assegurando a tributação cheia do ICMS pelo estado destinatário.

De fato, na primeira operação de revenda no estado de destino, este arrecadará por inteiro o ICMS nada tendo a compensar por conta do imposto “cobrado na operação anterior”.

Quando destinada a integrar o processo de industrialização acontecerá a mesma coisa, isto é, o valor da energia consumida no processo de industrialização do produto agregará ao preço do produto industrializado, base de cálculo do ICMS, e com isso o estado destinatário cobrará o ICMS por inteiro.

A única hipótese em que o estado de destino nada arrecada a título de ICMS é quando a energia elétrica ou petróleo e seu derivados forem destinados ao consumidor final. Por isso mesmo, nessa hipótese, é devido o ICMS. Caberá ao vendedor recolher o imposto por substituição tributária a favor do estado de destino.

Na verdade, o V. Acórdão sob comento, sofreu influência da enganosa legislação do Rio Grande do Sul, que a exemplo da legislação de Minas Gerais, de Santa Catarina e do Rio de Janeiro, usou de artifício legislativo para exigir a industrialização do próprio tributo como condição de dispensa da cobrança do ICMS.

Ora, parece óbvio que a expressão: “destinados à industrialização” refere-se à energia destinada a ser consumida no processo de industrialização, que difere da energia destinada ao consumo (para iluminação, para aquecimento de forno, fogão, para aspirador de pó etc.). O que não tem sentido é exigir que seja industrializada a própria energia elétrica. Em relação a derivados de petróleo é até possível industrializá-los eles próprios, ainda que de forma contrária ao bom-senso.

Positivamente, esse V. Acórdão do STF não foi feliz. Correto estava o Acórdão preferido pelo STJ que deu exata interpretação aos textos da Lei Kandir.

SP, 10-8-2020.

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