Compensação de tributos com precatórios

Conforme é do conhecimento de todos o STF nos autos das ADIs nºs 4357 e 4425 declarou a inconstitucionalidade parcial da EC nº 62/09 que instituiu o regime especial de pagamento de precatórios judiciais, em julgamento realizado em 14 de março de 2013.

Entre os dispositivos declarados inconstitucionais figura o § 9º, do art. 100 da CF, acrescido pela EC nº 62/2009 que versa sobre a compensação dos valores devidos em precatórios por entidades políticas, com os tributos devidos pelos precatoristas à Fazenda Pública devedora por condenação judicial. Trata-se de compensação unilateral conferida apenas à entidade política devedora a ser operada pelo Presidente do Tribunal onde se processa o pagamento do precatório.

Foi suscitada a questão de ordem perante o Plenário da Corte Suprema para delimitar o alcance da decisão proferida, nos termos do art. 27 da Lei n٥ Lei nº 9.868/99. Contudo, o Min. Relator Luiz Fux determinou que enquanto não fosse resolvida a questão de ordem as entidades políticas devem continuar efetuando os depósitos de recursos financeiros nos termos do estabelecido na EC nº 62/2009.

Prosseguindo no julgamento a Corte Suprema, em Sessão Plenária do dia 25-3-2015, resolvendo a questão de ordem suscitada, procedeu a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade nos termos da decisão abaixo:

“Decisão: Concluindo o julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto, ora reajustado, do Ministro Luiz Fux (Relator), resolveu a questão de ordem nos seguintes termos: 1) – modular os efeitos para que se dê sobrevida ao regime especial de pagamento de precatórios, instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009, por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016; 2) – conferir eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes aspectos da ADI, fixando como marco inicial a data de conclusão do julgamento da presente questão de ordem (25.03.2015) e mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data, a saber: 2.1.) fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (i) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e (ii) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; e 2.2.) ficam resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nº 12.919/13 e Lei nº 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária; 3) – quanto às formas alternativas de pagamento previstas no regime especial: 3.1) consideram-se válidas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista por ordem crescente de crédito previstos na Emenda Constitucional nº 62/2009, desde que realizados até 25.03.2015, data a partir da qual não será possível a quitação de precatórios por tais modalidades; 3.2) fica mantida a possibilidade de realização de acordos diretos, observada a ordem de preferência dos credores e de acordo com lei própria da entidade devedora, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado; 4) – durante o período fixado no item 1 acima, ficam mantidas a vinculação de percentuais mínimos da receita corrente líquida ao pagamento dos precatórios (art. 97, § 10, do ADCT), bem como as sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados ao pagamento de precatórios (art. 97, § 10, do ADCT); 5) – delegação de competência ao Conselho Nacional de Justiça para que considere a apresentação de proposta normativa que discipline (i) a utilização compulsória de 50% dos recursos da conta de depósitos judiciais tributários para o pagamento de precatórios e (ii) a possibilidade de compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos inscritos em dívida ativa até 25.03.2015, por opção do credor do precatório, e 6) – atribuição de competência ao Conselho Nacional de Justiça para que monitore e supervisione o pagamento dos precatórios pelos entes públicos na forma da presente decisão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão, e, em menor extensão, a Ministra Rosa Weber, que fixava como marco inicial a data do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade.” Reajustaram seus votos os Ministros Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 25.03.2015.

A decisão modulatória que vai muito além do previsto no art. 27 da Lei nº 9.868/99 não é das melhores, mas, pelo menos, acaba com a insegurança reinante e previne as discussões judiciais que não permitem a finalização do processo.

O prazo de cinco anos de sobrevida do regime especial de pagamento de precatórios deveria contar a partir da data da declaração de inconstitucionalidade parcial da EC nº 62/09, ou seja, a partir de 14-3-2013. A manutenção de juros pagos até 25-3-2015 pelos índices da poupança, ressalvando apenas os precatórios de responsabilidade da União, onde impera a aplicação do IPCA-E de conformidade com o que dispõem as suas Leis de Diretrizes Orçamentárias, não se harmoniza com o princípio da isonomia.

Mas, o tema deste artigo é a compensação de precatórios com tributos que vai adiante comentada.

Em primeiro lugar, cumpre assinalar que a compensação poderá ser efetuada até o final do exercício de 2020, quando cessarão os efeitos da modulação, retornando definitivamente ao regime normal de pagamento de precatórios judiciais previsto no art. 100 da CF. Em segundo lugar, o tributo a ser compensado é apenas aquele inscrito na dívida ativa até o dia 25-3-2015. No meu entender abrange o dívida inscrita sob execução fiscal.

Em terceiro lugar, o precatório a ser compensado pode ser pertencente originariamente ao devedor do tributo compensando, ou aquele derivado de aquisição de terceiros, por via de cessão de direitos, por instrumento público ou particular revestido de formalidades legais.

A tese da compensação, também por iniciativa do precatorista, foi por nós levantada logo no início da vigência da EC nº 62/2009 tendo em vista a ordem jurídica vigente que não permite convolar uma categoria jurídica de natureza bilateral em um instrumento de implementação por vontade apenas de uma das partes. Encontrou eco na proposta de modulação de efeitos feita pelo Ministro Roberto Barroso que de início havia sido rechaçada, mas, que acabou sendo acolhida pela maioria dos integrantes da mais Alta Corte de Justiça do País, por ser uma medida de grande alcance político-jurídico-financeiro e social que em muito contribuirá para acabar de vez com os precatórios ditos impagáveis.

Nesse sentido, teria sido melhor se a Corte Suprema ao invés de declarar inconstitucional a compensação unilateral pela Fazenda Pública tivesse dado àquele § 9º, do art. 100 da CF uma interpretação conforme com a Constituição, a fim de possibilitar de forma permanente a compensação de precatórios com tributos nos moldes regulados pelo Código Civil.

Efetivamente, era impositivo que aquela compensação unilateral fosse ajustada ao princípio do tratamento recíproco das partes: Fazenda, credor de tributo de um lado, e particular, credor de precatório de outro lado.

É preciso que o Conselho Nacional da Magistratura incumbido de regulamentar essa compensação oo faça o quanto mais rápido possível, antes que governantes inescrepulosos aglutinem forças políticas para tentar esvaziar o conteúdo da decisão modulatória. Nesse sentido, o Prefeito da cidade que detém o título de recordista nacional de calotes contra precatoristas já manifestou sua insatisfação sinalizando a dificuldade de honrar a decisão da Corte Suprema.

SP, 30-3-15.

* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Site: www.haradaadvogados.com.br

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