Contagem do prazo decadencial no lançamento por homologação

Título:

Autor: Kiyoshi Harada

Data: 09/06/2017

Palavras-chaves: .

 

Contagem do prazo decadencial no lançamento por homologação

 

Kiyoshi Harada*

 

Reina muita controvérsia acerca desse tema, a começar pela denominação dessa modalidade de lançamento que muitos a denominam de autolançamento porque, como dissemos, “todas as providências necessárias à constituição definitiva do crédito tributário ficam a cargo do sujeito passivo, tais como emissão de notas fiscais, sua escrituração em livros especiais, a apuração periódica do montante do tributo devido, seu pagamento antecipado, comunicação ao fisco desse pagamento etc.” [1] Adotar providência para constituir o crédito tributário não quer dizer constituir o crédito tributário, faculdade reservada à autoridade administrativa competente na forma do art. 142 do CTN. E essa autoridade competente só pode ser o servidor público exercente de cargo efetivo integrante da carreira de auditor ou de agente fiscal de rendas, como determina o inciso XXII, do art. 37 da CF.

Como se recorda, a jurisprudência antiga do STJ pra fins de determinação do prazo decadencial em matéria de lançamento por homologação determinava a contagem dos prazos do § 4º, do art. 150 do CTN e do art. 173, I do CTN. Ficou conhecida como a tese dos “cinco mais cinco”, sem respaldo na lei. Houve abandono dessa tese, mas a inovação da lei continuou, como veremos.

No Resp nº 973.733/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado sob regime do art. 543-C do CPC/73, DJe de 18-9-2009, ficou assentada a tese de que no lançamento por homologação aplica-se a regra do § 4º, do art. 150 do CTN quando houver pagamento antecipado e não for comprovada a existência de dolo, fraude ou simulação e, a regra do art. 173, I do CTN quando não houver pagamento antecipado. Eliminou-se a aplicação cumulativa dos prazos do lançamento direito e do lançamento por homologação, mas continuou a inovação legislativa ao condicionar a aplicação da regra do § 4º, do art. 150 do CTN apenas para os casos em que houver pagamento antecipado. Ora, o que caracteriza o lançamento por homologação, como expresso está no caput do art. 150 do CTN, é o fato de a legislação prever o dever do sujeito passivo de antecipar o pagamento sem prévio exame do fisco, e não o pagamento antecipado que extingue o crédito tributário sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento (§ 1º, do art. 150 do CTN). O que se homologa não é apenas o pagamento, mas a exatidão das atividades exercidas pelo contribuinte (emissão de notas fiscais, sua escrituração em livros próprios, apuração periódica do montante do tributo devido, comunicação ao fisco do valor do tributo apurado por meio de GIA/DCTF, seu pagamento antecipado etc.) Cabe ao fisco verificar a exatidão dessas atividades praticadas pelo contribuinte e sua compatibilidade com o montante do tributo apontado para cada período homologando-as. No silêncio do fisco, o prazo de homologação é de cinco anos a contar da data da ocorrência do fato gerador (§ 4º, do art. 150 do CTN).

O lançamento, qualquer que seja sua modalidade, é sempre um meio de constituição do crédito tributário. No lançamento por homologação, se houve pagamento antecipado, a autoridade fiscal constitui o crédito tributário e o extingue simultaneamente. Se o pagamento tiver sido parcial a autoridade fiscal promove o lançamento direto da diferença devida (§ 3º, do art. 150 do CTN), mas sempre dentro do prazo quinquenal tendo como termo inicial a data da ocorrência do fato gerador. Se não houve pagamento total ou parcial, uma vez constatada a exatidão das atividades exercidas pelo contribuinte, inclusive, informação quanto ao montante do tributo devido, o fisco as homologa promovendo a inscrição do crédito tributário na dívida ativa para fins de cobrança executiva [2]. Nos termos da Súmula 436 do STJ “a entrega de declaração pelo contribuinte, reconhecendo o débito fiscal, constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do Fisco”. A aplicação da regra do art. 173, I do CTN para os casos em que não houve antecipação do pagamento deixa sem sentido a norma do § 3º, do art. 150 do CTN. Não se pode extrair a validade de uma norma à custa do esvaziamento de outra norma. Deve o aplicador buscar uma interpretação harmônica entre os dispositivos aparentemente antagônicos dentro do sistema jurídico global. Se três são as modalidades de lançamentos previstas no CTN não pode o aplicador, para efeito de contagem do prazo decadencial, transformar o lançamento por homologação em que não houve antecipação do pagamento em lançamento de ofício, porque matéria submetida ao princípio da reserva legal. Nessa hipótese, a menos que o fisco constate inexatidão nas atividades exercidas pelo contribuinte, deve homologar essas atividades exercidas promovendo a inscrição na dívida ativa do montante do crédito tributário apontado pelo sujeito passivo. O despacho da autoridade fiscal determinando a inscrição na dívida ativa equivale ao ato de homologação do lançamento transformando o débito apontado pelo contribuinte em crédito tributário definitivamente constituído.

Na verdade há conflito entre as decisões proferidas pelo STJ, talvez, em razão da confusão entre decadência e prescrição que no Direito Tributário, nos termos do art. 156, V do CTN, conduzem ao mesmo efeito, qual seja, a extinção do crédito tributário[3]. Com efeito, no julgamento do Resp nº 1.120.295-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 21-5-2010, submetido ao rito dos recursos respectivos (art. 543-C do CPC/73) decidiu-se que o “prazo prescricional quinquenal para o Fisco exercer a pretensão de cobrança judicial do crédito tributário conta-se da data estipulada como vencimento para o pagamento da obrigação tributária declarada (mediante DCTF, GIA, entre outros), nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação, em que, não obstante cumprido o dever instrumental de declaração da exação devida, não restou adimplida a obrigação principal (pagamento antecipado), nem sobreveio quaisquer das causas suspensivas da exigibilidade do crédito ou interruptivas do prazo prescricional”.

Manifesto o conflito com o decido em caráter repetitivo no Resp nº 973.733/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 18-9-2009 onde está proclamada a tese do lançamento direito (art. 173, I do CTN) na hipótese em que não houve pagamento antecipado do tributo declarado pelo contribuinte no caso de lançamento por homologação. O primeiro Acórdão conflita com a Súmula 436 do STJ, ao passo que o segundo Acórdão guarda harmonia com a referida Súmula. Deve-se entender que o decidido em caráter repetitivo no Resp nº 973.733/SP foi superado pelo advento da Súmula 436.

Entretanto, como se verifica da citação doutrinária no julgamento do Resp nº 973.733/SC em caráter de recursos repetitivos existe doutrina no sentido de que o prazo decadencial do § 4º, do art. 150 do CTN só tem aplicação quando se tratar de lançamento por homologação em que o contribuinte deixou de efetuar o pagamento antecipado. E o CARF continua aplicando o entendimento consagrado no Resp citado, conforme se verifica do Acórdão nº 2202-003.724 proferido pela 2ª Turma, da 2ª Câmara, no julgamento do dia 14-3-2017 (Processo nº 10410.725332/2012-74). Uma vez feita a confusão leva-se muito tempo para desfazê-la. Tão logo não haverá pacificação da tese na jurisprudência administrativa e na dos tribunais.

 

 

* Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.

[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 635.

[2]  Insustentável a tese defendida por alguns autores no sentido da necessidade de prévia notificação do contribuinte para o ato de inscrição na dívida ativa invocando indevidamente o princípio do contraditório e ampla defesa. O contraditório e ampla defesa exerce-se contra atos de terceiros, nunca contra atos praticados pelo próprio contribuinte.

[3] Na verdade, extinção do direito potestativo de constituir o crédito tributário no caso de prazo decadencial.

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