condenações

Explicando a anulação das condenações de Lula pelo Min. Edson Fachin

Razões de decidir

A divulgação, a conta gotas, das barbaridades processuais perpetradas pelo grupo de trabalho da operação lava jato, trazidas à tona pelas gravações ilegais capturadas na operação Spoofing, surtiu efeito.

O Ministro Edson Fachin, relator do habeas corpus nº 193.726 impetrado por Lula, em 4-11-2020, concedeu a ordem para anular todas as condenações que foram impostas ao Lula, dentre os quais, aqueles pertinentes ao triplex de Guarujá e ao sítio de Atibaia, reconhecendo a incompetência da 13ª vara de Curitiba para julgar esses processos.

Em outras palavras, afastou-se cautelosamente a imparcialidade do juiz Sergio Moro como razão de decidir, fundamentando a sua decisão na incompetência da Vara de Curitiba porque os processos contra Lula não tinham uma relação direta com as corrupções apurados no âmbito da Petrobrás. Procurou-se salvar o que restou da operação lava jato.

A nosso ver a fixação de competência da 13ª Vara de Curitiba em função de o crime ter sido praticado com desvios de recursos da Petrobrás não está no CPP, assim como o crime cometido em detrimento do patrimônio do Banco do Brasil não foi fixada para a Vara criminal de São Paulo, por exemplo. Ainda que houvesse previsão legal, esse tipo de competência, ao contrário da competência ratione matéria (juiz criminal julgar questão trabalhista, por exemplo), não é absoluta, podendo e devendo ser prorrogada, principalmente se já existiam condenações em três instâncias.

Afinal, o fato de o acusado ser julgado no local do crime, no local de seu domicílio, ou no local do domicílio da vítima, nada muda. O fato criminalizado imputado continua existindo em sua plenitude.

É hora de reformular o CPP para evitar que pessoas astutas se utilizem de artimanhas processuais, manejadas com habilidades fora de alcance de réus pobres, consigam driblar a ação da justiça ficando impunes, apesar dos veementes indícios materiais de enriquecimento ilícito.

Tudo isso não é culpa da defesa. Esse imbróglio jurídico surgiu a partir do momento em que se inventou a competência da 13ª Vara de Curitiba para julgar os crimes relacionados com o desvio de bens da Petrobrás que podem ter sido desviados por “n” meios diferentes, inclusive, com utilização de recursos depositados no exterior. A confusão aumentou com a juntada aos autos do processo de provas obtidas ilicitamente – que a Constituição e o CPP, assim como o CC consideram nulas –, seguida da liberação de seu conteúdo que veio à tona a conta gotas para não deixar o assunto morrer na mídia. A jurisprudência do STF é no sentido de que provas ilícitas podem ser aproveitadas pela defesa.

O processo de habeas corpus estava, pois, maduro para merecer a decisão prolatada pelo Ministro Edson Fachin. Esse tipo de coisas não contribui para fortalecer o Estado Democrático de Direito, fundado, entre outras, na igualdade dos cidadãos. 

O Ministro Fachin havia remetido o processo para o Plenário, mas, considerando o perigo de demora no seu julgamento porque havia sido aberta vista a PGR, resolveu proferir decisão monocrática, com base no Regimento Interno da Corte, anulando os quatro processos julgados pela 13ª Vara de Curitiba, antes que a Segunda Turma do STF julgasse o HC nº 164.493 em que Lula questionava a parcialidade do juiz Moro.

Esse HC, que estava suspenso desde 4-12-2018, um dia após a decisão do Min. Edson Fachin, sintomaticamente, retomou seu curso, por iniciativa do Ministro Gilmar Mendes, Presidente da Turma.

A questão de ordem levantada pelo Ministro Fachin, porque os processos já haviam sido anulados e o HC que persegue a tese da parcialidade do juiz havia perdido seu objeto, foi rejeitada por 4 votos a um e o julgamento teve seu curso. Foram proferidos quatro votos, dois contra e dois a favor pela anulação das condenações por parcialidade do juiz Sergio Moro. Pediu vista o Ministro Nunes Marques que irá proferir o voto de desempate, mas, especula-se que a Ministra Cármen Lúcia, que sempre acompanha os votos do Ministro Fachin, e vice-versa, poderá alterar o seu entendimento neste caso específico, acolhendo a tese da parcialidade do juiz Moro.

Um julgamento acadêmico

Como o objeto do HC – parcialidade do juiz Sergio Moro – já não mais existia a partir da anulação de decisões proferidas por juiz incompetente, o julgamento desse segundo HC vem ocorrendo no “nível acadêmico”, para fixação de tese em abstrato. Está-se emprestando ao HC os mesmos efeitos de uma ADPF que ataca o ato  para frente e para trás.

Embora o Ministro Gilmar Mendes enfatize que o julgamento desse HC 164.493 limita-se apenas a decidir sobre os processos referentes ao Lula, que já haviam sido anulados, não há como deixar de reconhecer seus efeitos em relação a todos os processos originários da lava jato que foram sentenciados pelo juiz Sérgio Moro, acusado de parcialidade, principalmente, depois que a sociedade inteira tomou conhecimento das barbaridades jurídicas perpetradas pelos membros da operação lava jato envolvendo a ação de procuradores com o conhecimento do juiz Sergio Moro, no mínimo.

Efeitos avassaladores

Como eu disse anteriormente, a decisão a ser proferida neste HC 164.494, que perdeu seu objeto, visa tão somente fixar uma tese em abstrato.

Por isso, seus efeitos são avassaladores.  É de se presumir que a lava jato ficará definitivamente sepultada com esse julgamento que está implicitamente louvado nas contundentes provas que, embora ilícitas, demonstram as arbitrariedades e desvios funcionais dos membros da lava jato, absolutamente inadmissíveis.

É uma pena de bilhões de recursos investidos ao longo do tempo nessa operação lava jato, mobilizando órgãos e instituições tenham que ir por terra, exatamente no momento em que sob novo comando da PGR, os antigos membros que deturparam a sua missão haviam sido afastados.

Que os fatos gravíssimos que vieram à tona por meio de provas ilícitas devam ser apurados é indiscutível não, porém, acoimar de nulas todos os atos praticados perante a 13ª Vara de Curitiba, implicando soltura de todos os condenados por atos de corrupção, valendo-se da tese da parcialidade do juiz na condução dos processos, onde os procuradores faziam o que bem entendem, atuando à margem da lei.

SP, 15-3-21

Kiyoshi Harada

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