Conceito de terreno encravado

No lançamento do IPTU sobre terrenos, o agente fiscal competente deve atentar para as características de cada imóvel. O IPTU é imposto de lançamento direto, isto é, cabe ao Município notificar o contribuinte do lançamento tributário anual.

Dispõe o art. 142 do CTN que o lançamento é “procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso propor a aplicação da penalidade cabível”.

Resulta do exposto que cabe ao agente fiscal examinar as características do imóvel objeto de lançamento e calcular o imposto, de conformidade com a legislação de regência da matéria, no caso, a Lei nº 10.235, de 16 de dezembro de 1986. Essa Lei, além das seis tabelas que a integram, contém dados objetivos para a apuração dos valores unitários de metro quadrado da construção e do terreno.

Cabe ao fisco examinar as peculiaridades de cada terreno objeto de lançamento atentando, dentre outros aspectos, para o disposto na tabela III anexa à Lei nº 10.235/86 que contempla a redução do valor venal em função de diversos fatores.

Examinemos o fator encravado que é o tema deste artigo.

Segundo a citada tabela III o fator encravado acarreta a redução de 0,50 no valor venal do IPTU.

Portanto, impõe-se o exame da conceituação do que seja fator encravado à luz do que dispõe o art. 9º, IV da Lei nº 10.325/88:

“Art. 9º Para os efeitos do disposto nesta lei consideram-se:

IV- terreno encravado, aquele que não se comunica com a via pública, exceto por servidão de passagem por outro imóvel”.

Pois bem, para a grande surpresa nossa a Prefeitura de São Paulo vem promovendo o lançamento do IPTU sobre terrenos encravados, sem redução do valor venal, baseado no simples fato de a lei ter instituído para o local uma via pública, que passou a figurar no CADLOG, porém, sem a sua existência física, porque ela não foi aberta pelo poder público.

Para o poder público basta a existência jurídica da via pública, sendo irrelevante a sua existência material.

Dessa forma, inúmeros lotes de terrenos encravados vêm sendo tributados sem redução do valor venal, mediante utilização de vias públicas fantasmas, sem existência no mundo real.

Estará correto esse procedimento do fisco de São Paulo?

É obvio que não!

A aprovação legislativa de determinada via pública possibilita o desmembramento do terreno em lotes, que passam a ter um valor de mercado considerável em comparação à área bruta. Mas, se não for aberta a via pública esse lote tributável, individualmente, acabará perdendo valor de mercado. Esse é o primeiro ponto.

O segundo ponto diz respeito à interpretação correta do art. 9º, IV retro transcrito.

A expressão “aquele que não se comunica com a via pública” está a demonstrar a inexistência material de via pública. Não se comunicar é sinônimo de não ter acesso à via pública. Tanto isso é verdade que a norma em sua parte final acrescenta: “exceto por servidão de passagem por outro imóvel,” ou seja, não se comunica senão por servidão de passagem por outro imóvel. É claro que a servidão a que se refere é aquela de fato existente e não aquela considerada no plano abstrato.

Aliás, basta simples incursão no campo da Teoria Geral do Direito. Toda norma jurídica para incidir, isto é, para ter eficácia, não pode prescindir do respectivo suporte fático. É a chamada subsunção do fato concreto à hipótese legal prevista.

Logo, a hipótese abstratamente descrita no art. 9º, IV da Lei nº 10.235/86 só incidirá quando constatar a existência do terreno sem frente para uma via pública. A sua criação em lei não tem o condão de alterar a situação fática sobre a qual incide a norma jurídica.

Em terceiro lugar, o lançamento do IPTU que considera a mesma base de cálculo para todos os lotes situados na mesma zona fiscal, independentemente de ter ou não a via pública concretamente no local, além de agredir o princípio da razoabilidade e proporcionalidade que se coloca como um limite à ação do próprio legislador, afronta o princípio da isonomia tributária (art. 150, II da CF) e o princípio da capacidade contributiva (parágrafo único, do art. 145 da CF).

Mas, pelo menos em um caso o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pela sua 15ª Câmara de Direito Público decidiu que é “irrelevante – para fins de base de cálculo do IPTU – o fato daquele logradouro público que lhe faz frente ter, ou não abertura física total ou parcial” (Ap. Civ. Nº 0136217-47.2007..26.0053-SP, Rel. Des. Silva Russo, j. 16-5-2013).

Permitir o lançamento do IPTU com base apenas na existência jurídica da via pública sem correspondência no plano fático é o mesmo que permitir a tributação de n taxas de serviços criadas por lei, porém, sem estrutura material e pessoal para a prestação efetiva ou potencial desses serviços. Outrossim, as desapropriações para a abertura de vias públicas seriam desnecessárias, bastando simples criação delas por meio de instrumentos legislativos.

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