Contradições do governo

Se examinarmos de forma crítica as diversas áreas de atuação do governo, área da economia, da saúde, do social, da ecologia etc. veremos um série infindável de contradições que vêm se acumulando nos últimos anos.

Essas contradições interferem, dentre outros, no crescimento do PIB, na taxa de juros e na qualidade de vida da população em geral. Examinemos, em rápidas pinceladas, algumas dessas contradições a título exemplificativo.

(a) Recursos para a saúde

Tendo a Constituição Federal assegurado o direito de acesso universal e igualitário na área da saúde, para custear o sistema de saúde foi criada a CPMF, por tempo certo, mediante a vinculação do produto de sua arrecadação. Ela foi “n” vezes prorrogada antes de sua rejeição pelo Senado da República ante os indícios de que nada havia melhorado nessa área.

Acontece que o Programa de Ajuste Fiscal implantado pela Emenda Revisional de nº 1/94 com o nome de Fundo Social de Emergência e que até hoje vem sendo prorrogado com o nome de DRU retirou da saúde 20% dos recursos a ela pertencentes. E o que é pior, as verbas da dotação específica para a saúde não vêm sendo liquidadas senão parcialmente, todos os anos. Logo, difícil de entender a barulhada feita em torno da necessidade de reforçar os recursos para a área da saúde.

(b) Previdência Social

O corte de 20% do orçamento anual representado pela DRU, também, recai sobre as verbas da Previdência. Esse fato, aliado a má administração dos recursos financeiros, a criação ou aumento de benefícios sem fonte de custeio correspondente acabou gerando um déficit de 50 bilhões em 2013. Como resolver esse problema?

Simplesmente repetindo exemplos do passado, onde se destacam o aumento do limite de idade para aposentadoria, a quebra da paridade “ativo/inativo,” a redução da pensão, a introdução do “fator previdenciário” e a instituição da contribuição dos inativos, rapidamente digeridos por outros dois Poderes.

Desta feita, o governo está mirando no auxílio previdenciário de longa duração para reduzir o número de “inválidos,” mediante um Plano de Reabilitação Integral que possibilite o beneficiário retornar à função primitiva, ou outro posto compatível com a condição de “reabilitado”. Se um indivíduo são, que nunca teve problemas de saúde, encontra dificuldades de se empregar imagine, então, o “reabilitado,” principalmente neste momento em que o País enfrenta o maior desemprego dos últimos dez anos. Na cogitação do governo se inclui, também, uma nova mexida na pensão por morte. Espero que isso não acarrete a morte prematura do beneficiado.

Por outro lado, as despesas com a bolsa família, que rende dividendos políticos, crescem de forma assustadora a cada ano que passa, onde milhões [1] são incluídos no programa por critérios não visíveis à sociedade em geral, enquanto que os filiados à Previdência têm diminuído seus benefícios de forma abrupta e transparente, sem dúvidas e incertezas, e sem que se possa, validamente, invocar o princípio do direito adquirido, que sofre flexibilização sempre que o interesse financeiro do Estado falar mais alto. Estranha política de inclusão social, onde milhões são incluídos gradativamente e de forma nebulosa, enquanto outros tantos são excluídos abruptamente e de forma direta e transparente!

(c) Meio Ambiente

Nos últimos dez anos intensificou-se o combate ao desmatamento, a criação de reservas florestais, o uso racional do solo ao ponto de o Brasil merecer elogios de organismos internacionais. O ápice da radicalização do tema ambiental levou à demissão da Ministra Marina Silva que hoje comanda um Partido Político informal denominado Rede de Sustentabilidade.

Só que em 2009 iniciou-se o desmonte do Proálcool, um programa bem estruturado para economizar a gasolina e ao mesmo tempo evitar a poluição ambiental. A extração do etanol a partir da cana de açúcar, que produz combustível que reduz em 44% as emissões de gases de efeito estufa, teve a sua produção praticamente estancada por força da política de subsídio à gasolina e retirada de todos os benefícios do Proálcool, ironicamente, depois que foram desenvolvidas modernas tecnologias que aumentaram consideravelmente o rendimento de veículos movidos a etanol, inclusive, redundando na fabricação de carros flex. Na esteira dessa confusão a Prefeitura de São Paulo inventou a inspeção veicular para controlar o nível de poluição ambiental. Só que a empresa encarregada – Controlar – iniciou o controle a partir de veículos novos, postergando a inspeção de veículos usados, talvez, pelo fato de a poluição por eles causada ser visível a olho nu. A “inspeção” da Controlar, por ora, está suspensa e nem por isso houve aumento do índice de poluição ambiental. Hoje, estamos amargando a importação de etanol produzido nos Estados Unidos a partir do milho que reduz em apenas 16% a produção de gases-estufas, como sucedâneo à importação de gasolina de custo mais elevado que a Petrobrás insiste em repassar automaticamente ao distribuidor, comprometendo a meta fixada para a inflação. A função da empresa que atua na área monopolizada é a de obter a autossuficiência do petróleo e seus derivados, mas parece que hoje, a missão da Petrobrás é a distribuir polpudos dividendos à sua acionista principal, ainda que por meio de maquiagens contábeis.

(d) Produção e uso do automóvel

Para qualquer pessoa de senso comum a produção do automóvel está ligada ao seu uso pelo adquirente. Difícil imaginar que os automóveis, caros por sinal, existem simplesmente para enfeitar as garagens de seus proprietários.

Pois bem, se confrontarmos as políticas do governo federal e do governo municipal de São Paulo vislumbramos contradições gritantes.

Enquanto a União incentiva a produção e aquisição de automóveis mediante redução do IPI, financiamentos a longo prazo, concessão de incentivos para instalações de novas fábricas etc., o governo do Município de São Paulo cria obstáculos cada vez maiores para o uso do automóvel. Começou com o rodízio, que implica supressão parcial do direito de uso, e, agora, estamos diante de faixas exclusivas para ônibus implantadas em avenidas e estreitas vias da cidade, sem um projeto básico racional e funcional. Da noite para o dia quantidade infindável de vias públicas foram pintadas com faixas brancas exclusivas, dificultando a vida da população motorizada, inclusive a dos taxistas. Pelo elevado custo destas faixas elas deveriam ser douradas e não brancas. Isso vem provocando maior poluição que a Prefeitura quer controlar, atrasos e quedas de rendimento no trabalho e afetando, sobretudo, a saúde da população motorizada em decorrência do stress causado pelo engarrafamento de veículos, para a alegria dos assaltantes que se aproveitam das longas paradas obrigatórias. O atual Prefeito quer duplicar essas faixas douradas de branco. Só não o fez, ainda, porque o Tribunal de Justiça ao barrar o tresloucado aumento do IPTU, que viola em bloco nada menos que seis princípios constitucionais, obrigou o Executivo a planejar os gastos públicos para que a política de desenvolvimento urbano atenda efetivamente o bem-estar de seus habitantes, como prescreve o art. 182 da CF. Não é infernizando a vida da parcela ponderável dos habitantes da urbe, que utiliza o automóvel como meio de transporte em face da notória e pública falência do sistema coletiva de transporte, que irá atingir a finalidade cometida pela legislador constituinte.

O jeitinho brasileiro

Para lidar com a montanha de contradições e sufocar no nascedouro qualquer oposição, o governo inventou um jeitinho próprio: a distribuição de um Ministério para cada partido da base aliada. Resultado: estamos com 39 Ministérios. O próximo Ministério seria o de número 40, mas por ser um número problemático do ponto de vista da mídia, foi criado com o nome de Secretaria, conferindo-lhe o status de Ministério. Já nem me lembro do nome dessa última Secretaria ministerial.

E dessa forma, toda e qualquer irregularidade era empurrada debaixo do tapetão, como aconteceu com o escândalo dos cartões corporativos, de licitações irregulares, de obras inacabadas, de sumiço das verbas orçamentárias etc.

Só não deu para esconder o escândalo do Mensalão, cujos participantes do esquema, em número de 40 se não me falha a memória, foram denunciados em 2005. Como decorrência da mobilização popular eles receberam da mais Alta Corte do País, no final de 2013, a mais dura das condenações como nunca dantes visto, inclusive, com o uso da eficiente e, às vezes, indispensável teoria do domínio do fato, equivocadamente criticada por alguns setores da doutrina. Em compensação, aqueles que não conseguiram adiar a punição estão cumprindo a pena de forma mais branda possível. Cada um tem direito à livre escolha do “emprego” regiamente remunerado para se livrar do cárcere, ainda que parcialmente. Enfim, outras situações narradas pela mídia tornam as execuções das penas impostas bastantes peculiares que não guardam harmonia com o rigor imposto por ocasião do histórico julgamento, nem com o tratamento dispensados aos demais condenados fora do Mensalão.

Por tudo isso, fico a imaginar se as contradições fazem parte de nossa cultura. Parodiando o grande Rui Barbosa eu diria “de tanto ver crescer as contradições penso que as elas integram o patrimônio nacional.”

[1] Cerca de 12,4 milhões.

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